terça-feira, 8 de novembro de 2011

ARTE-FATOS ONÍRICOS E OUTROS


A TENTAÇÃO DA VIÚVA

Elmar Carvalho

Certo dia, cumprindo diligência determinada pelo delegado de Polícia, o sargento Malaquias Pimentel apreendeu o adolescente Danilo, conhecido pela alcunha de Menino Cão, que teria cometido um assalto no bairro Satélite. Não sabia ele que com esse procedimento policial estava assinando a sua sentença de morte. O garoto, considerados seus antecedentes e periculosidade, terminou sendo sentenciado a cumprir um longo período de internação. O sargento, em suas horas de folga, gostava de tomar duas ou três pingas antes do almoço, após o qual fazia, costumeiramente, sua sesta em cadeira preguiçosa, colocada no pequeno alpendre de sua casa, por onde o vento circulava com mais facilidade, atenuando os rigores do período seco e calorento.

Certa tarde, Danilo, já em plena liberdade, resolveu perpetrar sua vingança. Conhecia os hábitos do sargento. Do lado de fora, olhando por cima do muro baixo, viu o sargento reclinado na preguiçosa. Observou se havia algum movimento na casa e se o policial se mexia na cadeira de pano. Sem dificuldade, saltou a mureta. Depois, foi tomando chegada, como um felino, a pisar muito de leve, com o seu tênis silencioso. Logo ouviu o ronco de Malaquias, e teve certeza de que ele dormia profundamente, entorpecido pelas talagadas de calibrina que tomara. Sem nenhuma hesitação, cravou sua pequena faca na garganta do sargento e se foi embora a correr, sem que ninguém o visse, uma vez que o local era um tanto isolado, e de muito pouco trânsito. Como sabia que seria um dos suspeitos, mesmo que não existisse nenhuma prova contra sua pessoa, tomara o cuidado de usar uma velha luva, que surrupiara em uma clínica, e jogou fora o calçado, para evitar comparações, com eventuais marcas deixadas na areia. Com efeito, foi chamado a depor, mas negou tudo, e como não havia nenhuma prova contra ele, nada sofreu, embora todos parecessem ter certeza de que fora ele o autor do chamado ato infracional.

Ao receber o golpe e acordar desnorteado, ainda algo entorpecido pelo álcool, o sargento retirou imediatamente a faca fincada em seu pescoço. Sangrando, adentrou a casa à procura de sua mulher, tentando, com as mãos, estancar o sangue, que lhe escorria por entre os dedos. Socorro o levou ao hospital, no automóvel da família. Conseguiu balbuciar o nome do adolescente, que mal foi ouvido pela mulher. Ainda chegou com vida ao hospital, mas já praticamente morto. O médico disse que se ele, não tivesse arrancado a pequena faca da garganta, teria escapado, mas essa operação fez o sangue jorrar com mais intensidade, além de haver provocado novas lesões. O militar deixou na orfandade quatro filhos. Socorro retomou sua vida, após o impacto da morte do marido, voltando a frequentar seu emprego na Secretaria Estadual da Fazenda. A sua vida se tornou mais atribulada; agora, além de seus deveres funcionais, teria de cuidar da casa e dos filhos menores sozinha, sem o amparo de seu marido, que era o esteio principal da família.

Um dia a tentação bateu a sua porta, sob a forma de um adolescente, que lhe pediu para ter uma conserva reservada com ela. Apreensiva e curiosa, atendeu o rapazola. Este lhe disse saber quem fora o assassino de seu marido, e que tinha muita raiva dele, por causa de um assalto que fizera em sua companhia, em que fora lesado na partilha do dinheiro e dos bens subtraídos. Disse, sem rodeios e sem maiores justificativas, que o mataria, se ela lhe desse dois mil reais. A viúva pediu que o rapaz, de nome Josino, não mais a procurasse, mas que se encontrariam na praça Saraiva, a uma da tarde de sexta-feira da semana seguinte, quando ela lhe daria a resposta e o dinheiro, se fosse o caso.

Socorro pensou muito na proposta. Refletiu que o adolescente de 18 anos incompletos nada sofrera; que continuaria a roubar e a matar; que ninguém tinha o direito de tirar a vida de ninguém, mas Danilo matara o seu marido e outras pessoas, segundo Josino lhe confidenciara. Pensou muito. Curtiu noites de insônia. Orou. Pediu que Deus a livrasse daquela infernal tentação. Decidiu que não aceitaria a proposta de Josino. Na sexta-feira, no horário combinado, entregou disfarçadamente, um pacote com vinte cédulas de cem reais, que por vias das dúvidas e da tentação levara em sua bolsa, sem pronunciar uma única palavra. Em seguida, virou as costas e se afastou em passos rápidos e firmes, sem olhar para trás, uma vez sequer, como se estivesse a fugir de algo. Sequer sabia porque tomara, de súbito, a atitude oposta ao que havia decidido.

5 comentários:

  1. Pelo jeito esta história não acaba aqui.

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  2. Joserita Melo Carvalho20 de novembro de 2011 às 16:39

    Também acho....e fiquei curiosa p/ saber o final!

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  3. Eu deixei o final em aberto, para que o leitor imagine o que irá ou poderia acontecer.

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  4. Eu já havia percebido esse detalhe em muitos de seus contos. Também o percebi em Estórias de Machado de Assis, como por exemplo, Dom Casmurro.

    Muito bom o seu conto. Cheguei a confundi-lo com uma notícia.

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  5. Pelo título, eu imaginei algo estilo VIÚVA NEGRA.

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