Escultura da autoria de Carlos Martins (Carlão), idealizada e financiada pelo professor e escritor Cineas Santos, que a ofertou a Teresina
22 de março
A SAGA DO SANGUE
Vítima de brutal “engarrafamento”, na sexta-feira passada, fiquei preso no trânsito, exatamente no balão do cruzamento das avenidas Petrônio Portella e Raul Lopes. Em lugar de me debater e espancar o volante, ou proferir imprecações contra tudo e contra todos, como muitos fazem, optei por ficar observando, detidamente, a escultura instalada na rótula. É feita de arame, peças de ferro e vergalhões metálicos. É bela e imponente em sua singeleza. É como se fora uma catilinária ou verrina metálica contra os conquistadores e os preadores e matadores de índios. O vencedor montado em grande e robusto corcel, em pose típica das estátuas equestres, puxa com uma corda um prisioneiro, naturalmente derrotado na refrega, e que será escravizado. O enorme corcel passa sobre corpos tombados. Seu chapéu produz grande efeito plástico, pois parece o próprio Sol com os seus raios incandescentes. No simbolismo do monumento, o cavaleiro, na concepção dos nativos, poderia ser a própria encarnação do deus-sol, pois possuía o estrondo e o raio de armas de fogo. Conduz na destra enorme lança, que faz lembrar os heróis das pelejas medievais e os cavaleiros andantes da idade média. Mas apenas aparentemente, porque na verdade ele simboliza os chamados heróis da conquista, como os bandeirantes paulistas e os homens da Casa da Torre da Bahia. Entretanto, hoje se sabe que muito do morticínio das chamadas conquistas se deve a doenças transmitidas aos nativos pelos europeus, inclusive e talvez principalmente pelos espanhóis. Contudo, essa pecha de violência não é um “privilégio” e exclusividade de portugueses e espanhóis, mas também de ingleses, franceses, holandeses e outros povos, pois onde quer que tenha havido invasões, conquistas, houve entrechoque de civilizações, com a consequente reação dos invadidos, dos conquistados. Hoje, como todo mundo sabe, o Brasil é essa fecunda miscigenação, com essa diversidade e riqueza cultural, e esse caldeamento de raças, que possibilitou o surgimento da beleza morena, que nos encanta e encanta o mundo. Não houvera acontecido o que aconteceu, hoje o Brasil seria, talvez, ainda um paraíso selvagem, intocado, com os indígenas caçando, pescando e colhendo suas frutas nativas. Foi pior? Foi melhor assim? Deixo a resposta aos latifundiários da verdade, aos doutos, aos exegetas, aos proprietários das certezas absolutas. Aos que não aceitam o que somos ou o que nos tornamos, resta-lhes o consolo de que podem se despir, envergar uma tanga, armar-se de arco e flecha e tentar ser admitidos em alguma tribo do Xingu ou do Amazonas. No entanto, devo lhes recordar que o maior cantor indianista do Brasil, o grande bardo Gonçalves Dias, tinha orgulho de carregar em suas veias a mistura do sangue de três raças: a negra, a indígena e a branca. Mas a bela e significativa estátua pode ser um libelo de fogo contra todos as formas de dominação, como o patrão que espolia o empregado, o marido que tiraniza a mulher, o pai que sevicia o filho, o governante que tripudia sobre o povo que o elegeu... Tenho a esperança de que algum dia todos seremos irmãos, sem dominadores e dominados, sem conquistadores e conquistados. Ainda é possível sonhar e nutrir esperanças. No momento em que eu contemplava a escultura, um forte vendaval a fez oscilar, e tive a nítida impressão de que o cavalo, o cavaleiro e o prisioneiro ganhavam a vibração da vida. A vida que deve perpassar toda verdadeira obra de arte.
segunda-feira, 22 de março de 2010
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Não existe arte sem vida, não foi impressão sua,com certeza o corcel se movia obediente ao comando do cavaleiro que orgulhoso se fazia pela conquista. Mal sabe ele, coitado, que amanhã,será ele o objeto da conquista. O vendaval, que sacudia o quadro observado, nos mostra que é necessário os abalos para que as mudanças se façam. Um dia, com certeza não haverão vencedores e vencidos.
ResponderExcluirO Carlos é meu primo, é um grande artista, uma pessoa humilde e trabalhadora.
ResponderExcluirConheço o Carlos Martins. É um boa praça e um imenso artista plástico, sobretudo em esculturas metálicas, em que é mestre insuperável.
ResponderExcluirSimão e Elmar, o Carlão tem DNA de carnauba no c2h6o...? rs rs rs O artista sabe que é bricadeirinha e que me dou o direito de fresquear... ruuum! Também tenho os dois.
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