terça-feira, 9 de novembro de 2010

DIÁRIO INCONTÍNUO


9 de novembro

ENTARDECER EM AMARANTE

Elmar Carvalho

Dia desse, fui assistir ao espetáculo do entardecer em Amarante. Fiquei no passeio do cais, à beira do Parnaíba, no bar do Pelicano. A serra azul do poeta, nesta época de seca prolongada e de baixa umidade, não estava azul, mas apresentava uma cor quase sépia. À medida que começou o ocaso, dois camaleões começaram uma lenta escalada, cada qual em sua árvore. Subiam pachorrentamente, quase como se fossem bicho preguiça, e não lagarto. Quando passavam por um galho, davam uma rápida parada, como para recuperar o fôlego. Pareciam querer contemplar de seu poleiro os momentos finais da agonia solar. Se pegavam parelha, era sobre quem conseguiria subir mais lentamente. Do outro lado, na cidadezinha maranhense de São Francisco, as luzes começaram a se acender. Pude ver a refração das luzes e das árvores na água. Não tive como deixar de me lembrar de um dos poemas dacostianos, que fala do reflexo das folhagens nas águas barrentas do rio. Em irônica brincadeira, dizem que a melhor beleza de Niterói é ver a beleza do Rio de Janeiro. De Amarante jamais se poderia dizer que a sua maior beleza seria a beleza das serras maranhenses, porque ela é uma bela e bucólica cidade rodeada de bucólica beleza. É uma ilha de formosura cercada de natural encanto por todos os lados. A cor sanguínea do crepúsculo aos poucos foi esmaecendo, até a noite descer sobre as serras, sobre o céu e sobre tudo, como se o caos do nada tudo encobrisse, tudo transformasse em nada. Nas últimas luzes do entardecer, uma bela moça, de olhos sonhadores, mergulhou seu olhar nas águas do rio, e por breve momento sua jovem beleza exprimiu suave melancolia; a melancolia de quem pressentiu que tudo muda, que tudo passa, inclusive a juventude e a beleza.

A brisa da tarde sacudiu levemente as árvores, e eu me lembrei de outra tarde, em que o vento sacudiu fortemente as faveiras, cujas favas secas vibraram como maracás; como os maracás dos índios que outrora perlongaram as barrancas do Velho Monge. Nessa já longínqua tarde eu conversava com o poeta Virgílio Queiroz, que por feliz coincidência ou atendendo ao chamado misterioso das musas chegou nesse momento. Levantamos um brinde à vida e à poesia e à inefável beleza amarantina, que só não é inefável aos versos de seus poetas, como Da Costa e Silva, Clóvis Moura e Carvalho Neto. Tudo estava perfeito. Cenário perfeito, conversa perfeita. Mas tudo foi desfeito por um carro de som que chegou, trazendo seu barulho horrendo, sua música horrível. Não sei se alguém poderia chamar aquela zoada de música. A letra, igualmente de baixa extração, dizia, em interminável e insuportável estribilho, que a bunda da moça foi baixando, foi baixando, foi baixando... E nunca uma música pode jamais descer tão baixo assim.

3 comentários:

  1. O entardecer em Amarante é bonito e ficou mais bonito com essa crônica que mistura a comicidade, a contemporaniedade e os sussuros que tornam-se sons poéticos produzidos pelas mãos mágicas de um grande sonhador: ELMAR CARVALHO. Um abraço de VIRGÍLIO QUEIROZ.

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  2. José Francisco Marques15 de novembro de 2010 às 10:14

    Meu Mestre,
    Realmente inexplicável a atitude de alguns jovens que tentam nos empurrar "goela abaixo" os seus esdrúxulos gostos musicais. Parafraseando o grande Sivuca eu lhe diria:... "Só sei que enquanto houver os corações
    Nem mesmo mil ladrões podem roubar canções
    E deixa estar que há de voltar
    O tempo dos pardais, do verde nos quintais
    Tempo em que o medo se chamou jamais."

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  3. Mestre,
    Para não perder a deixa nem a rima, diria que no seu comentário você foi demais.

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