Tributo a um poeta morto
Elmar Carvalho
Numa manhã, enquanto eu esperava, um tanto impaciente, o retorno de minha mulher, resolvi caminhar sobre a calçada, nas proximidades de onde se encontrava meu carro.
Então, para minha surpresa e contentamento, vi, num terraço, sentado numa cadeira, de costas para a rua, aproveitando a luz difusa que entrava pelo largo portão, um homem idoso, magro, de cabelos brancos, lendo um antigo e grosso volume de poesia, em verdadeiro estado de êxtase, ou até mesmo de beatitude. Via perfeitamente que se tratava de poesia, pelo aspecto formal da mancha gráfica, que me permitia enxergar o formato dos verso e o contorno das estrofes. Contudo, minhas retinas, já um tanto fatigadas, não me permitiam decifrar o conteúdo nem o nome daquele felizardo poeta, que requeria tamanha atenção e respeito de uma pessoa já avançada na idade. Como desejei dispor de uma luneta, ou, ao menos, um binóculo, desses com que os jovens aproximam a beleza das mulheres, na ilusão talvez de tocá-las.
Fiz movimentos e caminhei, para despertar a atenção daquele leitor contrito, mas em vão. Como a minha curiosidade aumentasse a cada segundo que passava, e podendo minha mulher retornar a qualquer momento, não resisti, e o interpelei, perguntando quem era o autor daquele alfarrábio. Fiquei contente ao saber que se tratava de Castro Alves, poeta sublime, morto no verdor dos anos, mas no auge de sua glória, um dos autores de minha predileção, que é bastante eclética, embora severa.
O leitor não ficou aborrecido com a minha impertinência. Aliás, pareceu-me mesmo ficar contente com a minha abordagem e curiosidade. Revelou-me seu nome e disse ser também poeta. Convidou-me a entrar. Conversamos um pouco. Era um poeta da velha guarda, porém da melhor estirpe. Ao falar de poesia, parecia transfigurar-se e rejuvenescer-se. De gestos largos e teatrais, enchia-se de entusiasmo e vida. Deu-me a impressão de ser um crítico rigoroso, avesso a fazer concessões graciosas. Recitou-me uns maravilhosos versos de sua autoria, de forma vibrante e emocionada. Revelou-me episódios de sua vida. Era gaúcho. Fora herói do nazi-fascismo. Conhecera o meu saudoso amigo General João Evangelista Mendes da Rocha, escritor, fidalgo de fino trato, e igualmente herói da 2ª Guerra Mundial.
Voltei a revê-lo, oportunidade em que lhe dei alguns livros de versos de minha autoria. De imediato, leu alguns, e os elogiou, para meu contentamento e estímulo.
Outro dia, bateu-me uma saudade e desejei rever o poeta. Não sei por que temia não mais encontrá-lo. Queria também lhe ofertar a segunda edição de meu livro Rosa dos Ventos Gerais.
Bati à sua porta. Recebeu-me uma senhora da casa. Perguntei-lhe pelo poeta. O poeta havia morrido, disse-me ela. Confirmara-se o meu presságio de que talvez o velho aedo já tivesse empreendido sua derradeira viagem. A pessoa que me atendeu informou-me a data de seu falecimento, e comentou que a viúva vira recentemente um dos meus livros, observando que o poeta gostara de minha poesia.
Resta-me a lembrança de um homem educado, que, sem ainda me conhecer, fora bom e atencioso comigo, convidando-me a adentrar sua casa. Resta-me a saudade de um poeta que, embora talentoso, nunca buscou as luzes da ribalta, nem os refletores da publicidade. Mas apenas cantava porque era seu destino cantar. Apenas cantava como cantam as aves, sem necessidade de aplausos e elogios, não raras vezes insinceros e dissimulados, senão mesmo irônicos e escarnecedores.
Resta-me, por último, como derradeiro tributo e laurel, a quem nunca precisou dessas exterioridades, declinar o nome de um poeta e herói que se chamava Dario Mendes, amante da poesia e da vida.
COMENTÁRIO DE CUNHA E SILVA FILHO (*)
Estimado Elmar:
Que lição de vida pra todos nós! Surpreendente mesmo. Posso falar até em encontro conduzido pela mão do destino. Um poeta casualmente se depara com outro poeta; um conhecido, outro, anônimo mas, pelo que nos relata, Elmar, um poeta à antiga e de valor. Dario Mendes, um poeta gaúcho morando em Teresina, já idoso, num encontro único, mágico, do qual nasce uma admiração instantânea e duradoura. O Brasil é um país de poetas, conhecidos ou não, porém poetas. Isso basta. Não é preciso só a fama e a consagração para um aplauso justo e merecido.
Como gostaria, e me fosse possível, pelo menos ter notícias de tantos artista do verso que nascem, vivem e morrem sem o conhecimento do público, mesmo do restrito público-leitor de poesia"
Eu falei que esse encontro entre você e ele foi aparentemente casual. No entanto, estou convencido de que os deuses conspiraram para que tal acontecesse. Dessa sua experiência aprendi que as amizades, mesmo as mais recentes, não podem ser adiadas, sobretudo quando os amigos estão envelhecendo. Os poetas têm lá suas coincidências, não só no plano do mundo físico, mas principalmente nas afinidades espirituais. Um belo relato sobre a vida e sobre a Arte.
Do amigo,
Cunha e Silva Filho
12 de julho de 2010 15:01
(*) O comentário foi publicado neste espaço em virtude de que o Cunha cometeu alguns erros de digitação no que foi publicado no local apropriado.
A velhice perversa me fez pensar que em um das fotos seria o Castro Alves. Imortal amigo Elmar, pior do que o "politicamente correto", só mesmo a cretinice da tal "melhor idade".
ResponderExcluirCaro Netto:
ResponderExcluirAlvíssaras, meu capitão! Por esta vez o nobre amigo pode ficar descansado; não foi efeito da velhice, nem de ilusão visual e nem delírio, o que você viu foi mesmo uma fotografia do grande bardo Antônio Frederico de Castro Alves. A justificativa para a presença do vate é que o poeta Dario estava lendo um livro desse grande mestre, quando o abordei pela primeira vez; livro esse que terminei "herdando", pelas mãos da viúva dona Emídia, no qual está estampado esse mesmo retrato que está no blog.
Abraço,
Elmar
Estmado Elmar:
ResponderExcluirQue lição de vida pra todos nós! Surpeendente mesmo. Posso falar até em encontro conduzido pela mão do destino. Um poeta casualm ente se depara com outro poeta; um conhecido, outro, anônimo mas, pelo que nos relata,Elmar, um poeta à antiga e de valor. Dario Mendes, um poeta gaúcho morando em Teresina, já idoso, num encontro único, mágico, do qual nasce uma admiração instantânea e duradoura. Um Brasil é um apís de poetas, conhecidos oou ou não, porém peta, isso basta. Não é preciso só a fama e a consagração para um aplauso justo e merecido.
Como gostaria, e me fosse possível, pelo menos ter not´cias de tantos artista do versoç que nascem, vivem e morrem sem o conhecimeto do públlico, mesmo do restrito público-leitor de poesia"
Eu falei que esse encontro entre você e ele foi aparentemene casual. No entanto, estu convencido de que os deuses conspiraram para que tal acontecesse. Dessa sua epxeriência aprendi que as amizades, mesmo as mais recentes, não podem ser adiadas, sobretudo quando os amigos estão envelhecendo. Os pçoetas têm lá suas coincidências, não só no plan o do mundo físco, mas principalmete nas afinidades espirituais. Um belo reto sobre a vida e soçbre a Arte.
Do amigo,
Cunha e Silva Filho
Amigo Cunha e Silva,
ResponderExcluirComentário como o seu é que me faz continuar insistindo em escrever, apesar do pouco valor que se dá hoje em dia à arte literária, sobretudo a poética. Perseveremos, pois.