quarta-feira, 6 de abril de 2011

DIÁRIO INCONTÍNUO


6 de abril

FANTASMAS E LADRÕES À LUZ DO DIA

Elmar Carvalho

Após cerca de um ano, retornamos ao velho fórum da Comarca de Regeneração, encerrados os serviços de reforma. Na parte da instalação elétrica, um dos interruptores, quando acionado, não desliga a luz, o que parece encerrar algum mistério ou algum erro na execução da rede interna. Por outro lado, disse-me a Lúcia, secretária da Comarca, pessoa séria, discreta, zelosa e dedicada ao trabalho, que por duas vezes observou que o split, embora ela tenha certeza de que o desligou, após o término das audiências, voltou a funcionar, sem ser acionado por mão humana, ao menos deste mundo. Contei o fato ao engenheiro, e um tanto por chiste, disse-lhe temer fosse obra de algum fantasma brincalhão. Ele me respondeu que a ocorrência deveria ser melhor investigada. A comarca, em sua primeira fase, remonta a mais de século. Daí ser possível que o espectro de um velho magistrado ou de um zeloso serventuário possa ter se ressentido do calor e tenha religado o aparelho de ar condicionado, para mais confortavelmente executar invisível trabalho, já que não se nota aumento na produtividade.

Sei que a Inglaterra é famosa também por causa de seus fantasmas, e que todo vetusto palácio ou castelo que se preze tem os seus habitantes imateriais, que abrem e fecham janelas e portas; que ligam e desligam luzes e torneiras, e existem até os que arrastam correntes por entre ais doloridos. Alguns escritores povoaram seus contos, poemas e romances com personagens vindos do outro mundo. No momento em que eu tratava desse assunto, um servidor municipal, o professor Eudo, contou que em certa casa da cidade um dos moradores ouviu um casal de fantasmas a conversar. O masculino perguntou à mulher se ela não queria tomar banho, tendo ela respondido que não, pois estava com frio. O fantasma/marido, então, retrucou:
Pois eu vou tomar, pois onde nós estamos faz muito calor!
Logo em seguida, ouviu-se o barulho de água no banheiro. Não se soube ao certo onde o casal estaria, no outro lado do enigma, se no inferno, ou se no purgatório.

O que mais me causou espécie foi o fato de que a suposta atividade espiritual teria acontecido durante o dia. Esses fenômenos, historicamente, sempre acontecem à noite, que é mais propícia ao mistério, ao que é escondido, ao que não deve ser revelado. Ao que parece, já não se fazem mais fantasmas como antigamente, assim como também os gatunos parecem ter mudado os seus hábitos. Outrora, os ladrões pareciam ter vergonha de sua “profissão”, e só atuavam à noite, às ocultas ou à socapa. Eram verdadeiros artistas, senão mesmo ilusionistas, a fazer desaparecer objetos dos bolsos dos outros, e trazê-los para suas próprias algibeiras. Eram hábeis em escalar muros, em esquivar-se de cães ferozes e em driblar as armadilhas dos vigias. Hoje, perplexo, vejo que os fantasmas exercem suas atividades à luz do dia e que os bandidos nos assaltam em pleno meio-dia, à vista de todo mundo, como se sua ação fosse um espetáculo, que devesse ser filmado e observado por todos os circunstantes.

2 comentários:

  1. Sem querer botar lenha na fogueira, fenômenos como esses são comuns.Observados por muitos, são na maioria ignorados. É mais fácil deixá-los pra lá, do que investigá-los. Os de lá estão mais próximos do que imaginamos.

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  2. Caro Simão Pedro,
    Como diz o ditado, quanto mais cabra, mais cabrito. Fazendo uma analogia, direi: quanto mais lenha, mais perspectiva de fogo, e melhor para o nosso churrasco especulativo. Como dizia o velho dramaturgo, em citação livre, há mais mistérios entre o céu e a terra do que poderemos imaginar. O nosso humorista Barão de Itararé, se não estou enganado, dizia que existia no céu algo mais além dos aviões de carreira, embora em outro contexto.O certo é que existem mistérios e enigmas.

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