sábado, 12 de março de 2011

VESTIBULAR, 16 ANOS, REDAÇÃO 10


JOSÉ MARIA VASCONCELOS

Quando li o texto da adolescente, 16 anos, que enfrentara vestibular na Universidade da Bahia, arrepiei-me. Porque o belo artístico emociona. Mas, para sentir essa rara efusão do espírito, é preciso penar bom bocado: entrar na obra artística, interpretá-la, degustá-la. Ninguém ama o que não conhece. Ninguém dá o que não. É necessário estudar, ralar. Conhecer padrões e estilos artísticos, a fim de entender o bem feito.
Arte não é só fazer, mas criar. Há muita porcaria por aí exaltada como arte, principalmente quando se confunde beleza física, dinheiro, bajulações e fajutas emoções com talento. Emoção só vale quando se comtempla o bem feito. Para o filósofo Platão, arte tem de traduzir algo divino. Já o filósofo Aristóteles exalta o bem feito, independente de divino ou satânico.
Na prova de redação do vestibular da Universidade da Bahia, exigiu-se um texto baseado na seguinte estrofe de soneto camoniano: “Amor é fogo que arde sem se ver, / é ferida que dói e não se sente, / é um descontentamento descontente, / dor que desatina sem doer.”
A estudante mandou brasa: Ah, Camões, se vivesses hoje em dia, / tomavas uns antipiréticos, / uns quantos analgésicos / e Prozac para a depressão. / Compravas um computador, / consultavas a Internet / e descobririas que essas dores que sentias, esses calores que te abrasavam, / essas mudanças de humor repentinas, / esses desatinos sem nexo, / não eram feridas de amor, / mas somente falta de sexo!”
A adolescente soube contextualizar um sentimento longínquo de cinco séculos atrás com o do contemporâneo, usando rimas e versos nos caprichos da moderna poesia, bem como recursos científicos de saúde. Abocanhou nota 10. Eu só daria 9, porque falhou no uso incorreto do tempo verbal em TOMAVAS, COMPRAVAS, CONSULTAVAS, em vez de TOMARIAS, COMPRARIAS e CONSULTARIAS. Se a universidade exigisse texto em prosa, certamente cairia a nota, porquando fora escrito em versos. A avaliação não pode sofrer emoções.

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