quarta-feira, 9 de maio de 2012

JOSÉ DE RIBAMAR FREITAS, O ÚLTIMO HELENO (PARTE 1)


Professor José de Ribamar Freitas

9 de maio   Diário Incontínuo

JOSÉ DE RIBAMAR FREITAS, O ÚLTIMO HELENO (PARTE 1)

Elmar Carvalho

Na sessão de sábado da Academia Piauiense de Letras, houve várias proposições de votos de pesar, todas aprovadas por unanimidade. Assim, foram noticiados os falecimentos de Zilma Martins da Cunha, odontóloga, que deixou viúvo o correntino Benjamim Cunha Nogueira; José Airemoraes, sacerdote católico, tio do confrade Raimundo José Airemoraes; Almério de Castro Gomes, amarantino, doutor e mestre, professor e pesquisador da Faculdade de Saúde da Universidade de São Paulo; Francisco Bilas, piauiense, mas que fez sua carreira de jornalista no Ceará; Barros Pinho, poeta e contista, nascido em Teresina, fez sua carreira política e literária no estado do Ceará, tendo sido vereador, prefeito de Fortaleza, secretário estadual da Cultura e deputado estadual.

Foi nessa sessão que recebi a impactante notícia da morte de meu mestre José de Ribamar Freitas, através da palavra abalizada do desembargador Manfredi Mendes de Cerqueira, que lhe fez um verdadeiro panegírico, ao enaltecer a sua rica personalidade e ao lhe traçar um breve perfil biográfico, quando propôs o voto de pesar. Os demais votos de pesar foram apresentados respectivamente por Jesualdo Cavalcanti Barros, Manoel Paulo Nunes, Reginaldo Miranda da Silva e Zózimo Tavares (este fez duas proposições, referentes a Francisco Bilas e Barros Pinho). Houve vários apartes e pronunciamentos de solidariedade, em que as qualidades e méritos dos mortos foram enfatizados e louvados. Eu mesmo não pude deixar de fazer uso da palavra, para expressar a minha admiração por José de Ribamar Freitas, de quem tive a honra de ser amigo, pois várias vezes o visitei em seu apartamento, para desencadearmos longas conversas ou práticas, como, às vezes, o mestre as chamava, em seu português irreprochável, terso, castiço.

Nessa sessão, quase diria fúnebre, tal o avantajado número de votos de pesar, o confrade e jornalista Zózimo Tavares, em seu humor refinado e cáustico ao mesmo tempo, disse que desejaria registrar também uma tragédia. A tragédia a que ele se referiu era o fato de que as aulas da rede estadual do corrente ano ainda não tivessem começado, o que sem dúvida viria a comprometer a qualidade dessa prestação de serviço público, que já não é das melhores, com a reposição da carga horária feita a toque de caixa e de qualquer maneira.

Nas várias vezes em que visitei o apartamento do professor Freitas, deixava-me ficar a admirar a sua invejável biblioteca. Via os seus vários dicionários, sobre os mais diversos temas, incluindo significação, sinonímia, etimologia, flexões nominais e verbais, analogia e ideias afins, etc. Ali pontificavam os clássicos da literatura brasileira, portuguesa e mundial. Enfileiravam-se nas estantes as obras máximas do classicismo greco-romano, em que não poderiam faltar os herois e enredos mitológicos. Devo destacar as imortais obras das literaturas francesa e inglesa, com ênfase para as do romantismo. Alguns desses volumes são raras preciosidades, dignos de rigoroso bibliófilo.

Em várias ocasiões estimulei meu mestre a escrever as suas memórias, porquanto me era muito agradável ouvi-lo falar sobre certos episódios de sua longa e plena vida. Alguns tinham certo toque anedótico, em que se notava sutil ironia, outros eram revestidos de caráter edificante, contudo sem tom doutoral ou moralista, posto que ele era avesso às imposturas e farisaísmos. Embora ele não tenha rechaçado a sugestão, tendo mesmo me dito que faria algo nesse sentido, creio que não a realizou. Pelo menos nunca me revelou haver iniciado esse trabalho.

Sendo um erudito e um orador de amplos recursos, era também um consumado causeur. Enriquecia sua palestra com comparações, citações, exemplificações históricas e sadias anedotas. Na retórica, seguia as lições dos mestres clássicos, como Cícero, Demóstenes, Vieira e Rui Barbosa. Seus discursos eram bem definidos com relação ao introito, desenvolvimento e arremate, em que era engastada uma cintilante chave diamantina, de beleza incomparável. Sua gesticulação e voz ajustavam-se com perfeição às palavras, dando vida e fulgor ao conteúdo, sempre rico e denso, concebido invariavelmente em linguagem clássica, castiça, em que nada ficava a dever a Manuel Bernardes, padre Antônio Vieira e Dom Francisco Manuel de Melo, dos quais pode ter sido discípulo, em sua juventude, ao lhes haurir as lições, mas aos quais se ombreou, pelo estudo e esforço, através dos quais também se tornou um Mestre.

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