Elmar Carvalho
Depois de algumas décadas morando na localidade Salinas, perto do rio Longá e da parte mais alta da chamada Serra Grande de Campo Maior, Serra de Santo Antônio, Serra Azul ou ainda morros isolados de Santo Antônio, como os mais sabidos dizem ser o nome correto desse acidente geográfico, talvez a parte mais extrema do fenômeno geológico que teria originado a Serra da Ibiapaba, João Agrícola resolveu ir morar na periferia da cidade de Campo Maior, no começo da estrada que vai para Coivaras e Alto Longá. Já então conseguira sua aposentadoria. Desse modo, seus filhos mais jovens poderiam estudar e se formar doutor, com direito a anelão, beca e tudo mais. Alguns dos seus filhos mais velhos já estavam casados, enquanto outros foram tentar a sorte no sul do país e em Carajás. Com a ajuda da bicicleta, ainda poderia fazer sua roça em Salinas ou na propriedade Passarinho, para complementar o provento.
Seu filho Francisco Agrícola era adolescente, e ainda tinha gosto de lhe ajudar na lavoura, nos dias de folga e nas férias. Gostava de caçar, tanto passarinho, como preás, pacas e cutias, nos socavões da serra, que ele conhecia como ninguém. João não se preocupava com essas caçadas, que o rapaz fazia, geralmente nos dias de sábado ou de domingo, porque ele era um moço ajuizado e conhecia as grutas e desfiladeiros como ninguém. Contudo, num dos sábados em que Francisco foi caçar, não retornou ao entardecer, como costumava fazer. João achou que o rapaz resolvera dormir na casa de algum conhecido, antigo vizinho. Quando deu meio dia de domingo, sem que Francisco retornasse, o pai ficou deveras preocupado. Acompanhado de outro filho, já taludo, começando a entrar na adolescência, foi em sua bicicleta tentar saber notícias do rapaz. Procurou nas casas da localidade em que o rapaz costumava caçar, mas ninguém o havia visto. Na tarde desse domingo e na segunda-feira, João e o filho entraram no mato fechado e nas grotas e encostas dos morros, mas sem nada encontrar. Gritaram, chamando o seu nome, mas ninguém respondia, exceto o eco das furnas e dos paredões. João mandou que o filho menor retornasse, para avisar a família sobre o que estava acontecendo. Ainda na terça e na quarta-feira, com a ajuda de amigos e cavalos, continuou a procurar.
Não acreditava que o rapaz pudesse haver se perdido, pois ele conhecia muito bem aquela região. Embora não se ouvisse mais falar de onça na localidade, imaginou a possibilidade de um desses animais ter devorado o rapaz. Também não descartou a possibilidade de seu filho ter caído de uma encosta mais escarpada. Mas era pragmático e se submetia à vontade de Deus, de modo que resolveu voltar para sua casa na cidade, e aguardar alguma notícia, boa ou ruim. Todavia, vários meses se passaram sem que nenhuma informação lhe chegasse, de modo que achou que o rapaz havia mesmo morrido, em algum recôndito socavão da serra, e fora devorado por algum animal, fosse de andar no chão, como alguma onça matreira, fosse de avoar, como um faminto urubu daquelas quebradas. Por outro lado, a crendice do povo dizia que a serra era uma cidade encantada e que nela aconteciam coisas misteriosas, estranhas, como se ali houvesse um reino mágico, com a sala do trono esculpida em puro ouro. Por via das dúvidas, não acreditava e nem desacreditava. Tudo tem seu mistério, e o maior mistério é a própria vida.
Um dia, quando menos se esperava, apareceu um homem barbudo em sua casa, de roupas amarrotadas e sujas. Ninguém da casa o reconheceu. Contudo, o homem disse chamar-se Francisco Agrícola, filho de João Agrícola. Disse o nome de sua mãe e de seus irmãos, e detalhes que só a família conhecia. Tiraram-lhe a barba hirsuta. Então, todos o reconheceram como sendo o membro da família que desaparecera na serra, sete meses atrás. Pediram-lhe para contar o que havia acontecido. Francisco disse que procurara um dos lugares de mais difícil acesso e mais longínquo, em relação à estrada; que de repente lhe apareceram uns homens altos e magros, vestindo roupas estranhas, feitas de um tecido que parecia muito leve e muito fino, como ele nunca vira, nem mesmo em revistas ou na televisão. Pareciam humanos, mas o rosto era muito comprido. Os olhos, pequenos e redondos. As orelhas, diminutas, quase se resumiam ao pequeno orifício. Tinham nariz fino e de pouco relevo. Não possuíam pelos, nem mesmo cabelos ou sobrancelhas. Tinham a pele muito lisa, sem uma dobra ou ruga sequer, de cor acinzentada. Esses homens, sem que lhe tocassem, pareciam dominar sua vontade, apenas com o pensamento.
Foi conduzido até um grande objeto redondo, rodeado de luzes, parecido com um disco voador, que vira num filme de ficção científica. Entrou nesse aparelho, feito de um material prateado, parecido com liga de metal e plástico, mas que não era nem uma coisa e nem outra. Ali havia muitos botões, muitos móveis, alguns parecidos com máquinas de hospitais, como vira na televisão. Foi colocado em alguns desses aparelhos. Teve a impressão de que os seres estranhos os acionavam apenas com o pensamento, ou tudo era automático, pois raramente eles precisavam tocar em alguma tecla ou botão. Umas luzes percorreram seu corpo, como se, mal comparando, lhe estivessem escaneando. Extraíram um pouco de seu sangue, com uma espécie de seringa indolor. Depois, acha que esteve num lugar estranho, com coisas que pareciam edifícios, mas diferente de tudo que já vira pessoalmente e através de revistas e televisão. Havia uns objetos que se moviam no ar, e que ele acha que eram os carros desse local. Usou as mesmas vestes que os homens usavam.
Após um lapso de tempo, que ele pensava fosse de três dias no máximo, os homens lhe devolveram sua roupa e lhe deixaram no mesmo local onde o encontraram. Achou o vestuário envelhecido, como se vários anos tivessem passado, e surpreendeu-se com o crescimento de sua barba. Quando entrara na geringonça redonda a época era de seca e o mês era agosto; agora via tudo reverdecido e molhado, como se o inverno estivesse em seu ponto máximo. Achava que o tempo fora escasso, mas tudo se passara de forma vertiginosa, intensa, como se tivesse havido uma loucura no tempo e no espaço. Coisa mais esquisita, agora se lembrava de que durante esse tempo confuso, não sentira fome, nem sede e sequer necessidade fisiológica. Não sabe o que lhe fizeram ou deram, mas nada bebera ou comera. Ficara atordoado, em pânico, e isso era tudo que recordava.
Todos pensaram que Francisco havia enlouquecido, pois sete meses se passaram, e agora estavam nas águas de março, em pleno inverno. Acharam que ele apenas imaginava haver vivido essa história, que alguém teria lhe contado, ou a que ele assistira em algum filme de ET, no qual vira os objetos e instrumentos que disse haver tocado e visto. Todavia, ele contava a história com convicção e com riqueza de detalhes, e sem nunca cair em contradição. Além do mais, o seu comportamento e raciocínio eram normais, do modo como eram antes de se perder na serra. Apenas, parecia haver adquirido certo misticismo, porquanto não pronunciava certas palavras grosseiras, fugia das conversas maledicentes, e parecia avesso a ferir ou diminuir quem quer que fosse, inclusive os animais.
Por via das dúvidas, levaram Francisco a um psiquiatra, que lhe examinou, lhe fez perguntas e lhe ouviu atentamente a história. O médico não teve nenhuma dúvida, e lhe assinou, sem nenhuma hesitação, um atestado de sanidade mental. Alguns céticos e maldizentes ainda têm dúvida sobre a sanidade do psiquiatra.
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