DOIS GRANDES POETAS E JUÍZES
Elmar Carvalho
Neste final de semana recebi, por e-mail, do médico e literato Gisleno Feitosa, nascido no Ceará, porém mais piauiense que muitos de nós, simpática quadra em que ele me enquadrava como poeta e juiz. Os versos me fizeram lembrar que dois dos maiores poetas brasileiros eram também juízes. Foram eles Raimundo Correia e Alphonsus de Guimaraens. O primeiro era, juntamente com Alberto de Oliveira e Olavo Bilac, integrante da chamada trindade do parnasianismo brasileiro. Compôs magistrais versos e sonetos, que são indefectivelmente incluídos em todas as antologias de nossa literatura. Conta Josué Montello, na nota final de seu Diário do Entardecer, com que encerra a sua bela e monumental obra diarística, após afirmar que seu conterrâneo foi “homem de bem, juiz exemplar, companheiro perfeito”, que Raimundo Correia encontrou “a chave de ouro para seus poemas e para a própria vida: saiu deste mundo cantando, com a cabeça apoiada no regaço da companheira”. Portanto, teve o grande poeta parnasiano uma bela morte, uma verdadeira morte poética e musical. Li, salvo engano, em alguma parte, que ele ao comprar um presente para sua filha teve inúmeras dúvidas e hesitações quanto à escolha da cor, e que, mesmo após haver tomado a decisão, ainda seguiu para casa a remoer-se de dúvida. Talvez isso seja indicativo de que tenha sido um magistrado íntegro, reflexivo e excessivamente escrupuloso em suas decisões judiciais.
Alphonsus de Guimaraens, como sabemos, foi juiz municipal na episcopal Mariana. Foi cognominado o solitário de Mariana. Dinheiro pouco e prole numerosa. Entre seus filhos, se destacou Alphonsus de Guimaraens Filho, alto poeta de nossa modernidade, já falecido. Amargou a morte precoce de sua prima Constança, por quem nutriu intenso amor juvenil, que repercutiu, como o sino de um de seus mais conhecidos poemas, para o resto de sua vida. Ainda ecoam nas montanhas de Minas os versos elegíacos: “Hão de chorar por ela os cinamomos, / Murchando as flores ao tombar do dia”. Dele se disse que seus versos eram música em surdina. Sinto minha alma inebriada por muitos de seus poemas, que me encantaram na adolescência e na juventude, e que ainda hoje me enternecem com a sua sutil e melancólica melodia, que se infiltra em meu espírito, quase como um agradável veneno que me entorpece e deleita ao mesmo tempo. Ele e o sofrido cisne negro – Cruz e Sousa – são considerados pelos críticos e pelos doutos como os dois maiores simbolistas da poesia nacional. Há quem ache que o segundo poderia estar entre os maiores do mundo nessa escola literária.
No meu discurso de posse na Academia Piauiense de Letras, em virtude de ocupar a cadeira nº 10, que foi também foi ocupada por Celso Pinheiro, tive o ensejo de dizer: “A exemplo do Parnasianismo Brasileiro, a Escola Simbolista deveria também ter a sua trindade, em que a estrela de primeira grandeza e de fulgor extraordinário – Celso Pinheiro – brilharia ao lado de Cruz e Sousa e Alphonsus de Guimaraens. O poeta, ironicamente, em sua pobreza de metais, era chamado de milionário do verso, pela facilidade com que urdia os mais belos poemas e sonetos, nos quais eram vazados o seu delicado pessimismo e o seu suave lirismo, através de melodiosas palavras e de inusitadas e por vezes extravagantes imagens e metáforas”. Agora, acrescentaria: e se não fosse Celso, que fosse o nosso vate supremo, Da Costa e Silva, que, além dos poemas de matrizes parnasianas e também modernistas, em alguns poucos textos, compôs notáveis poemas de feição nitidamente simbolista, como reconhecem abalizados críticos. Por coincidência ou não, já que este mundo é composto de mistérios e enigmas perturbadores, os dois poetas piauienses faleceram no mesmo dia: 29 de junho de 1950. Finalizando, acrescento que o Piauí teve um juiz que foi também um grande poeta: Júlio Antônio Martins Vieira, autor de Canto da Terra Mártire.
Meritíssimo Juiz,
Caro poeta Elmar.
A voz do povo é que diz:
“Juiz também sabe amar”!
Gisleno Feitosa
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