sexta-feira, 15 de junho de 2012

Escândalos de Jesus Cristo



José Maria Vasconcelos
Cronista, josemaria001@hotmail.com

Quão complicada a decodificação da linguagem! Embora dominando estilo de época, culturas, relações entre adultos e jovens, interesses e conflitos pessoais, às vezes, a linguagem resulta em pesadelo e guerra de interpretações. Segundo o fundador da Linguística, Ferdinand Saussure, a linguagem é o resultado da fusão entre a língua imposta e a maneira de falar de cada indivíduo. Significante e significado. Além da linguagem verbal, acrescente-se, ainda, a linguagem não verbal, como gestos e símbolos.
O que parece ridículo a um adulto pode ser belo a uma criança. O sucesso da comunicação, portanto, exige domínio de repertório de valores, de padrões culturais e de estilo de época. Uma simples frase pronunciada por grande líder, neste caso, Jesus Cristo, pode causar interpretações mais diversas, inspirar leis de Estado: "Quem com o ferro fere com ferro será ferido." Há quem defenda a pena de morte no princípio do Mestre.
Imagine brilhante homem declarar publicamente: "Quem me comer irá para o céu!" Que juízo lhe passou pela cabeça? Pois é, exatamente como você pensou, Jesus Cristo escandalizou os próprios discípulos ao pronunciar semelhante frase em público: "Eu sou pão vivo. Quem comer este pão viverá eternamente." O evangelista João relata (capítulo 6) que "muitos de seus discípulos se afastaram dele e não mais andavam com ele." Jesus voltou-se para os doze apóstolos e os desafiou: "Quereis vós também retirar-vos?"
João narra o encontro de Jesus com uma samaritana à beira de poço. Estavam sós. Mulher de vida livre, na Samaria, região detestada pelos cidadãos da Judeia. O diálogo é longo e sedutor, no sentido de conquistá-la para a fé no Messias. Aproximaram-se os discípulos, vindos de cidade próxima. Observaram a cena. João lança fogo nas entrelinhas da narração: "Os discípulos maravilharam-se, vendo-o conversar com a mulher... ninguém tocou perguntar que assunto." (cap.4, vers. 27).
Noutro episódio, zelosos da lei flagraram uma prostituta em pecado e tentaram apedrejá-la. Jesus aproximou-se da mulher, encurvou-se, escreveu no chão, em silêncio, depois mandou brasa: "Quem nunca pecou lance a primeira pedra...E começaram a se retirar, a começar pelos mais velhos." Percebe-se, novamente, a sutileza maliciosa nas entrelinhas de João. As atitudes amáveis de Jesus para com as mulheres superam até sua relação com sua mãe, quase sempre, seca. Ambos os casos provocam interpretações mais diversas: paixões amorosas, anulação de Maria no projeto da salvação.
Diante do belíssimo templo de Jerusalém, Jesus pronunciou um veredicto que, depois, lhe serviu de acusação e condenação: "Destruam este templo, e eu o reconstruirei em três dias." Um desrespeito aos padrões culturais e religiosos da época.
Banquetear-se com pagãos e adversários políticos, aceitar carinho de mulheres de duvidosa conduta resultaram em interpretações maldosas até hoje.
A História é construída de interpretações diversas e divertidas das condutas e ideias. Jesus escandalizou, morreu. Galileu quase naufraga na fogueira. Lutero inaugurou a contestação católica, enquanto Francisco de Assis permaneceu no diapasão. Pregadores e estudiosos tratados de bruxos. A mãe de Jesus exaltada ao extremo entre católicos, mas distanciada dos evangélicos. Bandidos e corruptos comandam o Poder, enquanto honestos amargam desvantagem eleitoral.
A primitiva civilização achou tediosa a equilibrada vida no paraíso terrestre, optando pela anarquia da Babel. Em plena era virtual, nada mudou. Viva a Babel da linguagem contraditória! Fora o paraíso da mesmice linguagem ululante!

Nenhum comentário:

Postar um comentário