quarta-feira, 10 de agosto de 2011

DIÁRIO INCONTÍNUO



10 de agosto

O POETA E A BELEZA ANGELICAL

Elmar Carvalho

Neste sábado, encontrei na Caixa Econômica, agência do Riverside, um velho amigo. Depois dos cumprimentos e das brincadeiras de costume, ele me revelou um fato que lhe acontecera há poucos dias. Estava ele fazendo compras em um supermercado, quando avistou uma bela mulher. Não resistiu, e se pôs a olhá-la detidamente. Ela parecia corresponder ao seu olhar insistente, porém, para sua perplexidade, marchou em sua direção e indagou de forma agressiva, falando bem alto, com muito estardalhaço, como para atrair a atenção dos circunstantes:
- O que foi, nunca viu mulher, não?
O velho amigo não não se deu por achado, e redarguiu de bate pronto:
- Feia do seu jeito, não!

A mulher ficou inerte e muda, com o olhar perdido e vazio, completamente desnorteada ante a resposta que jamais esperou. E ainda teve que aguentar a admoestação de uma velhinha, que tomou as dores do meu amigo:
- Moça, a senhora foi muito deselegante. Quando um homem olha para uma mulher, é uma forma de elogio. E se a senhora viu o olhar dele, é porque também estava olhando para o rapaz!
Essa senhora parecia ter a lembrança vívida do seu tempo de juventude, do tempo em que foi bela, olhada e desejada, e provavelmente amada. E, pelo visto, foi uma boa quadra de sua vida, que ela recordava com carinho. Depois dessa forte bengalada desferida pela mulher idosa na jovem, o meu amigo se sentiu de peito lavado; a desforra fora executada por uma velha senhora, que ele sequer conhecia.

Esse episódio, algo anedótico, me fez recordar um fato que se passou com um dos grandes intelectuais do Piauí – jornalista, cronista e articulista de linguagem límpida, escorreita, castiça como a dos grandes clássicos, porém sem alambicados rebuscamentos. Estava o poeta, acho que também era poeta, ainda que bissexto, em certo cemitério de São Luís, quando viu inefável e nívea figura angelical, de áureos e fulgurantes cabelos, que mais pareciam o halo de uma santa; naquela melancólica hora do sol-posto, em que a luz se torna cambiante, pondo algo de indefinível no contorno das formas, mais se assemelhava a uma aparição do outro mundo. O vate se quedou embevecido, quase em estado de beatitude, a contemplar a graça e o encantamento daquela quase sobrenatural beleza feminil, esbelta e curvilínea, envolta pelo mistério crepuscular do campo santo, que parecia pertencer a páramos mais elevados, quando a mulher disse, à semelhança da outra, de forma ríspida e cortante:
- O que foi, nunca viu uma mulher antes?
O poeta se sentiu chocado, ante tão prosaica vulgaridade e grosseria, como se houvera sido arremessado do éter ao pó do cemitério por uma rude patada cavalar, mas conseguiu compor uma resposta, no seu estilo elegante, oriundo de outras eras:
- Senhora, eu pensava estar contemplando uma miragem, a beleza de um ser angélico, delicado e sutil, vindo de etéreas e celestiais esferas, mas vejo, agora, que via apenas uma mulher grosseira e da terra em que pisamos.

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