terça-feira, 7 de outubro de 2014

Café Literário: José Inácio & Chiquinho Garra


“EU NUNCA COMI PUDIM”


“EU NUNCA COMI PUDIM”

Jacob Fortes

O relógio do carro marcava 21 horas quando eu atravessava uma povoação rala encravada numa região exsicada do Nordeste brasileiro. Neste comenos, a agudez dos meus sentidos dizia que havia algo à frente. Levantei a luz alta do farol. O vulto adiante se fazia parecer a um veículo; enguiçado.  Levantei novamente o farol: era uma carroça a passos de tartaruga, puxada por um jumentinho ruço. Sobre o estrado da carroça um ancião hirsuto, mal-amanhado, e dois meninos, ambos descamisados e cabelos espeta-caju. A particularidade dos meninos cingia-se às suas cabecinhas de arroba que faziam lembrar miniaturas de alienígenas. O conjunto da cena, transporte e passageiros, tinha contornos que se prestavam a certificar tanto a miséria patrimonial quanto a sublimidade daquela família: avô e dois netos. Parei ao lado do carroceiro e enderecei-lhe um efusivo cumprimento de boa-noite. Ele respondeu espontâneo e prazeroso.
— Para onde o Senhor vai a essa hora da noite? Perguntei.
— Para Santa Rita, respondeu o Ancião.
— É longe daqui?
— Uma légua beiçuda.
— Essas crianças já jantaram?
— Nhô não.
— Há, nesta localidade, alguma padaria?
— Lá naquela luz encarnada vende pão.
— O senhor aceita uns pães.
— Se o for dado aceito, os bacorinhos tão com fome.
Derivei o carro à direita dizendo: queira me acompanhar até a padaria.
Enquanto comprava os pães, e refrigerante, ocorreu-me perguntar às crianças.
— Do que vocês mais gostam de comer?
O maiorzinho, seis anos aproximadamente, olhar mortiço, baixou a cabeça e nada respondeu. O menorzinho, talvez uns quatro anos, olhar desprevenido, como, aliás, são os olhares infantis, disse apenas: “eu nunca comi pudim”. A resposta nublou de tristeza a minha alma não exatamente por causa do pudim, mas porque aquela resposta realçava a recorrente constatação: “uns com tanto, outros com tão pouco”.  Enquanto famílias, pacatas — que habitam, anônimas, as vivendas rurais do Brasil — vivem abaixo do principal, e não maldizem o fado que lhes cabe em sorte, comunidades pracianas se esgoelam quando lhes falta o secundário. “Uns choram porque apanham outros porque não lhe batem
Fiquei devendo o pudim, pois o mistifório de gêneros, onde também se vendia pão, (quiçá sapato para galinha), não tinha a iguaria tão desejada por aquela criança. Paliei o seu desejo com uns bombons.
Almejo que as bênçãos divinas recaiam em messe sobre aqueles meninos, (ecos da minha meninice), assim como incidiram fartamente sobre mim. Que Santa Rita os conduza pelos melhores caminhos, mormente os da escola. Evidentemente que o poder sobreceleste precisa de uma ajudinha terreal: que a corrupção seja exonerada da odiosa função de coadjutora das iniquidades sociais.  

domingo, 5 de outubro de 2014

Seleta Piauiense - V. de Araújo


POEMA TERRA

V. de Araújo (1950)

Não me pergunte, moço,         

de onde eu vim nem para onde eu vou...

Eu sou daqui deste solo onde o sol,

o ano todo e todo o ano,

incide sem piedade;

deste barro cor de sangue

que, no tardio inverno,

se transforma em lama,

em cobertores, em tapetes de piçarra.

Não se preocupe, moço,

porque jamais negarei que sou deste chão,

que sou seu vizinho, que sou seu irmão,

e não nego o ar que respiro,

o feijão que comi, o cuscuz que cozi,

a rapariga que amei, a rapadura que roí,

e que, um dia, não comi

o pão que os deuses prepararam

e o diabo endiabrado amassou.

Eu sou deste chão, moço,

deste solo onde o homem encobre,

com o gibão de couro,

o couro que o patrão tirou;

deste chão onde o vaqueiro,

com sede, com fome,

abóia, canta e encanta...

enquanto a serra, Serra Negra,

como espelho mágico,

no recolher da boiada,

no despertar da coruja,

reflete o eco de sua alma;

deste solo que nutre com fogo,

com ferro... a vida do homem

que caça caçado, cansado,

o sustento da família.

Eu sou deste chão minado de mistérios,

onde as promessas são

o alimento dos ingênuos,

a desilusão dos velhos,

a esperança dos jovens

e o futuro incerto das crianças.

Por que me julgar se ando descalço,

se masco fumo, se tomo pinga,

se cuspo no chão?!

Será que tenho culpa se não me ensinaram

dominar a pena, lavrar a palavra,

ou desbastar a Pedra Bruta com que me deparei?!

Eu sou deste chão, moço,

deste solo onde você também nasceu...

do Parnaíba, da Parnaíba, do Igaraçu,

da Ilha Grande(de Santa Isabel);

da Barra Grande, da Atalaia ou Amarração,

do Coqueiro e da Pedra do Sal.

Sim, eu sou dali do Portinho

e conheço, muito bem, os mistérios das dunas,

o açoite dos ventos, o enigma dos mangues...

Comi caranguejo no Porto das Barcas,

ao crepúsculo, poemei a bela Estaiada,

fiz serenatas pra Ponte Metálica,

do Flutuante, flertei com Floriano,

convivi com a miséria na Ponte do Poti.

Mais que muitos, eu bem conheço a vida...

Na Paissandu, Osiel disse que o Tantan já foi “Estrela”,

“Fascinação”, pra mim não é nem foi “Helena”,

“Zélia do Rancho”, eu vi com “Bete” e “Margarida”,

“Maria das Neves”, eu conheci lá na Guarita

e , do “Monte Carlos”, “Meia-Noite”, divisei “Casa Amarela”.

Eu sou deste chão, moço,

de Therezina, cajuína, linda Esperantina...

e, no 4 de Setembro, no Teatro de Arena,

fui Romeu de Julieta que o vento levou.

Na Serafim, fui Rei Momo com a Nicinha,

preparei minha banda no Fundo de Quintal,

desfilei com o Paturi, Jaime Doido e Manelão...

e, no Troca-Troca, troquei sonho,

num dia de Carnaval, na Avenida Maranhão.

Eu sou deste chão, moço...

Já ouvi, de Herculano, “Murmúrios ao Vento”,

“Na Boca do Vulcão”, flagrei o Nelson meditando,

Ramsés, fatigado, eu vi... no “Percurso do Verbo”,

Zé Lorota e Dona Nilza encontrei filosofando,

de “Piripiri, à Sombra de Buganvílias e Madressilvas”,

vi Cléa Rezende, na Espanha, despertar Salamanca;

sob a brisa equórea, fui ver com Paulo a “Paz do Pântano”...

e, “Entre Caminhos”, com Ednólia, fui platônico

e declamei pra ela os “Poemas Que Neguei”.

Com o Júnior, filho meu, conheci harmonia,

disse-me Lucas: A vida sem Deus é jardim sem flores...

e, sozinho, com sua lanterna de ouro, vi Diógenes,

à procura de um HOMEM... em pleno meio-dia.

Com “Os Cavaleiros da Noite”, cavalgando, eu vi Garcia,

aprendi, com H. Dobal, viver “O Dia Sem Presságios”,

conheci Mauro Faustino – “O Homem e Sua Hora”,

penetrei com Hardi Filho, na “Gruta Iluminada”...

e, na piracema do verso, pescando ilusão,

feliz naveguei, com Chico Miguel, no “Universo das Águas”.

Eu sou deste chão, moço, e me orgulho...

Já trabalhei com Cineas na Oficina da Palavra,

de Da Costa e Silva, ainda sinto a “Saudade”,

de Leonardo das Dores, “A Criação Universal”,

segredo do mundo, não é mistério pra mim;

e, na Prainha, antes que se acabasse,

Kenard, “Pra Dizer Adeus”, chamou Torquato

que fez pra ela uma grande “Louvação”.

Palmilhei, com Assis Brasil, “Beira Rio Beira Vida”,

no “Rio Subterrâneo”, mergulhei com O. G. Rego,

andei, com Ibiapina, sobre “Palha de Arroz”...

Rubervan foi quem me disse que se “Grito, Logo Existo”

e decorei o arco-íros com os “Cromos...” do Elmar.

A declamar, aprendi com o Chico Castro,

com o RAL, Teresina, aprendi a versejar;

fui menestrel com Tito Filho, Alcenor e Adrião,

o Livro da Lei conheci na Igreja do Tony,

pra mim, Monsenhor Chaves disse que Cristo há de vir...

e sob o pulsar da Estrela Flamejante,

Luiz Rocha me ensinou “Saga da |Terra”,

e as coisas folclóricas lá do Médio Itaim.

Declamei poema na Praça da Graça,

da carnaúba, vendi linho pro Mestre Joaz,

conheci Fidié no Colégio de Maria da Penha,

descobri que Deus habita no Delta Sagrado,

sou profeta do amor de Otacília, amada mãe,

lídimo apóstolo das palavras do meu pai.

Bebi água do Barreiras, do Ingazeiras, do Caldeirão...

tomei banho na Cachoeira do Urubu,

decifrei os símbolos da Serra da Capivara,

conversei com os Fenícios em Sete idades...

conduzi, no lasso ombro, Santa Cruz dos Milagres,

e lutei, e morri, e venci, e vi o meu sangue,

ali no Jenipapo, naquela tarde sangrenta,

regando as plantas e pastagens

e alimentando os carnaubais

dos verdes campos de Campo Maior.

Eu sou deste chão, moço,

de Cristalândia, de Corrente...

Orei contrito na Igreja de Picos,

joguei tarrafa no Rio Guaribas,

comprei cebola, alho e milho

na grande feira que nunca esqueci.

Eu sou de Oeiras onde a Santa Padroeira,

de braços abertos, no cume do monte,

abençoa os poetas, o povo pacato

que habita a cidade.


Eu sou daqui de Valença onde a crença

habita o coração de qualquer um;

dali de Aroazes, do Beco, do Bambu...

e, no Barreiro da Velha Ana,

vi o Zuca imitar Luiz Gonzaga na sanfona,

o Benedito Quinaria cuidar da terra,

em sua roça, Joana e Ana plantando cana,

enquanto eu namorava a serra

que vigia e protege a terra onde nasci.

Eu sou deste chão, moço,

onde o Cabeça-de-Cuia,

no Encontro das Águas,

é o tormento das Virgens;

onde o Judas, no Sábado de Aleluia,

é massacrado, queimado...

e cumpre sua sina,

enquanto o Bumba-Meu-Boi,

nos Festejos de Junho,

alegra as Noites de São João.

Eu sou deste chão, moço,

desta terra onde a relva

renasce e morre todo o ano...

como se quisesse dizer aos homens

que a vida é um ciclo
 e que o  começo é o princípio do fim.     

sábado, 4 de outubro de 2014

Cinismo de candidato, cumplicidade do eleitor


Cinismo de candidato, cumplicidade do eleitor

José Maria Vasconcelos
Cronista, josemaria001@hotmail.com

             A campanha eleitoral encerra-se, aliviando a esgotada paciência do eleitor. Candidatos, que tentaram açucarar a retórica do discurso da fé e temor de Deus, mas vestindo roupas inadequadas para participar do banquete democrático, não convenceram. A parábola evangélica do banquete nupcial cai bem nessas horas, porque “muitos são chamados, mas poucos os escolhidos”. Candidato ficha-suja, que exibe cândidas virtudes, contradiz-se, diante de flagrantes condutas de corrupção. Não merece comparecer ao nobre banquete da democracia. Se o eleitor lhe vota, comete o mesmo crime de cumplicidade e traição à pátria.

                252 candidatos a cargos eletivos, em todo o Brasil, estão barrados pela Lei da Ficha Limpa em 2014. De acordo com a Lei, ficam inelegíveis os candidatos que tiverem suas contas rejeitadas por ato intencional (ou “doloso”) de improbidade administrativa, quando exerciam cargos ou funções públicas, ou que foram condenados por determinados crimes em órgãos colegiados. Os eleitores conhecem bem as figuras, porquanto a imprensa tem divulgado, exaustivamente, os fichados.

      Durante os debates promovidos por canais de comunicação, foram execrados por adversários. Então, por que continuam a tripudiar, por anos seguidos e mandatos conquistados, a dignidade nacional? Só se encontra uma resposta: cumplicidade de eleitores e autoridades, portanto conduta antiética e condenável.

      A rejeição da candidatura não tira o político da corrida eleitoral. Permite que ele siga com a campanha até a votação, caso não tenham se esgotado todas as possibilidades de recurso. Se eleito, toma posse. Se a situação dele não for regularizada, seus votos serão considerados inválidos, mas o percurso é longo e proveitoso para continuar no poder. Eis aí um túnel nebuloso, por onde todo tipo de malabarismos jurídicos quase sempre resulta em impunidade, embora a custos altos com advogados. O preço de uma liminar, por exemplo, chega à estratosfera. O acusado, já eleito e desfrutando das benesses do poder, encontra as fontes de onde tirar dinheiro para sua defesa nos tribunais. Ele se encontra na dolce far niente vida de eterno repetidor de mandato, aplaudido e eleito pela ignorância popular, e um exército de cabos eleitorais generosamente pagos.

         O grupo Ficha Suja, conhecendo a impunidade via Recursos na Justiça, segue, com deslavada cara de pau, o "Vai que Cola!", ou “na miúda”, sem aparecer na mídia, esperando serem esquecidos. Eleitor, já acostumado a conviver com a classe política Ficha Suja, cada vez mais tende a se tornar complacente e generoso, abraçando e votando nos impunes. Mais vergonhoso acompanhar jornalistas que jogam confetes por jabás generosos. A impressão de que a sacanagem virou moda na era do “que é que tem?”.

        Cidadãos do bem encontram-se acuados, vendo o barco da decência à deriva, em mares bravios da impunidade. A sensação é de puni-los é não votar neles. Um gigantesco exército do NÃO à impunidade.                   

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

GRANDE NOME DA EDUCAÇÃO E CULTURA DE AMARANTE

Luís Alberto Soares (Bebeto)


ISABEL MARIA SOARES DA COSTA CARVALHO, mais conhecida como professora Isabel Pio, amarantina que marca muita história no cenário educacional e cultural de Amarante. É considerada uma das melhores professoras e conhecedoras da cultura amarantina. Portadora de um vasto currículo, inúmeros cursos, entre eles, Licenciatura Curta em Ciências (UFPI); Licenciatura Plena em Português; Especialização em Ensino Superior. Funcionária pública estadual em Amarante. (aposentada). Coordenadora Geral da UESPI, Pólo de Amarante por sete anos (governo de W. Dias). Ministrou relevantes aulas na referida universidade e em outros colégios da rede estadual.  Professora em São Francisco do Maranhão e de um colégio particular de Amarante. Professora Isabel sempre representou Amarante nos encontros educacionais e culturais. Presente nos grandes acontecimentos que envolvem seu município.  As virtudes da educadora só fazem nos orgulhar. Trata-se ainda de uma figura simpática, atenciosa, prestativa e querida por todos. De fino trato no português; de inteligência e dedicação inquestionáveis. Vale ressaltar que a conceituada professora Isabel é esposa do simpático comerciante e político, popular Chico Noca. Do matrimônio, inteligentes filhas: Lívia Maria, Beatriz e Clarissa.        

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

O POETA E O INSETO


O POETA E O INSETO

Elmar Carvalho

Uma música longínqua
e melancólica cria ressonâncias
na concha acústica de minha alma.
A bebida eu a tomo em longos goles.
Um inseto pousa sobre
a mesa e me faz companhia.
Sorve um trago da porção/poção
(derr)amada. E se embriaga.
A tristeza imensa me deixa cruel:
enxoto o pobre inseto bêbado que
ensaia um atropelado vôo. E cai.
A tristeza continua a crescer e a cair
em minha alma como infiltrações de estalactites
em (f)urna mortuária ..........................................         

terça-feira, 30 de setembro de 2014

BIBLIOTECA DE CAMPO MAIOR, PI


BIBLIOTECA DE CAMPO MAIOR, PI

 Jacob Fortes

A Biblioteca Municipal da cidade de Campo Maior encontra-se albergada num pardieiro localizado no cruzamento das ruas Capitão Manoel Oliveira e Santo Antonio, centro velho da cidade. O local, que nos tempos de antanho fora o tradicional palco de oferta e procura de sexo, ainda conserva visíveis traços dos cabarés e casas de tolerância que vigeram naquelas eras.  São os bares circunvizinhos demarcados não apenas pelo bulício de frequentadores que desandam sob os efeitos etílicos, mas também pelo barulho do som eletrônico, mais das vezes melodias de letras desditosas. Há, ainda, a presença de mulheres malfadadas que perambulam desventuradamente pelo local.   O cenário, nada confortante, de causar repugnância aos olhos e entristecer corações, acaba deslustrando o ânimo de quem tenciona recorrer ao acervo da biblioteca. Além de exprimir verdadeira heresia ao livro, o local não honra a comunidade: alunado, corpo docente, moçoilas, rapazolas, senhoras, anciãos, enfim, não confere honras à grandeza do município. Mas isso retrata bem o desprestígio que, progressivamente, encurrala o livro.  Durante as minhas eventuais viagens, de automóvel, sempre que possível faço uma rápida parada nas urbes de maior relevo para uma visitinha à respectiva biblioteca municipal. Via de regra, os acervos dessas bibliotecas tem a mesma marca: o descuido. Todo o acervo aquartelado e maquilado de pó denota que o povo não lê o quanto deveria; inexistem políticas (municipal, estadual e federal) para que os livros se tornem companheiros das pessoas. Quem já teve o condão de maravilhar e ofertar conhecimento apequenou-se ante o surgimento das tecnologias: sedutoras, palatáveis, que oferecem informações em tempo real, mas em linguagem minimalista e superficiais. É a tecnologia sentenciando o escambo: o conhecimento do livro vai, a informação da internet vem.

Ao consignar o fato, pesaroso, exsurge neste escriba a centelha de esperança de que aquele acervo possa ser transladado para local francamente favorável aos seus usuários. O próprio corpo docente municipal também assim há de pretender, mais que isso: exigir. Por mais que se queira relativizar a importância do livro, este será sempre reverenciado, admirado, respeitado e, portanto, digno dos melhores espaços culturais.        

domingo, 28 de setembro de 2014

Seleta Piauiense - Alcenor Candeira Filho


DIANTE DA PORTA DA VIDA MORTA

Alcenor Candeira Filho (1947)

Diante da porta
da vida morta,
devo sorrir
ou devo chorar?

Há deste lado
belas estrelas
que um dia talvez
possa alcançar.
Belas estrelas,
mas que me assombram
e fazem mal
ao meu olhar.
Por trás da porta
da vida morta,
em meio a um branco
transcendental,
o que haverá?
o que haverá?

Belas estrelas
dos meus assombros,
por gentileza
dizei-me vós:
diante da porta
da vida morta
devo sorrir
ou devo chorar?   

sábado, 27 de setembro de 2014

GHOST, a sublimação do amor


GHOST, a sublimação do amor

José Maria Vasconcelos
Cronista, josemaria001@hotmail.com
  

         Ronaldo Terra prepara-se para enfrentar o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM): “O professor de redação estabeleceu que desenvolvêssemos um tema de crítica à banalização do amor, nas novelas, músicas e relações afetivas entre os jovens. Professor, dê uma mãozinha, pois ainda não me apaixonei por uma garota”.

         É, Ronaldo, você sabe muito bem utilizar suas mãozinhas para desnudar a intimidade das garotas, especialmente das safadinhas. Vocês traduzem essa relação, de “ficar”, a fórmula mágica do amor. No entanto, Ronaldo, a liturgia do amor não antecede com liberdade sexual, que deveria ser aguardada, prudentemente, para a mais tarde, depois de uma série de convivência disciplinada. Sentimento amoroso não combina com a paixão, que, frequentemente, desemboca nos versos de Carlos Drummond de Andrade: “O amor bate na porta/o amor bate na aorta/fui abrir e me constipei”.

         A agitação moderna, na tentativa estressante de conquistas profissionais e materiais, vem brutalizando relações afetivas, rejeitando trivial bom-dia, desculpem, por favor, a bênção papai e mamãe. Músicas que retratam afetos sublimes ou estimulam raro prazer são substituídas por conteúdos animalescos, sem algo de sublimação. Quer exemplo de música saudável? Ligue o som da trilha sonora do filme Ghost, do outro lado da vida, 1990, estrondoso sucesso até hoje. Observe a tradução da letra e se arrepie, umedeça os olhos, como eu: “Oh meu amor, minha querida!/Eu estou faminto pelo seu toque/O tempo passa devagar, tão devagar/E ao mesmo tempo pode fazer tanta coisa/Será que você ainda é minha?/Eu preciso de seu amor/Que Deus mande logo seu amor para mim/Os rios solitários fluem para o mar/ Para o mar, para os braços abertos para o mar/Ao lado dos rios solitários, espere por mim/Estarei voltando para casa/Espere por mim, oh meu amor, minha querida/Estou faminto de seu toque/Por um longo e solitário tempo/O tempo passa tão devagar/E ao mesmo tempo fazer tanta coisa!/Será que você ainda é minha?/Eu preciso de seu amor/Que Deus mande logo o seu amor para mim.”

         O ser humano carece de sonhos que estimulem vértices de felicidade, somente encontrada no afeto, especialmente familiar, na generosidade e exercício das virtudes. No momento em que se rompem laços fraternos e sentimentos amorosos, a angústia e pesadelos rompem as fronteiras da paz interior. Não há cura, senão no exercício do afeto. O espírito desce ao inferno quando busca o sonho sublime nas drogas.

         Louvável a ideia do professor de redação ao estimular os estudantes a elaborarem um texto que aborde o sentimento amoroso da atual juventude. Bom começo para se estender aos círculos de debate, em programas de rádio, na escolha de repertório musical mais decente, em vez das canções insossas, vazias de nobres sentimentos. Nas instituições de recuperação de viciados, inclusive nos presídios, podem-se conseguir ótimos resultados de cura, utilizando canções que fecundem o espírito de sentimentos afetivos. Em casa, os pais tentassem estabelecer vínculos com os filhos, ouvindo e interpretando músicas que toquem fundo as fibras de saudáveis sentimentos. Infelizmente, o tom maior é a agressão, que não cola como tema de uma produção de texto. 

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

EXORTAÇÃO À JUSTIÇA E À BONDADE


EXORTAÇÃO À JUSTIÇA E À BONDADE

                                 Elmar Carvalho

No livro “O Jardim das Rosas”, de Saadi, encontra-se a emblemática passagem em que um pastor teria pedido ao pai lhe ensinasse a bondade, ao que este lhe teria respondido: “Sê bom, mas que a tua mansidão não faça o lobo tornar-se audacioso.” De igual modo, diria que nós, os juízes, devemos também ser bons, mas com as devidas cautelas, ainda mais agora em que os ogros e elfos, desconformes e canhestros, andam, afoitamente,  com os dedos tortuosos e sujos, apontando pretensas mazelas da Justiça, para depois, a exemplo do que já faziam dantes, incorrerem em maiores e mais danosos pecados.
Devemos sempre ter em mente que aqueles que nos procuram para solução de conflitos, via de regra, já tentaram por vários outros meios, mais rápidos e econômicos, a sua resolução, e que, quando batem à porta da Justiça, batem como sendo a última porta da esperança, e que por isso mesmo não os podemos decepcionar, porquanto só aqueles que se defrontam com o limbo do inferno dantesco são despojados de toda esperança.
A balança da Justiça há de restar sempre soerguida, limpa e altaneira, e devidamente ajustada pelo prumo e pelo esquadro, para que os pratos se mantenham no equilíbrio da imparcialidade.
Quando tomei posse de meu cargo de juiz junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, em solenidade singela, contudo para mim memorável, disse que uma dúvida me assaltava naquela ocasião: sobre o que seria mais importante, se a justiça, se a bondade. Mas eu próprio resolvi o aparente paradoxo da equação, ao dizer que quem era bom era justo, e quem era justo necessariamente teria que ser bom.
Todavia, hoje me assalta novamente a mesma dúvida, ao lembrar-me da história de Judas, que fustigado pela sua consciência implacável, talvez o último resquício da centelha divina que ainda lhe restasse, ao tentar ser justo, sendo juiz e algoz de si próprio, expiando sua culpa com o enforcamento, deixou de ser bom para consigo, perdoando-se a si mesmo e buscando o perdão do Mestre traído, mediante uma vida de bondade e de arrependimento.
Porém, no desespero e no orgulho, preferiu optar por uma justiça inexorável, sem bondade e sem perdão para consigo mesmo, o que me faz novamente enxergar que a justiça e a bondade não se excluem, mas, ao contrário, se completam e se sublimam. E isto até o nosso ordenamento jurídico, a jurisprudência e a doutrina entendem, quando assinalam o princípio da bagatela e o estado de necessidade, que atenuam e de certa forma justificam alguns pequenos delitos, cometidos em certas circunstâncias.
A consciência que está em todos nós, e que estava em Judas, no momento do salto e do laço fatal, é um semáforo divino, que nos alerta sobre os perigos e armadilhas do pecado, mas que, semelhante a um sinal de trânsito, não nos impede de avançarmos indevidamente e entrarmos na delinqüência e na prática de ações reprováveis. Aliás, dizem que, quando a consciência é freqüentemente desrespeitada e violada, termina por se tornar insensível, e leva o homem a sua degradação total e sem retorno, em que ele mergulha nas profundezas abissais dos pecados hediondos, progressivos e sem freios, numa espiral ascendente e em expansão.
Dizia o mestre Alceu Amoroso Lima, o Tristão de Athayde, que os pecados são virtudes enlouquecidas. Isto porque o que se chama pecado, quando sentido e praticado de forma sutil e diminuta, é virtude, tanto que a soberba, a gula, a luxúria, a inveja são extrapolações do amor próprio, do apetite, do sexo e da admiração. Há quem diga que o anjo decaído amava tanto e tanto admirava o Onipotente que ousou desejar ser um seu igual. Assim, devemos estar em perpétua vigilância para que as nossas virtudes não se transformem em vícios, pela incúria e pelo superdimensionamento.
O grande estadista do Império, Nabuco de Araújo, pai do não menos ilustre Joaquim Nabuco, dizia que preferia um juiz desonesto a um juiz destituído de inteligência, porque, na sua avaliação, um magistrado corrupto só errava nas causas em que tivesse interesse, ao passo que o honesto, mas desprovido de inteligência, cometeria muitos erros, em face do seu despreparo. Por outro lado, em sentido oposto, conta-se que Anatole France, ao proferir notável conferência sobre as qualidades que deveriam ornar um julgador, não se referiu à honestidade. Indagado sobre a aparente omissão, respondeu que não falava ali senão a magistrados honestos, porque um juiz corrupto não era efetivamente um juiz, mas alguém que deveria ser tratado em matéria penal.
Compartilho desta última opinião, porquanto entendo que um julgador corrupto terminará, como uma metástase ou como uma infecção generalizada, por macular o próprio conceito de Justiça, e por levá-lo a ter cada vez mais interesses escusos nos processos, por força da ganância e da elasticidade degenerativa de sua degradação, ao passo que um juiz probo, embora não quinhoado com os fulgores de uma inteligência portentosa, através de seu esforço e zelo na persecução do justo e da verdade real, alcançará dar soluções corretas aos litígios, uma vez que não faz parte de sua índole tirar a razão de quem tem para dar a quem não a tem. De qualquer modo, tenho plena convicção de que os juízes iníquos são uma pequena minoria, que jamais há de empanar o brilho e a glória do Poder Judiciário.
Sou um otimista. Acredito que no filme da luta entre o bem e o mal, os mocinhos vencerão os bandidos, porque as trevas não podem prevalecer sobre a luz. Onde a luz chega, as trevas, em fuga, desaparecem. O bem sempre dominará o mal, pois a marcha da humanidade é para a frente e para o alto, e o seu desiderato maior é o bom, o bem e o belo. Por isso existe o amor, o mais nobre e sublime dos sentimentos.
Onde existe o amor, existem a bondade, a caridade e a justiça, e essas virtudes interagem entre si e se retroalimentam, e fazem surgir o resplendor e a glória de um círculo virtuoso. Inclusive, o culto e inteligentíssimo São Paulo dizia que, ainda que tivesse os mais importantes dons e falasse a língua dos anjos, sem o amor nada seria. Embora haja controvérsia a este respeito, tenho para mim que o amor deve ser colocado acima da caridade, pois quem tem realmente amor tem disposição para a prática das virtudes, inclusive a caridade, ao passo que esta, desprovida do excelso sentimento, pode ser apenas hipocrisia e demagogia, ou até mesmo vão comércio, na esperança de uma futura e improvável recompensa divina.
Exorto os colegas juízes para que prossigamos com fé, esperança e coragem em nossa luta para que a Justiça humana seja realmente justa, porque um dia, talvez no dia do Juízo Final, haveremos de nos defrontar com a balança do Supremo Julgador, ao qual nos teremos de submeter. E que, nessa ocasião, a palavra tequel, entrevista pelo rei Baltazar, em seu opíparo banquete, inserta na frase “mene, mene, tequel, ufarsim” (Daniel, 5:25-27), cujo enigma foi revelado pelo profeta Daniel, em sua tradução para “Pesado foste na balança, e foste achado em falta”, não seja por nós avistada.

Sim, porque ao invés desta palavra, embebida de profunda iniqüidade, queremos que, ao passarmos pela balança incorruptível e exata do Criador, não sejamos achados em falta, e que a sua espada flamejante e gloriosa não caia sobre a nossa cabeça.    

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Que é isso, Leonardo Boff?!


Que é isso, Leonardo Boff?!

José Maria Vasconcelos
Cronista, josemaria001@hotmail.com

Conhecido, estudado e discutido nos centros de cultura, dentro e fora do Brasil, o ex-frade franciscano, Leonardo Boff, brilhante professor universitário, escritor, expoente da Teologia da Libertação, célebre pelos temas polêmicos da missão humana na Terra.

Para Boff, “os pobres gritam porque são oprimidos. A teologia da libertação nasceu tentando fazer justiça ao grito deles. Mas não apenas os pobres e oprimidos gritam. Gritam as florestas, as águas, os animais, grita a natureza e geme a Terra. Todos estão submetidos a um processo sistemático de opressão e devastação. Não apenas os pobres, mas todos, reféns de um paradigma que propôs explorar de forma ilimitada todos os recursos e serviços da Terra. É o paradigma da vontade de poder como dominação. Daí sermos todos oprimidos e necessitados de libertação”.

Leonardo Boff, afeiçoado ao PT, não perdoa a presidenciável Marina Silva, filiada ao PSB e segue outros paradigmas que não os do antigo partido. Logo ele, fervoroso ambientalista, especialmente da floresta amazônica. Aliás, petista detesta ex-petista; prefere abraçar a escória imunda, condenada no passado, a acatar críticas de ex-membro do PT.

Em 2010, Boff sonhava com uma representante dos povos da floresta, dos caboclos, dos ribeirinhos, dos indígenas, dos peões vivendo em situação análoga à escravidão, chegar a presidente do Brasil. Hoje. Em entrevista ao site Viomundo, Boff classifica a ex-petista, ex-católica, agora membro da igreja Assembleia de Deus, de fundamentalista, piegas, retrógrada em pleno século XXI: “O que Marina pratica é o fundamentalismo. Este é uma patologia de muitas religiões, inclusive de grupos católicos. O fundamentalismo não é uma doutrina. É uma maneira de entender a doutrina: única verdadeira e as demais estão erradas e como tais não têm
direito nenhum.”

Marina Silva, 56 anos, magérrima, analfabeta até aos 16, semblante debilitado, resultado de cinco malárias, professora, psicopedagoga, ambientalista, foi vereadora mais votada em Rio Branco, também como deputada estadual; senadora, depois reeleita, ministra do Meio Ambiente nos dois mandatos de Lula, afastando-se do cargo e do PT, por discordar dos rumos negativos do partido. Premiada na ONU e Suécia por sua defesa da floresta amazônica. Conduta ética ilibada, mas bombardeada pelos adversários, devido à aura de uma mulher capaz de dar nova cara e esperança à nação envolta pelo crime organizado, tráfico de drogas, violência e lideranças corruptas.

Líderes do bem, quase sempre frágeis, ressurgem das cinzas da pobreza, do campo hostil e anonimato, arrebentam a História. Ghândi, esquelético e mal vestido, líder pacifista, resgatou a Índia do imperialismo britânico; Madre Teresa de Calcutá, franzina e alquebrada, tesouro de gratidão às comunidades excluídas; Papa João XXIII, modesto camponês e pouco letrado, empurrou a Igreja para mudanças radicais, a partir do Concílio Vaticano II, convocado pelo mesmo pontífice; Papa Francisco, abnegado jesuíta, ideais franciscanos, avesso a luxo e privilégios do cargo; Francisco de Assis fundou uma ordem dentro de velha pocilga. Na Bíblia, Moisés, educado na nobreza faraônica, resgatou seu povo hebreu da escravidão para a Terra Prometida; Davi, pastor de ovelhas, último dos irmãos, ungiu-se rei, venceu batalhas, institucionalizou a nação de Israel; Jesus Cristo, criado na miserável Nazaré: “De Nazaré pode surgir tamanho profeta?!” zombavam adversários. É que as coisas do alto escandalizam a sociedade, quando se avaliam líderes pela pose e pelas posses, especialmente as imundas. Leonardo Boff esqueceu-se de que Deus pode "transformar pedras em filhos de Abraão” – proclamava João Batista, nas estepes e margens do Jordão.      

domingo, 21 de setembro de 2014

Seleta Piauiense - J. Ribamar Matos


Ressurreição

J. Ribamar Matos (1946 - 1974)

Reza ao teu morto uma oração constante:
deixa cair do triste olhar vazio,
do teu, então, já pálido semblante
o pranto que te torna o olhar sombrio...

Vai derramar em minha sepultura
chuva eterna de lágrima sentida
de tua alma, diluída na amargura;
que, se molhar a minha face ungida,

então me erguendo lá da cova escura,
eu chamarei por ti, mulher querida!
de tua alma, diluída na amargura;

que, se molhar a minha face ungida,
então me erguendo lá da cova escura,
eu chamarei por ti, mulher querida!      

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Eleições brasileiras: uma briga de foice


Eleições brasileiras: uma briga de foice

Cunha e Silva Filho

                       Até pensei que as eleições presidenciais  seriam  realizadas em clima de respeito mútuo. Não é o que está  acontecendo  para vergonha de todos nós  eleitores.
                       Depois do infausto acidente aéreo de Eduardo Campos, duas  competidoras  saíram a campo (sem trocadilho), uma  atacando, a petista  Dilma, a outra, Marina,  se defendendo com o discurso  da prudência.  Marina vem das lutas  ambientais,  de voz  mansa,  baixa,  pouca  adequada  ao timbre  de vozes  de  candidatos que  almejam  vencer  no grito. Marina  é tranquila, não provoca,  não  alardeia,  lembra um pouco  as mulheres   indianas, mas, no corpo frágil, como  Gandhi,   parece ser dotada de   uma determinação  de querer  vencer,  de enfrentar  os desafios  enormes  do país. O PT não lhe dá trégua,  indiretamente  a ataca quando  associa  o nome do  falecido   Eduardo Campos  em outro   escândalo  relacionado   a benefícios fraudulentos   envolvendo  governadores,  deputados e senadores  de vários  partidos,  inclusive petistas. Mal  foram  prestadas homenagens a um  político  em ascensão, morto  precocemente, e já tem seu  nome  conspurcado  pela fúria  dos abutres  politiqueiros. A família de Campos deveria,  agora,   vir a público defendê-lo e exigir retratação. Afinal, um morto não pode se defender, o que torna mais  covarde  a suposta calúnia.
                        Dilma, por sua vez,  sempre  com suas  declarações  evasivas, diz que  as investigações  devem ser  feitas  e os implicados   punidos caso sejam   considerados   responsáveis  por seus delitos. É fácil perceber que  o PT vai jogar todos as suas cartas, todo o seu veneno  a fim de não perder  as regalias  do poder  imperial de que desfruta desde  a primeira posse do Lula.
Aécio Neves, em segundo  plano diante das duas  candidatas,  procura  tirar seus dividendos sem grandes  ataques,  sem ferocidades, o que lhe poderá  render alguns votos a mais. Porém, a polarização  já está   lançada. Dilma não quer  arredar do poder. Ninguém, segundo suas convicções,  lhe poderá  tascar a faixa presidencial. Ela ainda quer  andar, por mais  quatro anos,  de Rolls-Royce nas paradas  de Sete de Setembro,  com toda a sua coorte  e  áulicos  palacianos. Marina é a sua preocupação, a “pedra no meio do caminho.”  É preciso  derrubar  a frágil Marina, mulher  sem ostentação de vaidades femininas,   de gestos  moderados, de voz pausada, de olhar profundo como  se estivesse  sondando todos os  possíveis   golpes  baixos  dos adversários. Lembra mesmo  o tipo  comum de vestir-se de uma evangélica, de uma  mulher   simples,    sem physique de rôle. Nem quando foi  ministra  ou senadora  dava a impressão   exterior  de que   exercia   um cargo importante..
O apresentador Boris Casoy, em mesa redonda, conversando com  jornalistas,   pôs em dúvida a capacidade de Marna   para ser Presidente  da República. Não atinei  com  a perplexidade  dele porque a Dilma  nunca foi   prefeita, governadora, i.e.,  não tinha experiência de cargos  executivos e, no entanto,   aí está como  Presidente. O pior foi  o Lula, sem competência nem  escolaridade    para  dirigir  o mais  alto  cargo da Nação.Só tinha a seu favor a habilidade de  armar seus discursos  populistas, sua lábia, sua malandragem  política, seu messianismo,  sua fácil  e  sedutora  comunicação com   as massas. Neste talento é quase imbatível. Conseguiu  conquistar  o gosto tanto do  povão quanto  dos sociólogos  europeus ou americanos, que o admiram e julgam que seja    um político da esquerda, quando  sabemos que,hoje,  sua família  já se elitizou e ele próprio,  já  mudou  muito  seu aspecto   físico, sua indumentária., que não é mais a de um  ex-torneiro mecânico ou sindicalista.
Na verdade,  um Presidente da República, para governar  bem, tem que escolher  pessoas  competentes e íntegras para   serem  seus ministros. No entanto,  o PT, durante  toda o seus  período  no poder,  não  escolheu  as pessoas  corretas  para os cargos  mais importantes. A nomeação por razões politiqueiras e não pelo bom currículo  do indicado. Os cargos são, por assim dizer, loteados, mercadejados,    pelos diversos  partidos  que  constituem a chamada base política do governo, e é aí que  o desempenho  da governança se perde  no submundo   dos conchavos,   dos conluios,   dos bastidores   escusos   do balcão  sujo e fétido  das decisões  a serem tomadas ao arrepio  da  autenticidade   dos princípios democráticos, nas esferas  dos poderes  executivo e  legislativo,  assim como no Congresso  Nacional e até mesmo  respingando no judiciário.
O Brasil ainda está  longe de atingir  um nível   de excelência  na sua  forma   de realizar  eleições. Persistem os mesmo vícios atávicos, a propaganda  política  na televisão  e fora dela  ainda  se cerca  de  um  ritualística  que mais   se aproxima  da pantomima,  de um tosco  espetáculo circense,  de saltimbancos, prestidigitadores e ilusionistas  de teatro de revista de segunda ou terceira categoria. É uma ópera bufa, uma  cena burlesca, uns cinquenta minutos dignos de uma  peça  satírica vicentina. Esse palco de momices, de figuras  caricatas,   grotescas, é um banho, em geral,  de imbecilidades   empurradas goela abaixo de quem  assiste  a esse teatro  de comédia.    
Essa interrupção obrigatória foi  com justiça   chamada pelo brasileiros  de “programa  humorísticos.” Não sei por que cargas d’água ainda  o  Tribunal    Eleitoral  mantém   essa configuração rabaelaisiana.  A continuar com está,  o país  nada   renovou  nas formas de   divulgar  as ideias, em elevado nível,  de seriedade  e de  discussão  dos grandes  problemas   brasileiros. 
Com a balbúrdia de  coligações   de partidos  de  colorações as mais díspares, ou melhor, disparatadas,  não é possível  aperfeiçoar  nossa democracia  em bases de  elevação moral.Quando um país como o  Brasil  elege  oportunistas de todos  os  segmentos   da sociedade que se candidatam  para auferir  vantagens  e mordomias, quando  não   envolvimento  em   maracutaias, mensalões  e negociatas   com   criminosos   danos   ao  Erário Público, difícil se  torna  ainda ter esperança  numa democracia   de  verdade  entre nós.