José
Maria Vasconcelos
Cronista, josemaria001@hotmail.com
Quão
complicada a decodificação da linguagem! Embora dominando estilo de
época, culturas, relações entre adultos e jovens, interesses e
conflitos pessoais, às vezes, a linguagem resulta em pesadelo e
guerra de interpretações. Segundo o fundador da Linguística,
Ferdinand Saussure, a linguagem é o resultado da fusão entre a
língua imposta e a maneira de falar de cada indivíduo. Significante
e significado. Além da linguagem verbal, acrescente-se, ainda, a
linguagem não verbal, como gestos e símbolos.
O
que parece ridículo a um adulto pode ser belo a uma criança. O
sucesso da comunicação, portanto, exige domínio de repertório de
valores, de padrões culturais e de estilo de época. Uma simples
frase pronunciada por grande líder, neste caso, Jesus Cristo, pode
causar interpretações mais diversas, inspirar leis de Estado: "Quem
com o ferro fere com ferro será ferido." Há quem defenda a
pena de morte no princípio do Mestre.
Imagine brilhante homem declarar publicamente: "Quem
me comer irá para o céu!" Que juízo lhe passou pela cabeça?
Pois é, exatamente como você pensou, Jesus Cristo escandalizou os
próprios discípulos ao pronunciar semelhante frase em público: "Eu
sou pão vivo. Quem comer este pão viverá eternamente." O
evangelista João relata (capítulo 6) que "muitos de seus
discípulos se afastaram dele e não mais andavam com ele."
Jesus voltou-se para os doze apóstolos e os desafiou: "Quereis
vós também retirar-vos?"
João
narra o encontro de Jesus com uma samaritana à beira de poço.
Estavam sós. Mulher de vida livre, na Samaria, região detestada
pelos cidadãos da Judeia. O diálogo é longo e sedutor, no sentido
de conquistá-la para a fé no Messias. Aproximaram-se os discípulos,
vindos de cidade próxima. Observaram a cena. João lança fogo nas
entrelinhas da narração: "Os discípulos maravilharam-se,
vendo-o conversar com a mulher... ninguém tocou perguntar que
assunto." (cap.4, vers. 27).
Noutro
episódio, zelosos da lei flagraram uma prostituta em pecado e
tentaram apedrejá-la. Jesus aproximou-se da mulher, encurvou-se,
escreveu no chão, em silêncio, depois mandou brasa: "Quem
nunca pecou lance a primeira pedra...E começaram a se retirar, a
começar pelos mais velhos." Percebe-se, novamente, a sutileza
maliciosa nas entrelinhas de João. As atitudes amáveis de Jesus
para com as mulheres superam até sua relação com sua mãe, quase
sempre, seca. Ambos os casos provocam interpretações mais diversas:
paixões amorosas, anulação de Maria no projeto da salvação.
Diante
do belíssimo templo de Jerusalém, Jesus pronunciou um veredicto
que, depois, lhe serviu de acusação e condenação: "Destruam
este templo, e eu o reconstruirei em três dias." Um desrespeito
aos padrões culturais e religiosos da época.
Banquetear-se com pagãos e adversários políticos,
aceitar carinho de mulheres de duvidosa conduta resultaram em
interpretações maldosas até hoje.
A
História é construída de interpretações diversas e divertidas
das condutas e ideias. Jesus escandalizou, morreu. Galileu quase
naufraga na fogueira. Lutero inaugurou a contestação católica,
enquanto Francisco de Assis permaneceu no diapasão. Pregadores e
estudiosos tratados de bruxos. A mãe de Jesus exaltada ao extremo
entre católicos, mas distanciada dos evangélicos. Bandidos e
corruptos comandam o Poder, enquanto honestos amargam desvantagem
eleitoral.
A primitiva civilização achou
tediosa a equilibrada vida no paraíso terrestre, optando pela
anarquia da Babel. Em plena era virtual, nada mudou. Viva a Babel da
linguagem contraditória! Fora o paraíso da mesmice linguagem
ululante!
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