terça-feira, 22 de junho de 2010

DIÁRIO INCONTÍNUO

Elmar Carvalho





César Carvalho, Zé Francisco e Elmar Carvalho. Atrás da câmera, o quarto mosqueteiro: Antônio José

22 de junho

CORREDORES, UM LAGO NA CAATINGA

No domingo, fomos eu, meus irmãos César e Antônio e o Zé Francisco Marques à barragem dos Corredores, distante cinquenta quilômetros da cidade de Campo Maior. Deixamos a estrada asfaltada, que vai para Castelo e São Miguel do Tapuio, e seguimos por uma carroçável. Em certo ponto, encontramos um grande rebanho de gado bovino, tocado na retaguarda por dois vaqueiros, cada qual em seu cavalo, devidamente paramentados, como nas músicas de Luís Gonzaga, o inesquecível Rei do Baião, com seus ternos de couro, ou perneira e gibão, além do indispensável chapéu de couro, que lhes protege dos espinhos e galhos secos do agreste. Fiz questão de assinalar que os vaqueiros estavam a cavalo porque hoje não é rara a figura dos vaqueiros motorizados, a campearem em suas barulhentas motocicletas, de buzinas estridentes, que já não usam o bucólico e melancólico aboio, que parece tanger e amansar as reses. Conduzi a picape lentamente, enquanto os bois se afastavam do leito da estrada, de modo que pude passar sem nenhum problema. As vacas seguiam pachorrentamente, imperturbáveis, como impassíveis matronas. Nada lhes apressava o passo nem lhes alterava a elegância do andar, quase desfile. As corcovas dos novilhos se destacavam, a balançar de um lado para outro, ao compasso da marcha. Nesse percurso a gente se depara com a beleza seca, árida, agreste da caatinga, que nos faz recordar as histórias e fotografias de Lampião e seu bando de cangaceiros. Na paisagem plana do tabuleiro, recoberto pelas gramíneas e capim mimoso, surgem os arbustos da mata rala e a beleza agressiva e espinhenta dos mandacarus, xiquexiques, macambiras e coroas-de-frade, e esparsas moitas de mufumbo, de folhagem densa, a alegrar a aridez da paisagem, em que repontam a graça dos leques das carnaubeiras. Algumas cabras pastavam, enquanto outras buscavam a sombra de alguma árvore mais copada, como nos poemas de Dobal. O lago de Corredores é um mundão d'água, insolitamente perdido e encravado na sequidão das pedras e da caatinga. Para não termos o trabalho de armar nossa barraca, nos dirigimos a uma palhoça que se encontrava desocupada. Pelos cocôs espalhados, logo vimos que ali se abrigavam caprinos, à noite. Quando nem bem nos acomodamos, logo chegou um homem, numa motocicleta, a nos perguntar se não desejávamos alguma coisa. Percebemos que ele queria marcar território e faturar algum dinheiro. Encomendamos uns espetinhos, e demos como pago o nosso tributo. Ao som de boa música, degustamos um delicioso tira-gosto que trouxemos, a contemplar sem nenhuma pressa a beleza do lago e dos morros que lhe dão forma e ornamento. No retorno, fotografei um cemitério campestre, abandonado na solidão e no abandono do abandonado semi-árido. Com o êxodo rural, é muito provável que até as almas tenham se exilado daquele campo santo do sertão. E já não entoem os miseres e excelências nas noites mortas do ermo.

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