domingo, 19 de dezembro de 2010

TRIBUTO AO CRAQUE VICENTINHO

ELMAR CARVALHO

Vicentinho, envergando a camisa do Caiçara, e Elmar Carvalho

Vicentinho, com a camisa do Comercial, ao lado de seu filho Henrique

Outro dia, fiz um périplo, em companhia de meu irmão Antônio José e do professor José Francisco Marques, pelos arredores de Campo Maior. Pelos arrabaldes, como se dizia outrora. Fui em busca das recordações de minha adolescência tão emotiva e tão sentimental. Mergulhei onde fora o balneário da Primavera. Recordei as belas moças em flor de então, que ressurgiram em minha frente, no apogeu de sua beleza adolescente, como ninfas encantadas, que tanto me deslumbraram nos meus tempos juvenis. Talvez não mais as deseje rever, para que permaneça indelével, em minha saudade e em minha memória, toda a beleza da graça feminina, que o tempo inexoravelmente deve ter transformado. Certamente, essa beleza continua em suas filhas e netas, transmitida pelo bastão de revezamento da sucessividade das gerações. Esquecido balneário da Primavera, onde tantas belezas floriram, onde tantas graças do adolescer desabrocharam para o encantamento de minha já distante juventude. Como diria o poeta, a saudade jorrou-me em ondas... Resistir, quem há-de?

De lá, de volta para a casa de meus pais, vi o velho Estádio Deusdete Melo, onde atuei como goleiro, em escassas ocasiões, e de cujas arquibancadas vi os voos magníficos dos inexcedíveis goleiros (e meus mestres) Coló e Beroso, que pareciam desafiar a lei da gravidade, em sua elasticidade felina, em suas “pontes” ornamentais, que classificaria hoje como pontes estaiadas, belas, monumentais e precisas em sua eficácia. Naquela velha praça esportiva, os grandes craques do passado executaram suas bem urdidas jogadas, e perpetraram gols que arrancaram aplausos e urros da torcida em delírio.

Resolvi tomar umas talagadas de calibrina em um barzinho das imediações, que era circunstancialmente frequentado pelo meu saudoso cunhado e amigo Zé Henrique, como uma homenagem saudosista a ele, em cuja companhia, várias vezes, fiz esses périplos suburbanos, evocativos de um tempo que jamais voltará, mas que insiste em se manter vivo, como um imortal vampiro do bem.

Do boteco, eu via o entorno da barragem. As grandes, belas e sempre verdes árvores do horto florestal. Vi a brancura distante da vetusta igreja do Rosário, a contrastar em suas linhas retas, severas, com as curvas arredondadas, circulares da caixa d' água, também de um branco imaculado, ao menos da distância em que eu a via.

De repente, provindo de umas pessoas que haviam chegado a uma grande sombra defronte, proporcionada por uma frondosa e avantajada árvore, vieram lindas melodias, de minha predileção. Logo soube que quem as escutava, da sombra esverdeada, era o imortal craque Vicentinho, autor de refinados dribles, executados em desconcertantes malabarismos de um atleta que era um virtuose em sua arte futebolística. Sabia de sua doença. Sabia que, hoje, ele mal consegue caminhar, com ajuda de acompanhante, ele que fora tão ágil e tão veloz. Ele que fora, em sua destreza certeira e implacável, um dos mais exímios cobradores de falta, sobretudo pênalti, um verdadeiro algoz e fuzilador de goleiros. Fui cumprimentá-lo e lhe render minhas homenagens, eu que no meu livro O Pé e a Bola cometi uma imperdoável, conquanto involuntária, injustiça para com esse magnífico craque, ao omitir o seu nome. Certamente, que a injustiça já se encontra sanada, para o caso de uma segunda edição, pois inseri o seu nome no texto, em letras capitulares e de ouro, através do destaque que lhe dei e que ele bem merece.

Quando precisou levantar-se da cadeira, vi, da distância em que me encontrava, uma bela e jovem mulher, não sei se filha ou neta, pegar-lhe a mão, e delicadamente ajudá-lo a erguer-se. O velho craque levantou-se com dificuldade, girou lentamente o corpo, moveu os pés que não mais lhe querem obedecer, e ensaiou um passo com muito esforço. Mas, em meu pensamento, nada disso acontecia. Para mim, o velho craque Vicentinho dançava, lépido, fagueiro e elegante, uma saltitante e linda valsa, ou executava o paso doble de rocambolesca e dificultosa dança espanhola, com uma linda moça que lhe conduzia e era por ele conduzido, em perfeita integração, como tabela de grandes craques, ou então perpetrava uma inigualável, perfeita, destra e desconcertante jogada, verdadeiro balé, que arrancava delirantes e ensurdecedores aplausos da torcida.

Inevitavelmente, pareceu-me ouvir, vindo da vitrola de um outro tempo, das ranhuras de um antigo disco de vinil, arrancado das areias de esquecidas ampulhetas, a música Balada nº 7, de Moacyr Franco, que fala de um velho craque, num estádio vazio, na ilusão inglória de uma torcida imaginária, a recordar as suas belas jogadas do passado, aplaudidas em frenesi por fanáticos torcedores, como um tributo a um deus da bola e das arquibancadas.

Em silêncio, sem um gesto sequer, aplaudi, em meu coração e em minha lembrança, o exímio craque Vicentinho, cujas jogadas ainda são repetidas no vídeo tape da memória e da saudade dos torcedores, e pelos craques que aprenderam as magistrais lições do velho Mestre.

3 comentários:

  1. Antonio de Souza - de Cuiabá22 de dezembro de 2010 às 12:38

    Justa e merecida homenagem ao eterno craque e ídolo do querido Comercial, Vicentinho. Quando adolescente, conheci essa figura querida e me tornei seu amigo. Decerto, ele não deve lembrar em função do tempo e da doença.
    De qualquer forma, é reconfortante saber que ele ainda está no nosso meio. Em tempo: ele sempre me conhecia como "Pedro Rocha", apelido que ganhei dos tempos em que era peladeiro e jogava no futebol amador - não por jogar igual ao ex-craque do São Paulo, mas porque era meu ídolo e buscava me comparar (tamanha ousadia, mas perdoável, porquanto era um sonho de moleque) com o jogador uruguaio.
    Parabéns, meritíssimo Elmar, por resgatar a memória (inclusive, a viva) de nossa terra.
    Antonio de Souza, jornalista, Cuiabá-MT

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  2. Caro Antônio Francisco,
    O Vicentinho é igualmente ídolo do Caiçara, que na verdade é o time que o trouxe do Ceará para o Piauí. Embora ele torça por esses dois times, "puxa" um pouco mais pelo alvirrubro.

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  3. Tempos áureos do futebol campomaiorense, os atletas eram esperados com tamanha idolatria pelas torcidas, e cada torcedor tinha seu craque. Um deles era Vicentinho que foi um grande batetor de faltas e de inúmeros gols defendo o Caiçara e Comercial. Fica-se um exemplo de cidadão, mais, em nossos corações, um eterno jogador, digno de campeão, que com certeza suas pegadas já estão grafadas na calçada da fama do Estádio Deusdete de Melo, pelo menos no meu imaginário. Sou um caiçarino ferveroso, esperando que o Leão do carnaubais arrebente a jaula no próximo campeonato.

    "Sua ilusão entra em campo no estádio vazio, uma torcida de sonhos aplaude talvez, o velho atleta recorda as jogadas felizes, mata a saudade no peito driblando a emoção, no vídeo tape do sonho, a história gravou" momento feliz do Moacir Franco ao compor Balada 7.


    (horácio lima/sp)

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