domingo, 4 de abril de 2010

ELMAR CARVALHO: ENTRE O ABOIO E O ABRAÇO


Charge de Gervásio Castro
Charge de Gervásio Castro

Charge de Fernando di Castro


ELMAR CARVALHO: ENTRE O ABOIO E O ABRAÇO

Pádua Santos

O mito é o nada que é tudo - Fernando Pessoa
Deixo a vida artística para entrar na história - Cego Bento
Não morrerás, / meu quimérico e homérico cego. / Um mito não morre: / um mito se encanta e permanece - Elmar Carvalho


Dizer que neste ano de 2010 o Brasil deve comemorar os 100 anos do Sr. João Rubinato, cidadão falecido em 1982, praticamente abandonado, é nada dizer, pois sei que ninguém saberá quem estou descrevendo. Por também dizer que este homem foi um poeta dos maiores, que realmente morreu pobre e que até o início deste ano mantinha-se praticamente esquecido, também não haverá lembrança na memória dos que ouvem o que acabo de dizer.
Faz-se necessário, portanto, dizer que este poeta de quem vos falo não era conhecido por seu nome de batismo, daí a razão do desconhecimento. Foi, a vida toda, sambista, poeta e boêmio. Era conhecido como Adoniran Barbosa, autor de muitas letras bonitas, inesquecíveis e conhecidas como “Saudosa Maloca” e “Trem das Onze”. Foi não resta dúvida, o poeta que melhor retratou uma Paulicéia composta de bairros de pessoas importantes e audaciosas, mas também dos subúrbios de gente simples e boêmia.
Morreu abandonado e praticamente esquecido, repito, mas eis que neste início de ano, ano em que se deve, com merecida justiça, comemorar o seu centenário, este esquecimento será trocado por uma lembrança que nos chega através de um livro de 680 páginas, da lavra do escritor Celso Campos Jr., onde é minuciosamente traçada a biografia deste memorável poeta.

Lembro este episódio para vos dizer que as pessoas que passam por esta vida, sejam as que empolgam multidões, possuidoras que são de dotes de inteligência apurada, ou até mesmo aquelas portadoras da escassez de tal faculdade, e que por tal razão despertam risos às multidões, têm, ambas, o direito de não se tornarem esquecidas e abandonadas.


E é neste momento, e é com o propósito de que o passado não seja totalmente esquecido, que agora, no primeiro decênio do Século XXI, surge o importante livro denominado “PoeMitos da Parnaíba”, da autoria do poeta Elmar Carvalho. Livro que retrata e resgata, em versos ligeiros e agradáveis, agradáveis e ligeiras lembranças de 25 personagens que enfeitaram as ruas e praças de nossa Parnaíba no século XX que a pouco passou. Com especial atenção para os nossos artistas Bernardo Alves da Silva – o Bernardo Carranca e Bento de Araújo da Cunha - o Cego Bento – vultos que ilustram as folhas 55 e 63, respectivamente, e que souberam se manter atuantes, animando as noites parnaibanas com voz, dança, sanfona e teclado, conseguindo ultrapassar os séculos, fazendo com que suas vozes e mímicas continuassem vivas, até mesmo porque já viraram poemas. Mais que poemas – lembranças perpetuantes: Carranca, como candidato a vereador em nossa cidade, filiado ao partido que presido e de microfone na mão, não dá para esquecer; Cego Bento,quando fui Secretário da Cultura, fiz, com a ajuda e o incentivo de minha mulher Amparo, uma memorável festa na porta de sua residência, na comemoração de um aniversário seu, e ali, com muita sanfona e cerveja, dele pude ouvir, já naquele ano, uma oração que há de ficar na memória:
“Já me acho realizado, depois de tanto serviço prestado, deixo a vida artística para entrar na história.”
(Há um pouco de Getúlio nisto, mas vale a pena.)

E que história: 12 filhos, quase 90 anos de idade e também de sanfona.
História e poesia, a boa poesia de Elmar Carvalho, página 62 do livro agora comentado:

“Não morrerás,
meu quimérico e homérico cego.
Um mito não morre:”

José Elmar de Mélo Carvalho é o nome completo do autor deste animado livro que com orgulho a Academia Parnaibana de Letras lança nesta noite. Trata-se de um dos membros da casa, ocupa a cadeira de número 07 e já é reconhecido no Estado todo como poeta de primeira linha. Integrante, também, de outras academias, inclusive da APL – Academia Piauiense de Letras, na qual vem se destacando como o acadêmico que mais se manifesta através da Internet, que é hoje, sem dúvida, a “coqueluche” do momento.

Mas quem são os personagens deste livro? Muitos dizem que são “uns loucos” que Parnaíba manteve e que, como lembrei, ainda mantém. E se realmente são loucos, há de se perguntar: Tem o louco algum valor para a cidade e a sociedade onde vive a ponto de merecer virar poesia e figurar em livro? A resposta com José J. Veiga, um dos maiores contistas que o Brasil pode contar, no seu magnífico livro “A Hora dos Ruminantes”:

“Parece que toda cidade precisa ter um louco na rua pra chamar o povo à razão;”

Outras pessoas chamam estas interessantes criaturas de doidos. E João Guimarães Rosa, na sua sabedoria de excelente escritor, de médico e de bom mineiro, declara: “Ninguém é doido. Ou, então, todos.”
A verdade é que o livro agora lançado em nossa cidade não nasceu e nem deve continuar vivo com o propósito de caracterizar tais mitos como loucos ou doidos. Ele nasceu, e assim devemos entendê-lo, com o firme propósito de mostrar aos contemporâneos e também aos pósteros o comportamento individual de cada um dos personagens que lhe compõem, naquilo que eles tiveram ou têm de particular e interessante. Mais que isso: mostrar a todos que estas interessantes criaturas souberam, e algumas ainda sabem, conviver pacificamente com todos nós. E ainda: que temos o dever de entendê-los e aceita-los exatamente como são. Schopenhauer, em seu livro “A Arte de ser Feliz”, já ensinara:

“Para vivermos entre os homens, temos de deixar cada um existir como é, aceitando-o na sua individualidade ofertada pela natureza, não importando qual seja.”

É isto fruto da afamada filosofia alemã.

O livro agora comentado, que conta com a valiosíssima parceria do artista plástico Gervásio Antônio Pires de Castro Neto, valoroso filho da terra, não deixa também de ser um somatório de experiências e de indiscutível talento de ambos: Gervásio, com a fixação artística e precisa de cada fisionomia; Elmar, com o seu intrínseco dom de poeta, qualidade que sempre lhe acompanhou ao longo da vida, lhe permitindo observar sutis detalhes do “Noturno de Oeiras”:

“ Nos campanários de antigas igrejas
algum falecido sineiro repica
os sinos para si mesmo.”
Ou admirar a elegíaca cantiga dos solitários vaqueiros na “Elegia a Campo Maior”:

“A tarde o aboio dolente do vaqueiro
partia a solidão que tudo presidia.
E o aboio sem resposta – eco de si mesmo – repetia-se
e se extinguia.”
E assim, entre sinos e sineiros, entre aboios e vaqueiros, chegou o poeta de Campo Maior e também de Parnaíba a cantar os mitos estampados neste livro. Mitos que se alguém ainda insista e acredite que sejam loucos, digamos, como disse Jurandir Barbosa – interessante e atual poeta, músico, ator e artista plástico de Montes Claros, Minas Gerais, no seu vibrante poema “Sejamos Loucos” que conheci há poucos dias:
“O louco é aquele que troca o valor das notas de dinheiro
pelo valor de um abraço.”

E sendo o abraço, no dizer de Aurélio Buarque, “uma demonstração de amizade”, tem este livro que agora lançamos o condão de nos mostrar a afeição, o carinho, a consideração e, sobretudo, externar o abraço que emana do seu autor a todos os mitos nele descritos.
Os parnaibanos que lerão este livro também haverão de agradecer pela lembrança que lhe trará cada página ou cada gravura, e por certo haverão de dizer: “Obrigado doutor, o senhor soube muito bem reproduzir, assim como Adoniran Barbosa, uma importante parcela de nossa gente.” E isto porque o hoje Magistrado foi antes o poeta das pessoas simples e às vezes mal entendias, e o livro, como sabemos, foi começado, tal qual a vida dos seus personagens, também no século passado.
Finalmente, meu caro Elmar, os parnaibanos que já lhe conhecem como o poeta que muito bem soube expressar a elegia dos valentes vaqueiros campomaiorenses (a voz que emana do aboio) e dos prazenteiros mitos parnaibanos (que hoje abraçamos) haverão de sempre lembrar que ficará Vossa Excelência, que hoje é cronista, contista, crítico literário e também Juiz de Direito (daí o pronome de tratamento específico) nos corações de todos como o poeta que melhor soube retratar o viver dos seus pares, através do poetar de diferentes lugares e de pessoas diversas e, sobretudo, a importante e imprescindível força contida entre o aboio e o abraço.

Pádua Santos, 27 de março de 2010

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