terça-feira, 5 de abril de 2011

DIÁRIO INCONTÍNUO

William Palha Dias, aos 90 anos, ladeado por Oton Lustosa, Herculano Moraes e Celso Barros Coelho


5 de abril

VISITA A UM LUTADOR OBSTINADO

Elmar Carvalho

No sábado passado, após a reunião ordinária da APL, um grupo de acadêmicos foi visitar o confrade William Palha Dias, que já não frequenta o sodalício por causa de doença. Além deste diarista, faziam parte da comitiva o nosso presidente Reginaldo Miranda, Manoel Paulo Nunes e Manfredi Mendes de Cerqueira. Um pouco depois, chegou o professor José Júlio Martins Vieira, filho do grande poeta Júlio Antônio Martins Vieira, autor do célebre livro Canto da Terra Mártire, que é uma espécie de épico do calcinado sertão, de nossa agreste e adusta caatinga. Quando fui titular da Comarca de Ribeiro Gonçalves tive a satisfação de sugerir o nome do bardo, que ali havia sido juiz, ao Tribunal de Justiça do Piauí para designar o fórum da remota localidade, em que também foi magistrado o mestre do conto, Fontes Ibiapina, autor de Cidade sem Reboco, que conheci em Parnaíba, onde ele exerceu a magistratura; conheci-lhe também a vasta biblioteca, instalada num sobrado da rua Pedro II. A sugestão caiu em terreno fértil, porque o desembargador Osíris Neves de Melo, então corregedor-geral da Justiça, tinha admiração pelo poeta e apreço pelo seu filho, de modo que foi aprovada por unanimidade. O confrade Humberto Guimarães é filho daquele município, que já foi maior do que o estado de Sergipe, e escreveu a saga de sua gente, entre as quais a obra Um Município do Tamanho do Mundo. Dessa forma, três acadêmicos fomos juízes nesse rincão: Martins Vieira, Fontes Ibiapina e este escriba. O nosso Palha Dias, embora seja filho de Caracol, tem vários parentes em Ribeiro Gonçalves, tendo sido seu nome dado à biblioteca da Fundação Leôncio Medeiros, criada e dirigida pelo amigo Adovaldo Medeiros.


Há mais de duas décadas conheço o escritor Palha Dias, pois desde o início dos anos 1980 passei a frequentar a APL, quando era seu presidente A. Tito Filho. Fui à grandiosa festa de seus oitenta anos de vida. Hoje, ele ultrapassou os noventa. Muitas vezes lhe ouvi a palestra alegre, lhe testemunhei a verve jocosa ao sabor do improviso, e o vasto repertório de casos anedóticos, em que era mestre insuperável. Por ocasião da publicação de seu livro Memorial de um Lutador Obstinado, escrevi um pequeno artigo em que lhe reconheci os méritos de um homem que soube conquistar o seu lugar ao sol, e as suas virtudes de contador de histórias interessantes, sejam verdadeiras ou fictícias. Sua esposa, a professora e escritora Maria das Graças, disse-me que ele é visitado diariamente pelos filhos, o que revela a estima e respeito que eles lhe dedicam. O professor Paulo Nunes, regenerense ilustre, e o Reginaldo Miranda, que se fez regenerense por título de cidadania e por ter se casado com regenerense, lembraram que três juízes da velha Comarca haviam ingressado na Academia Piauiense, no caso, os contistas e romancistas Palha Dias e Oton Lustosa, e este diarista e poeta. Aproveitando o momento evocativo e saudosista, o autor de Geração Perdida, que não tem nada de perdida, porquanto deu filhos brilhantes ao Piauí, entre os quais ele próprio, perguntou-me se eu já fora conhecer as nascentes do Mulato. Respondi-lhe que sim, e que me batizara a mim mesmo, usando uma providencial cuia que levara, ao descer as suas íngremes barrancas, em lembrança dos índios trucidados.

Para coroar a visita e a evocação da Vila de São Gonçalo da Regeneração, e seguindo as pegadas do anfitrião, que era, como já disse, um exímio contador de casos anedóticos, o professor Manoel Paulo Nunes, dando-lhe um cunho de quase tertúlia literária, narrou um caso engraçado, com que encerrarei este registro. Mais de meio século atrás, fazer uma viagem, mesmo de carro, de Regeneração a Teresina era quase uma aventura, em virtude das ladeiras, dos areais, dos atoleiros e outros percalços. Na década de 40 e 50 do século passado, poucos regenerenses viajavam a Teresina. Entre esses poucos aventureiros, José Moraes viajou à capital, para resolver algum assunto de seu interesse pessoal, e terminou demorando por cerca de seis meses, o que não era comum na época, a não ser em se tratando de estudantes, que ficavam durante todo o período letivo, só retornando nas férias. Era José Moraes um operoso operário, um homem de sete instrumentos, como se dizia então, ou um polivalente, como se diz hoje. Exercia várias profissões, não sei se todas com a mesma competência, ou se existia alguma de sua especial predileção, de seu mais perfeito domínio. Vendo os costumes e as fatiotas da capital, quando retornou a Regeneração passou a envergar um indefectível terno de linho branco, a combinar com os sapatos igualmente brancos. Depois de algum tempo, começou a relaxar no uso da indumentária, e já nem sempre andava imaculadamente em alvas vestes. Perguntado sobre o motivo do aparente desleixo, respondeu de plano:
O meio não “compite” meu esforço!
Naturalmente, queria dizer que a sua luta em dar bom exemplo no trajar, como um novo árbitro da elegância, não estava tendo seguidores. Demos, todos, forte gargalhada, e encerramos a visita ao mestre Palha Dias.

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