segunda-feira, 23 de abril de 2012

Considerações acerca do centro histórico de Campo Maior




Joca Oeiras

Na sexta-feira,13 e no sábado, 14, passados estive em Campo Maior. Fiz a viagem a propósito de assistir, no sábado pela manhã, a uma palestra do renomado arquiteto Olavo Pereira da Silva Filho, convidado, que fora, pessoalmente, por ele. A palestra –fragmentariamente reproduzida abaixo – versou sobre o Centro Histórico de Campo Maior do ponto de vista de sua preservação e desenvolvimento.
 A Academia Campomaiorense de Artes e Letras - ACALE promoveu o evento que contou com o apoio da Prefeitura de Campo Maior – o prefeito Paulo Martins se fez presente – de lojas maçônicas, Lions Clube e Sol Clube. A superintendente do IPHAN no Piauí, arquiteta Claudiana Cruz dos Anjos  também estava lá.Durante o evento foi passado um abaixo-assinado dirigido ao IPHAN solicitando àquele Instituto abertura de um processo para o tombamento do Centro Histórico de Campo Maior, a exemplo do que já ocorreu em Oeiras, Parnaíba e Piracuruca.

O Olavo, de quem, por seu incansável trabalho preservacionista, o Piauí  (e não apenas o Piauí) é devedor, ficou surpreso com a minha presença e declarou-se grato por ter-me deslocado de Oeiras até a Terral dos Carnaubais apenas para vê-lo palestrar. Até presenteou-me com o belo livroArquitetura Luso-Brasileira no Maranhão.
Claro que há um pouco de exagero nisso pois fiz um passeio bastante agradável, saboreei a melhor carne de sol do nordeste brasileiro e é sempre um prazer, para mim, visitar a simpática e acolhedora terra dos Heróis do Jenipapo, independente de qualquer motivação para tanto

Tratar da preservação de uma paisagem histórica, especialmente de estruturas arquitetônicas e urbanísticas é como  tratar do próprio corpo humano. Como um médico para prescrever um tratamento, preventivo ou curativo, das doenças da mente, do corpo e da alma, prescinde de um diagnóstico. Também no planejamento urbano necessitamos de investigações, de reflexões e dessa visão holística da saúde urbana, dos descuidos e intervenções que acarretam seqüelas irremediáveis.
E é nesse sentido precisamos evidenciar os impactos físicos e sociais que contribuem para a perda de identidade de uma cidade. Em síntese, esta é uma proposta de reflexão e de urgentíssimas ações de salvaguarda.
Aqui não cabe falar de culpados, mas, não podemos ignorar nossas responsabilidades. Portanto, não se espantem com as imagens, um tanto quanto agressivas, que vou projetar, mas isso é necessário para uma apreensão mais ampla de uma paisagem cultural.
Campo Maior há muito vem sendo louvado, sobremaneira por acadêmicos, desta e de outras casas, alguns aqui presentes, outros que já não se encontram entre nós, como H.Dobal e Odylo Costa, f, campomaiorenses não nativos deste campo, mas, pelo sentimento ecumênico e visceral, no dizer de Manuel Bandeira, projetaram esse lugar ao mundo como uma das maiores provas de nossa identidade cultural.

Nesse complexo urbano, É esse equilíbrio entre os valores dos terrenos e das edificações que consolida identidade e garante a auto-sustentabilidade de um cenário. É com esse cenário de sentimento integrado que podemos evitar o paternalismo patrimonial. A perspectiva uniforme das casas perfiladas e agarradas umas às outras, justapostas às testadas dos lotes, associadas à aplicação de componentes estruturais, expressa uma interdependência construtiva e confere uma unidade urbana embasada em antigas Posturas, difundidas por todo o tempo colonial e imperial e que ainda referência essa paisagem.
Nesses telhados não há 2 telhas iguais. Nessas paredes não há 2 tijolos de mesmo peso, 2 janelas de mesmo vão, 2 casas de mesmo volume. Mas, as formas se espelham, os telhados se unificam, os vãos se correspondem. Que paisagens, então podemos associar a essa identidade? A de feituras imanentes do fenômeno plástico, referências ao sentimento estético, substratos de uma arquitetura de alma flamejante, filtrada numa paisagem elegíaca, sensível à estética, ou de simbologias do pseudo progresso urbano? Ou a da desconstrução de identidade? Cada vez mais, cenários tradicionais vêm se tornando impossíveis de apreensão, frente às mutações não de desenvolvimento planejado, mas de crescimento desordenado, amparado na doutrina positivista de progresso e desenvolvimento, arbitrado na inconseqüência social, que de bom tempo estão anulando a identidade da cidade. Nesse cenário, que antropólogo, pesquisador ou turista viria aqui para apreciar um prédio de supermercado ou esse tipo de arquitetura?

Esse é um vestíbulo, lugar de receber e que também reflete hospitalidade e uma organização de uma época que em nada prejudica o uso atual. Imaginem essa casa sem essa setorização característica, sem essa antecâmara separando a área intima da social. Sem essa cancela, provida de postigo vazado, que deixava o interior reservado, sem maior exposição aos estranhos, e que facilmente permitia a identificação de quem chegava. Imaginem essa casa só com fachada. Quanto se perderia pela destruição dessa configuração? Há nisso, uma coesão espacial ordenando as frontarias e articulando o interior com os planos das fachadas, coberturas e sistemas construtivos, confirmando a aplicação de antigos esquemas reguladores. De frentes cerradas e formais, sem alpendre e de fundos abertos e relaxados a casa da cidade é a casa de campo. Desprendida de intenção alegórica, é a essência artística de um tempo, mesclada no engenho português e na conveniência do semi-árido. Forma que é a estrutura. A origem rural dos primeiros núcleos urbanos do Piauí, aliada a um parcelamento relaxado do solo, iria conferir um caráter rústico à casa da cidade. Esses sistemas construtivos expressam formas e modos do habitar e construir que formataram essa cidade. Numa rápida comparação com as casas antigas de Minas, se destacam peculiaridades locais de materiais e sistemas construtivos próprios. Se ao clima frio, opulência e relações senhor - escravo se baliza maior resguardo e desenho fechado daquela. Ao calor abrasivo, despojamento e relações senhor - vaqueiro se formata aberta e relaxada esta.

Uso e conservação atuais refletem o potencial da cidade,  como um lugar muito especial para se viver, com o conforto e qualidade de vida que a tecnologia atual proporciona. As varandas abertas para os quintais e as fachadas fechadas para o exterior, com vãos protegidos de guilhotinas, rótulas e calhas, não foram apenas uma preocupação de acomodação às condições climáticas do sertão abrasivo. Mas, ajustamento de posturas urbanísticas e dos recursos técnicos então disponíveis. Os desaprumos acentuam a estética artesanal enquanto arrojadas estruturas de carnaúba amarradas com relho cru fazem a diferença. A religiosidade, presente na imaginária e nesses singelos abrigos de devoção, e o zelo com os bens móveis existentes são também expressões presentes no uso dessas moradias.

Ver, passa por essa perspectiva ousada e profundamente perturbadora do tecido urbano, em toda sua diversidade cultural. Por trás dessas fachadas, recobertas de escórias, encontram-se os fundamentos sociais, econômicos e culturais que alicerçaram essa cidade.

A arquitetura não é apenas um prédio com determinada função de uso, mas também o que agrega e ressoa em seu redor. Os desequilíbrios entre os valores comerciais dos terrenos e das edificações anteriores, é assim, fatal para a perda de estruturas arquitetônicas.

A responsabilidade dos educadores é muito grande e maior ainda a dos gestores públicos, porque mais importante que saber desenhar o alfabeto é saber ler uma paisagem.


Carnaúba, pedra e barro na Capitania de São José do Piauhi recebeu, em 2008, o prêmio Rodrigo Melo Franco conferido, anualmente, pelo IPHAN, a iniciativas que se destaquem na defesa e preservação do Patrimonio Cultural brasileiro

Fonte: site da Fundação Nogueira Tapety. Autor: Joca Oeiras.

2 comentários:

  1. Eu penso que: a falta de mecanismo legais que estimulem ou obriguem os proprietários a reformar os casarões abandonados se alia em grande parte dos casos a pendências jurídicas e familares.


    sp,

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  2. É muito importante se preservar as antiguidades de uma cidade pois a historia de um povo vem das coisas antigas e que estão fazendo em Campo Maior é derrubar os prédios ou entao descaracterizar as suas fachadas. Caro Poeta ELMAR,E O ILUSTRE OLOVA PEREIRA vamos motivar a turma Campomaiorense para uma briga de preservação destes monumentos ou do contrario vamos cair no esquecimento (NA ESCURIDÃO DO ESQUECIMENTO), já derrrubaram varios pr´prédios e esta quase no chão o velho tirou, uma casa velha que tem na entrada da rua que leva a estação ao proximo ao açude nesta entrada bem perto do Valdir Fortes. ab João Antonio Aragao.

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