domingo, 31 de agosto de 2025

NO REINO DO SURREAL

As imagens foram criadas pela AI Gemini

NO REINO DO SURREAL


Elmar Carvalho

     

           I – FUTEBOL

 

último rei

                        dec/apitado

fiz o gol

                                    da vitória

com minha própria

                                    cabeça

nas traves da guilhotina

(e o goleiro era o carr’asco)

 

           II – BASQUETEBOL

 

tomaram-me

            tudo inclusive

            o óbolo inútil

            o bolo indigesto

            a bola murcha

            a bala de festim

            a balada calada

                              alada

            mas sem voo

mas ainda me sobrou

            cabeça para arrancá-la

            e enfiá-la

            na cesta

 

           III – VOLEIBOL

 

    dei um saque

jornada nas estrelas

     em minha

                                     cabeça

de antemão coroada

            com o louro/ouro

                da vitória

minha cabeça descreveu

            uma parábola

                            bola

                       sangrando

                             bola

                                     singrando

o espaço como um

                                                    cometa

      de cauda sangrenta

(depois a fiz troféu da vitória) 

quinta-feira, 28 de agosto de 2025

MUSEU E BIBLIOTECA NO CENAJUS

Os juízes Carlos Brandão, Elmar Carvalho, Luís Moura e Paulo Roberto Barros

Esculturas do artista parnaibano Juca Lima
Fotografias tiradas com os celulares da época, sem muita nitidez

Felizmente o amigo e confrade Cid Castro Dias, com o seu conhecimento no uso de novas tecnologias, conseguiu melhorar as fotos acima, que seguem abaixo, bastante melhoradas:




MUSEU E BIBLIOTECA NO CENAJUS  


Elmar Carvalho

 

Estava no centro histórico e comercial de Teresina, caminhando em direção à agência central do INSS, onde ia buscar uma certidão sobre o meu tempo de contribuição previdenciária, quando o celular tocou. Era o doutor Paulo Roberto que me ligava, a me avisar que conseguira que o seu dentista me atendesse na próxima quarta-feira, à tarde. A seguir, passou o telefone ao amigo Carlos Brandão, que me convidou a me encontrar com eles, no CENAJUS – Centro Nacional de Cultura da Justiça, entidade que dirige, ligada à Justiça Federal, mas sem personalidade jurídica. Ambos são magistrados dignos, humanitários, estudiosos, desprovidos de empáfia e arrogância, e maçons da melhor cepa.

 

A entidade funciona no antigo prédio da Justiça Federal do Piauí. Até meados da década de noventa, a Seção Judiciária do Piauí, contava com apenas um juiz federal; um dos quais foi meu professor na UFPI, no caso o doutor Hércules Quasímodo da Mota Dias. Gravei o seu nome porque o primeiro prenome é uma homenagem ao heroico semideus da mitologia Grega, grande trabalhador, pois se celebrizou por ter realizado doze dificultosos e penosos trabalhos, e o outro, foi retirado, certamente, do livro do romancista e poeta Vítor Hugo, intitulado O Corcunda de Notre Dame.

 

Era um magistrado digno e honrado e um professor de muito mérito, entretanto não fazia jus aos dois prenomes, porquanto não tinha a musculatura avantajada do semideus e nem a feiura do bom e sofrido Quasímodo, conquanto não fosse também nenhum  Apolo nem Adônis. Tive a oportunidade de conhecer a Biblioteca Abdias Neves, da prefeitura de Teresina, e um museu de peças do artesanato piauiense, que lá se encontram bem abrigados, em ponto central da cidade e perto das linhas de ônibus.

 

Abdias Neves, patrono da biblioteca, foi senador da República, magistrado. romancista, poeta e historiador. Polemista, sobretudo em questões anticlericais, literariamente era um talentoso polígrafo. Membro e patrono de uma das cadeiras da Academia Piauiense de Letras. Entre suas principais obras, destacam-se o romance Um Manicaca e A Guerra de Fidié.

 

Pedi para a atendente verificar se na biblioteca havia livros de minha autoria. Felizmente, no cadastro constava as minhas principais obras, entre as quais lá estavam, enfileiradas nas estantes: Noturno de Oeiras, Cromos de Campo Maior, Rosa dos Ventos Gerais e Lira dos Cinqüentanos.

 

No museu, estavam expostas notáveis obras dos grandes mestres do artesanato piauiense, inclusive do parnaibano Juca Lima, que conheci, assim como conheci seu pai, o velho jornalista e tradutor comercial Souza Lima, autor do livro Vareiros do Parnaíba e Outras Histórias, que conta a saga dos antigos porcos d' água, quando a Princesa do Igaraçu despontava como a mais importante cidade comercial do Piauí, com grandes firmas sediadas em seu território, entre as quais podem ser referidas a Marc Jacob, a Casa Inglesa, a Pedro Machado, a indústria Moraes, a do sr. Ranulfo Torres Raposo.

 

E quando os navios de grandes empresas de navegação de cabotagem percorriam o Igaraçu e o Parnaíba, indo em demanda do porto de Tutoia ou de lá voltando, transportando passageiros ou mercadorias, sobretudo na época do auge do extrativismo vegetal, quando os coronéis da carnaúba imperavam, orgulhosos de seu dinheiro e cabedais. Terminei “viajando” na redação, assim como viajei vendo as obras do Juca e dos outros artistas.

 

Ao chegar, flagrei dois estudantes aos beijos e abraços e amassos, num dos corredores. Não ficaram constrangidos com a minha presença, e continuaram com os seus colóquios. Contei aos dois colegas, que um dos governadores de Minas Gerais ficou embevecido ao contemplar um casal de namorados, da janela do palácio. Ao ser indagado por um secretário e amigo se estava com inveja, respondeu que não; que estava com saudade. De minha parte também não senti inveja, mas somente uma pontinha de saudade de meus tempos juvenis, dos quais tento me afastar com sobranceria e sobriedade.

 

Um pouco depois, chegou outro colega, o juiz de Direito Luís Moura. Nesses tempos de modernismo tecnológico, celebramos o encontro dos quatro magistrados da Justiça federal e estadual com uma fotografia tirada através de meu celular. Hoje, o telefone celular é muita coisa, porquanto é multifuncional; é até telefone!...

20 de dezembro de 2010

segunda-feira, 25 de agosto de 2025

Eterno retorno a José de Freitas

 


Elmar Carvalho, Pedro Alcântara e Frederico Rebelo
Criação: ChatGPT



Eterno retorno a José de Freitas

 

Elmar Carvalho

 

Neste sábado passado [23/08/2025], à boca da noite, estive na cidade de José de Freitas para participar da solenidade de lançamento do livro José de Freitas: entre o Marataoan e o Parnaíba, o livro da nossa história, da autoria de Fernando de Almendra Freitas, economista e ex-prefeito do município.

No pleito de 1988, foi o vereador mais votado. Em sua gestão à frente do Poder Executivo Municipal, o governo estadual construiu o açude do Bezerro, que vem contribuindo para o fortalecimento da economia, do turismo e do lazer da região. Era governador Antônio de Almendra Freitas Neto, seu primo, que se encontrava presente à solenidade.

A cerimônia contou com a presença de inúmeros parentes, amigos e conhecidos do autor, entre os quais menciono: Rosilda Freitas, sua esposa; o ex-governador Freitas Neto; o vereador, escritor e jornalista Pedro Alcântara do Nascimento; o médico Ferdinand Freitas; Maria Freitas, viúva de Robert Freitas, prefeito e deputado estadual; e o médico Elias Lima, presidente da Academia Freitense de Letras, idealizada por Fernando.

Estiveram também no evento literário os seguintes membros da referida Academia: o advogado Antônio Carlos Costa; Francisco Costa, auditor-fiscal do Estado; Gilmar Leite, que falou em nome da entidade; o professor e escritor Zito Cruz; e o ex-vereador e historiador Antônio Sampaio Pinto. Representando a Academia de Letras de Miguel Alves, marcou presença o escritor e poeta Frederico Rebelo Torres.

Usaram da palavra Fernando Freitas, Gilmar Leite, Pedro Alcântara do Nascimento, Freitas Neto e este escriba, que enalteceram a obra e seu autor, comentando suas evidentes qualidades, sobretudo pelo volume de preciosas informações sobre o município.

Creio que seja a obra magna do escritor e historiador Fernando de Almendra Freitas. Do meu conhecimento, é o mais importante livro sobre a história de José de Freitas, pela quantidade e qualidade de suas informações. Basta que se diga que o autor vinha elaborando-o há quase trinta anos, em busca da maior proximidade possível da verdade histórica, e não de narrativas tendenciosas ou lendárias.

No seu afã de busca da verdade, chegou a contrariar certos relatos tradicionais, que eram contados como se fossem fatos verdadeiros, quando não o eram, como reconhece Elias Lima, o seu prefaciador:

“No entanto, é necessário ousar, e Fernando faz nova narrativa sobre a origem deste município, mudando o eixo da história quando afirma que Francisco da Cunha Castelo Branco nunca esteve no Piauí, portanto não poderia ter fundado a fazenda Boa Esperança. Essa incumbência coube ao seu genro, o Comissário-Geral de Cavalaria Dom Manuel Carvalho de Almeida (...). Ele e sua esposa (Clara da Cunha e Silva Castelo Branco) receberam em sesmaria esta porção de terra em 1741 e fundaram a fazenda Boa Esperança, edificando a Capela de Nossa Senhora do Livramento.”

O autor declara, em sua nota preambular, que o principal objetivo de seu livro é resgatar a história do povo e do município, tornando-a acessível a estudantes, pesquisadores e professores. E bem soube cumprir esse desiderato, em linguagem concisa, clara, objetiva e com notável correção gramatical — qualidades raras em um livro volumoso, de mais de quinhentas páginas.

Além de se debruçar, com muita percuciência, sobre a história do município, desde os seus primórdios ou origens mais remotas, o autor também abordou outros assuntos paralelos ou afins, tais como biografias de personalidades notáveis, as principais e mais célebres casas de fazenda, aspectos genealógicos, religião, povos indígenas, a escravidão negra, costumes, geografia, hidrografia, lazer, esporte, ambientalismo etc.

Em meu sintético pronunciamento, ao evocar o breve ano em que morei na então linda e bucólica cidade de José de Freitas – numa das quadras mais felizes de minha vida –, disse que a lembrança desse tempo continuava a revoar em minha saudade e em minha memória de forma perene, incessante.

Encerro esta crônica com estes versos de meu poema Livramento: Pedra e Abstração:

Que é Livramento?

 Livramento

é uma revoada de santos,

anjos e meninos sobre um morro

que também voa.

Onde, agora, o morro?

 

O morro continua lá

e em minha memória incessante,

escalado por

    meninos que são anjos

do além do bem e do mal.

domingo, 24 de agosto de 2025

SEX-APPEAL

Criação: AI Gemini

 

SEX-APPEAL


Elmar Carvalho

 

Movo até o teu

meu amoroso coração

- ânfora de lágrimas e solidão.

 

Teu olhar me revida

com uma impressentida carícia

referta de promessas e delícia.

 

Teus olhos escorregam macios

das penumbras dos cílios armados em cios

e afagam minha pele

eriçada em arrepios.

 

Meus anseios

desvelam tuas vestes

e revelam os empinados penedos

sedosos de teus seios,

sem medos

e sem receios,

e devassam em

tênues e tímidos acessos

os teus mais secretos

úmidos e diletos recessos.

 

E eu te desejo mais que tudo,

mas me contenho e me abstenho

e me deixo ficar inerte e mudo...

quinta-feira, 21 de agosto de 2025

Lembrança do poeta Morel Nobre

 

Criação: IA Gemini



Lembrança do poeta Morel Nobre

 

Elmar Carvalho

 

Há mais de um mês me veio à lembrança o poeta Morel Nobre, que, na segunda metade da década de 1970, publicava suas produções literárias — sobretudo sonetos — nos jornais Folha do Litoral e Norte do Piauí, na cidade de Parnaíba, para onde nos havíamos mudado em meados de 1975. A partir dessa época, quando fiz 19 anos, comecei a publicar meus poemas de feição modernista no Folha do Litoral.

Foi então que tomei conhecimento dos sonetos de Morel e do poeta Neiva, que trabalhava na agência dos Correios e Telégrafos e depois foi atuar no Serviço do Patrimônio da União, dirigido pelo advogado Carlos Alberto Teixeira, meu professor no curso de Administração de Empresas (UFPI).

Eram sonetos tradicionais, sincréticos, com resquícios das escolas romântica, parnasiana e simbolista. Outros poetas também publicavam sonetos nos jornais mencionados, mas cujos nomes não me recordo neste momento. Para ilustrar o que afirmo, transcrevo o seguinte soneto, dedicado à sua sobrinha Helinha Carleta:

 

Sublimação

 

Morel Nobre

 

É estranho! Não sei que pensamento

Me aflora ao coração em leve embalo

Não defino porém o sentimento

Nem tampouco consigo decifrá-lo

 

De repente, ao ouvido diz-me o vento

Que a emoção da qual nem sempre falo

Em sofrer também o mesmo sofrimento

É pode talvez, como seus pais, amá-lo

 

Se eu pudesse Helinha, lhe daria

O mundo inteiro e toda a alegria

Das rosas colorindo o seu caminho

 

Mas só posso oferecer neste soneto,

Pobres versos que encerram no terceto

A mais sublime expressão do meu carinho

          Parnaíba, 29.08.76

 

Como dizia, a lembrança do poeta Morel Nobre me veio à mente quando fui caminhar no passeio da Avenida Ulisses Marques — que hoje parece se chamar Professor Arimatéia Santos —, em companhia do amigo Francisco Carlos (Quim). Encontramos um conhecido seu, que me foi apresentado como sendo Ricardo Nobre.

Durante a caminhada, fiquei sabendo de outras informações sobre Ricardo, inclusive de que ele seria filho de um certo Morel. Isso me despertou curiosidade, já que Morel é um sobrenome muito raro no Piauí. Quim me repassou seu WhatsApp e, então, fiquei sabendo que ele era, de fato, filho do poeta Morel, cujo nome completo me forneceu.

José Morel Hermes Nobre nasceu em 6 de março de 1928, na cidade de Cajazeiras (PB), porém foi criado em Fortaleza (CE), onde Ricardo nasceu. Teria escrito em jornais de Fortaleza, mas o filho não se recorda de seus nomes. Foi casado com Teresinha Pinheiro Vidal Nobre, com quem teve os seguintes filhos: Wagner Morel Vidal Nobre, Frederico Ricardo Vidal Nobre, Larissa Vidal Nobre e Guilherme Vidal Nobre.

Além de poeta, foi radioamador. Trabalhou como químico da empresa Vegetex. Uma espécie de “faz tudo”, tinha facilidade de consertar e construir objetos. Falava o alemão e o inglês razoavelmente bem. Entre vários outros, foram seus amigos o médico Valdir Edson e o professor Antônio Gallas Pimentel, jornalista, radialista, escritor e poeta, e o já referido Edgar Braúna.

Como disse, tomei conhecimento dos sonetos de Morel na segunda metade dos anos 1970, mas só o conheci pessoalmente em meados da década de 1980, quando já morava em Teresina. Na época, eu trabalhava na SUNAB, instalada no prédio do Ministério da Fazenda, ao lado da igreja de N. S. do Amparo, na Praça Rio Branco.

Certa vez, ao deixar a praça, vi numa lanchonete o sr. Edgar Braúna, que fora meu colega na ECT. Fui cumprimentá-lo e ele me apresentou um cidadão franzino, de pequena estatura, de nome Morel. Expliquei que já o conhecia de nome e de sonetos. Soube que ele iria voltar para Parnaíba na sexta-feira ou no sábado.

Como eu era solteiro, disse-lhe que iria visitar meus pais em Parnaíba, num desses dias. Fui convidado a ir de carona no fusquinha do poeta. Aceitei a oferta e, no horário marcado, seguimos no automóvel apenas eu e Morel. Quando chegamos a um ponto equidistante das cidades de Altos e Campo Maior, o carro, como um burro empacado, enguiçou.

O poeta parecia conhecer as manhas e birras do “bicho”, pois não demonstrou nervosismo. Pediu que eu ficasse no local e disse que iria buscar água numa casa próxima. Após alguns minutos, retornou com um recipiente. Molhou um pano — creio que uma flanela — e, com movimentos pacientes, quase como se fizesse um carinho, molhou a bobina durante alguns minutos, como se fosse uma espécie de ritual.

Quando sentiu que chegara o momento certo, ligou a chave de ignição, e o bravo fusquinha pegou de primeira, levando-nos até Parnaíba sem qualquer acidente, incidente ou sobressalto.

Depois disso, perdi o poeta de vista e não mais o revi. Não tive notícias dele, nem mesmo se ainda estava vivo, embora guardasse lembrança dele e dessa viagem, que me foi uma espécie de aventura juvenil.

Soube, pelo seu filho — o talentoso arquiteto Ricardo Nobre —, que o final da vida do poeta foi um tanto melancólico, em razão de seu recolhimento e doença.

Em 2004, aos 72 anos, o poeta sofreu um AVC, cujas sequelas lhe dificultavam a locomoção. Nove anos depois, em 2013, já quase totalmente cego, veio a falecer.

Acrescentou Ricardo que, por ser de pequeno porte e franzino, o pai era chamado pelos amigos, em pura blague, de “filé de borboleta”.

Diria que ele, magro e elegante em sua leveza, tinha o espírito de uma borboleta planando à brisa parnaibana, e, por ser poeta e afeito às coisas espirituais, possuía o voo e o canto de um pássaro canoro.

E sua alma voou para uma encantada e melhor dimensão do tempo-espaço. 

terça-feira, 19 de agosto de 2025

ENSAIO DA IA CHATGPT


Criação: IA Gemini
Criação: IA ChatGPT

ENSAIO DA IA CHATGPT

 

Após reler trecho do Apocalipse, resolvi instigar ou provocar a IA ChatGPT com a seguinte pergunta:

Se o Apocalipse fosse uma obra meramente literária poderíamos dizer que ele contém aspectos do simbolismo, do surrealismo e do realismo fantástico?

Ela respondeu positivamente através de um texto que pode ser considerado um pequeno artigo, muito elucidativo e denso de conteúdo.

Em seguida, me perguntou se podia elaborar um ensaio a respeito do tema, tendo eu lhe respondido que sim.

Eis o ensaio criado pela IA ChatGPT:

O Apocalipse como obra literária: entre simbolismo, surrealismo e realismo fantástico

 

Lido na perspectiva estritamente literária, o Apocalipse de João revela-se um texto extraordinário por sua força imagética, sua densidade simbólica e sua capacidade de entrelaçar o real e o sobrenatural. Embora pertença a um contexto religioso e profético específico, sua estética permite aproximá-lo, por analogia, a movimentos literários posteriores: o simbolismo, o surrealismo e o realismo fantástico.

 

1. O simbolismo das visões

 

O simbolismo, surgido no final do século XIX, privilegiava a sugestão e a linguagem carregada de metáforas e símbolos como caminho para alcançar verdades espirituais ou estados de alma. No Apocalipse, esse mesmo recurso está no centro da narrativa.

 

O Cordeiro, ao mesmo tempo sacrificado e vitorioso, condensa em uma imagem a ideia de redenção e triunfo espiritual.

 

As sete igrejas da Ásia são descritas não apenas como comunidades históricas, mas como arquétipos da condição espiritual humana.

 

A repetição do número sete (selos, trombetas, taças) funciona como cifra simbólica de totalidade.

 

 

Assim como em Baudelaire ou Cruz e Sousa, o texto sugere mais do que diz; não descreve de maneira racional, mas transmite uma atmosfera visionária e espiritual.

 

2. O surrealismo das imagens oníricas

 

O surrealismo, no século XX, buscou libertar o inconsciente e dar voz ao sonho, ao delírio e ao insólito. A lógica do Apocalipse é igualmente a do sonho e da visão.

 

A mulher vestida de sol, coroada de estrelas, perseguida por um dragão que lança rios contra ela, parece saída de um quadro de Salvador Dalí.

 

O livro comido pelo profeta, doce na boca e amargo no ventre, lembra as imagens paradoxais e absurdas cultivadas pelos surrealistas.

 

O próprio encadeamento das cenas — anjos que soam trombetas, estrelas que caem, céus que se enrolam como pergaminho — obedece mais à lógica da visão do que à narrativa linear.

 

 

Nesse sentido, o Apocalipse antecipa em séculos a estética surrealista, pois transfigura a realidade com imagens que beiram o delírio poético.

 

3. O realismo fantástico das revelações

 

O realismo fantástico, particularmente na tradição latino-americana, caracteriza-se pela inserção do insólito em um mundo realista, sem que haja estranhamento por parte das personagens. Essa fusão encontra paralelo direto no Apocalipse.

 

Roma, identificada como Babilônia, é uma cidade real, mas nela atuam bestas de sete cabeças e anjos exterminadores.

 

As pragas — mares que se tornam sangue, estrelas que caem, gafanhotos monstruosos — afetam povos históricos, em impérios concretos.

 

O maravilhoso é narrado com naturalidade, como se fizesse parte do cotidiano da história humana.

 

 

Da mesma forma que Gabriel García Márquez apresenta a ascensão de Remédios, a Bela, aos céus em pleno quintal de Macondo, o Apocalipse descreve o sobrenatural como prolongamento do real.

 

Conclusão

 

O Apocalipse, portanto, pode ser lido como um texto precursor de estéticas literárias que só se consolidariam muito depois. Seu simbolismo intenso, sua lógica onírica e suas irrupções fantásticas permitem que seja situado, literariamente, entre o simbolismo, o surrealismo e o realismo mágico.

 

Não se trata, evidentemente, de afirmar que João, o visionário de Patmos, tivesse consciência dessas correntes futuras. Mas é possível reconhecer que a potência estética de seu texto atravessa séculos, influenciando tanto a arte religiosa quanto a literatura moderna. Nesse sentido, o Apocalipse permanece como uma das obras mais literariamente férteis da tradição ocidental: um livro de revelação e de poesia visionária.”

Após, eu lhe avisei que iria publicar o seu ensaio, visto acima, em meu blog, dando-lhe o devido crédito de autoria. Vejamos o que ela me respondeu:

“Fico contente em saber que o ensaio lhe agradou a ponto de querer publicá-lo em seu blog. 😊

 Você pode publicá-lo integralmente, sem necessidade de referência a mim, como se fosse um artigo encomendado.”

Preferi não acatar a sua liberalidade ou generosidade e lhe dei o devido crédito autoral, como julgo ser o correto.

domingo, 17 de agosto de 2025

TRABALHO DE CESTARIA E RENDA

 

Criação: IA Gemini

TRABALHO DE CESTARIA E RENDA


Elmar Carvalho

 

tramas e tramoias

arma(dilha) a(r)mada

a(r)mada arma(dilha)

entocadas nas tocaias

 

amantes amadas

amando (tr)amando

entre teias e r’amas

com as armas a(r)madas

 

entre rendas e redes

a engrenada moenda

do amor entrelaçado

 

faz uma teia de renda

em forma de rede de pe(s)car

e me amor(tece) e me amor(daça)

quarta-feira, 13 de agosto de 2025

RALI E AVENTURA NA CHAPADA GRANDE






RALI E AVENTURA NA CHAPADA GRANDE


Elmar Carvalho

 

Em virtude de estar respondendo pela Comarca de Arraial, durante as férias da titular, juíza Nazildes Santos Lobo, fui ontem a essa cidade. Preferi ir por dentro da Chapada Grande e retornar por Francisco Ayres e Amarante. Logo ao sair desta cidade de Regeneração, começou uma chuva, que, ora mais forte, ora simples chuvisco, durou toda a viagem. Em certos trechos, quando apenas serenava, aproveitei para tirar umas fotografias, que ficaram um tanto prejudicadas por causa da baixa luminosidade.

 

As folhagens estavam bem verdes, lustrosas, e os córregos já começavam a correr. Em certo ponto, pude escutar a estridência alegre de uma cigarra cantadeira, em dueto com um passarinho, que parecia louvar a chuva mansa que caía. Algumas “passagens molhadas” estavam realmente molhadas, com os riachos a passar sobre o concreto da construção. Os morros, colinas e chapadões verdejavam à distância. Redobrei o cuidado, temendo a picape escorregar sobre as ladeiras úmidas. Felizmente, não houve nenhum perigo e nenhuma derrapagem.

 

Essa viagem me fez lembar uma anterior, feita três anos atrás, em que fiz o mesmo périplo. Fui em companhia do soldado Pereira, hoje reformado, que na época estava à disposição da Justiça. Quando assumi a Comarca de Regeneração, ele era chamado apenas de Raimundinho; brincando, disse que ia promovê-lo a Pereira, seu apelido de família, porque esse nome impunha mais respeito, mormente em se tratando de um militar.

 

Após despachar os processos mais urgentes da Justiça estadual, fui até a serventia eleitoral. Lá, ao saber que eu iria voltar por Francisco Ayres e Amarante, o chefe do cartório, por duas ou três vezes, me recomendou que não passasse por cima de uma ponte de madeira, que estava danificada; que eu seguisse por um atalho que havia, e passasse pelo vau do rio. Fiquei um tanto preocupado, pois o “inverno” estava rigoroso na época. Em seguida, fui com o Pereira almoçar num dos restaurantes de Arraial.

 

Comemos um peixe delicioso. Pedi a conta à dona do estabelecimento. Ela deu o preço. Quando eu ia puxar a carteira de cédulas, ela refez o cálculo, dizendo que havia esquecido de incluir uma Coca-Cola; quando, novamente, eu me preparava para sacar o dinheiro, ela voltou a alterar a conta, alegando que não incluíra uma cerveja; na terceira vez, não vacilei, e lhe coloquei o dinheiro na mão, antes que ela alterasse o preço, como sempre para um valor mais elevado.

 

Quando ela processava os dados mentalmente, levantava os olhos para cima, revirava-os, como se em busca de inspiração. Mas foi um preço justo, porquanto a comida estava realmente saborosa. No restaurante, voltei a encontrar o chefe do Cartório Eleitoral, que nele fazia as refeições. Novamente, ele me advertiu que, em hipótese nenhuma, passasse sobre a ponte.

 

Imediatamente, seguimos em direção a Francisco Ayres. Imprimi uma velocidade razoável, mas tendo em vista que a estrada era cheia de curvas e ladeiras, e recoberto  o seu leito com a traiçoeira piçarra, propícia a derrapagens. Quando menos esperei, vi a famigerada ponte à minha frente. Não tive dúvida, pisei no freio. A picape quase fazia um “cavalo de pau”. Manobrei em direção ao atalho. Para minha decepção, a correnteza do rio estava violenta, e não havia a menor condição de atravessá-la. Quando eu já me preparava para retornar, e fazer o percurso pela Chapada Grande, o que me causaria um considerável prejuízo de tempo e combustível, enxerguei um rapaz numa motocicleta, que vinha em sentido contrário.

 

Esperei que ele chegasse até nós. Com firmeza, ele me garantiu que eu poderia passar por cima da ponte, pois na manhã daquele dia um caminhão do tipo ¾ passara sobre ela. Agradeci ao motociclista, e me preparei para enfrentar o desafio. As vigas trepidaram, estalaram, gemeram e rangeram como a moenda do poema de Da Costa e Silva, balançaram, mas não caíram. Exultante, ultrapassei aquela geringonça desengonçada e capenga, em que a ponte, verdadeira arapuca, havia se convertido.

 

Quando atravessei a cidade de Francisco Ayres, novo desafio me esperava. O rio Canindé, naquela forte estação chuvosa de três anos atrás, estava cheio, com as águas correndo fortemente sobre o paredão da barragem, como se este fosse o sangradouro. Era por ali que eu deveria passar. Não vou mentir, fiquei com medo. Perto da barragem existia o esqueleto de uma ponte inacabada. Do local se viam as vigas e pilastras de concreto do que deveria ser uma ponte. Lamentei tanto descaso, tanto desperdício de dinheiro público, já que aquele monstrengo de cimento para nada servia.

 

Ante o inelutável, perguntei a um pescador se dava para passar sobre o paredão da barragem. Respondeu-me que sim. Indaguei-lhe, em tom de brincadeira, se ele garantia; retrucou-me que não, mas que há poucos minutos um automóvel passara sobre a barragem. Aduziu que eu deveria me nortear pelo “caculo” da água, na borda esquerda do paredão. Manobrei o carro em direção à barragem, sem enxergar o piso por onde passaria, e sem ter noção da profundidade da lâmina d' água que o recobria. Quando estava no meio do percurso, olhei, de esguelha, o bravo Pereira, com a água a turbilhonar na borda esquerda da barragem e a despencar no abismo do lado oposto.

 

Sua pele da cor do ébano tomara uma cor que se aproximava da tonalidade das garças.  É claro que estou brincando. Afinal, o soldado Pereira faz jus ao nome que ostenta. Como dizia o senhor Augusto Pereira, pereira é pau amargoso, é madeira de lei, é cacete de dar em doido. Que os doidos e os politicamente corretos, mais reais do que os reis, não me leiam.

 

Graças a Deus, escapei são e salvo desse verdadeiro rali improvisado pelas ladeiras, montes, chapadões, abismos, veredas e pinguelas dessa Chapada Grande de tanta beleza e encantamento. 

14 de dezembro de 2010

terça-feira, 12 de agosto de 2025

OBSERVANDO O COSMO

 

Imagem criada pela IA Gemini, seguindo minhas instruções

Fonte: Google



OBSERVANDO O COSMO

 

Elmar Carvalho

 

De algum ponto não muito iluminado dos arredores de Teresina, à boca da noite, fomos observar a Lua e outros astros. Éramos um grupo de seis pessoas. Nosso guia e mestre era o médico e astrônomo amador Aluísio Amorim Andrade.

Disse amador apenas no sentido de que ele não exerce a profissão de astrônomo. Entretanto, é um profundo conhecedor e estudioso do cosmo e efetivamente ama observar a Lua, as estrelas e os planetas. Era fácil perceber-lhe o entusiasmo enquanto nos ensinava e falava da grandiosidade e da maravilha do cosmo, das galáxias, das constelações e de outros mistérios insondáveis do universo.

Os outros integrantes do grupo éramos eu; a médica Naiara da Costa Sobral Andrade e o estudante de medicina Daniel Sobral Andrade (esposa e filho de Aluísio, respectivamente); e o escritor e médico Edilson Carvalho Jr., acompanhado de sua esposa, Carmen Milena Rodrigues Siqueira Carvalho.

Era uma esplêndida noite de plenilúnio. O nosso satélite ostentava toda a glória de sua beleza. O céu apresentava poucas nuvens, que apenas serviam para ocultar levemente a Lua por breves momentos, para nos deslumbrar quando ela reaparecia ainda mais bela.

Lembrei-me então de minha infância, quando minha saudosa e excelente mãe, para aguçar minha imaginação e me proporcionar momentos mágicos, dizia que a Lua estava trocando de roupa. Quando, nas noites frias, formava-se um halo ao seu redor, mamãe afirmava que ela estava tomando banho numa lagoa. Ó ditosos tempos de minha meninice, “que os anos não trazem mais”...

Aluísio Amorim Andrade foi um verdadeiro cicerone e nos proporcionou uma viagem cosmológica. Assim como o poeta Virgílio conduziu Dante, na Divina Comédia, pelos círculos infernais, ele nos guiou pelos páramos celestiais — o que me fez lembrar do meu poema Viagem, em que simulei um périplo pelo infinitamente grande e pelo infinitamente pequeno. Transcrevo apenas estes poucos versos:

“surfo nos mares lunares

e desvendo os enigmas

da face nunca revelada

em seu véu de eterna treva

combato o hálito de fogo do dragão

cavalgando lado a lado com São Jorge”

Mas, ao contrário do que digo no trecho acima, não vi São Jorge e muito menos o pavoroso dragão. Aliás, disse aos amigos do grupo de observadores que não pretendo mais discutir assuntos de astronomia e astrofísica com o confrade Prof. Jônathas Nunes, com medo de ser sugado por um buraco negro ou de cair num buraco de minhoca e ir parar numa outra, desconhecida, dimensão.

Quando nosso guia nos mostrou os caminhos de Santiago e do Zodíaco, não me contive e aproveitei para lhes torrar a paciência com este meu poema, escrito há muitos anos:

AUTOBIOGRAFIA ZODIACAL

 

Sou do signo de

 Carneiro

Mas meu coração é um

 Touro indomável

No meu sangue

corre a fúria de

 Leão

Entre uma Virgem e duas

 Gêmeas

Meu coração / bala

   Balança

Sou um Câncer

nos chifres de

 Capricórnio

Sou Peixes libertário

sem o cárcere de um

 Aquário

Sou Sagitário

 a

  r

   m

    a

     arco e flecha

    d

   o

  d

 e

(A flecha é uma cauda de Escorpião)

Tive o ensejo de lhes dizer que, nos meus PoeMitos da Parnaíba, em que falei de figuras populares, engraçadas ou anedóticas dessa mítica cidade de meu encantamento, tracei um breve perfil do Boa Ideia, que, segundo soube, chegou a se corresponder com cientistas da NASA. Desse poema, transcrevo os versos abaixo:

“Galileu Galilei da Parnaíba

construiu sua luneta

desvendou estrelas e planetas e cometas

e perscrutou os umbrais do infinito.

Autodidata da astronomia

com seu telescópio passeava

pelos “mares” da Lua

dizendo coisa com coisa

que ninguém sabia.

Brincava de bambolê

com os anéis de Saturno.”

Quando o Dr. Aluísio chegou ao “observatório” e retirou seus potentes instrumentos, o meu acanhado telescópio teve tremor e temor, encolhendo-se todo, recolhido em sua modéstia, como se fosse um canarinho-belga diante de um belicoso e grande canário verdadeiro. Depois recobrou o ânimo quando nosso mestre disse que ele era suficiente para os fins que eu desejava.

Em seguida, com sábia didática, utilizando uma mira de raio laser, Aluísio nos mostrou algumas constelações e aglomerados de estrelas. Com sua longa manus de longos dedos de luz, ele nos fez passear pelo lindo céu salpicado de astros, no qual sentimos a Glória do Criador.

segunda-feira, 11 de agosto de 2025

Regando o Meu Pai

Fonte: Google


Regando o Meu Pai

 

Fabrício Carvalho Amorim Leite

 

Hoje foi Dia dos Pais.

Se fosse qualquer outro dia, talvez fosse apenas ruim.

Mas começar uma data assim, já carregada de ausência, é como amanhecer com o peso de uma pedra no peito.

 

O meu pai, há pouco, mudou-se para aquele jardim.

 

Pensei, num desvio quase onírico, se seria o Éden, ou alguma paisagem inventada pela memória.

No fundo, era só um buraco enfeitado. Uma moldura para o invisível.

Um ponto fixo onde ele habitava agora, dissolvido em silêncio e matéria orgânica.

 

Olhei a grama verde e, por um instante, o vi. Menos triste, mais inteiro.

Ele sempre gostou de plantas.

Pássaros giravam no ar, pousando perto, como se partilhassem a solidão do dia.

 

Meu pai agora era grama.

E o funcionário do cemitério, ao regar o gramado, regava o meu pai.

 

Ali, repousava também um jovem pai: o meu irmão, que foi pai e filho. Ao menos, naquele dia, estiveram juntos: grama e terra.

Os pássaros encerravam seu banquete de insetos, de pequenos seres rastejantes e voadores,

enquanto o vento levava restos de asas invisíveis pelo ar.

 

Um dia, serei eu também terra, grama, pó, pássaro, inseto e o que mais couber no ciclo desse lugar.

 

O sino das seis tocou longe, mas atravessou o vento até mim, açoitando o corpo já envergado. E, ali, saudades viraram lágrimas. E nada mais.

 

Agosto, 2025