12 de julho Diário Incontínuo
CONTRASTES DA VIDA
Elmar Carvalho
Contou-me um amigo que o seu pai gostava de comprar
frango assado em determinado comércio de sua cidade. O proprietário,
que era ainda bem jovem e entusiasmado com a vida e com as suas
promessas e acenos, apreciava essa preferência e distinção. E para
agradar o pai de meu amigo, que fora considerado um belo tipo de
homem, pelo seu porte altivo, elegante, e pela cor da pele e de seus
olhos claros, ressaltava esse fato com muita graça, no chiste
alegre, que se transformara em bordão:
– Que homem bonito! Se eu fosse uma mulher, já tinha
me perdido com ele...
E sorria de seu próprio gracejo ingênuo, feito apenas
na tentativa de agradar.
O velho pai de meu amigo, com certa indulgência, sorria
da brincadeira do rapaz, mas murmurava para o filho, dentro do
automóvel:
– Para você ver como é a vida. Esse rapaz tão
jovem, tão feliz, e eu tão triste, tão amargurado...
Já ele praticamente não movimentava as pernas, ele que
outrora fora dinâmico, vigoroso, e que, em sua mocidade, pilotara
ariscas motocicletas e cavalgara árdegos e vistosos corcéis.
Por coincidência, neste exato momento, acabo de ler a
nota do dia 27 de outubro de 1931 do Diário Secreto de Humberto de
Campos, quando este escritor viajava, bastante adoentado, a bordo do
Astúrias, famoso navio da época, em viagem cultural a Montevidéu e
Buenos Aires, quando já começava a descambar para o termo de seus
dias.
O passeio, que em outras circunstâncias poderia ter
sido alegre, foi melancólico e sofrido, tendo ele consignado na
referida anotação: “Onze horas da noite. Ouço barulho, palmas,
alegria, no convés que fica acima do meu. Dança-se, grita-se,
aplaude-se. Informam-me que há, a bordo, dança e cinema. Mas eu
continuo deitado, lendo, dormindo, ou gemendo, sem indagar se é dia
ou se é noite, se o sol brilha lá fora ou se brilha no céu a lua.
Não posso dar dois passos sem uma dor dilacerante”. Não
prosseguirei com a transcrição dos gemidos do notável cronista.
Em poema evocativo de sua infância, o velho bardo
Manuel Bandeira relembra que, em certa noite de São João, quando
foi dormir, tudo ainda era festa, alegria, risadas, tiros de foguete,
luzes, música e conversas, e quando acordou, alta madrugada, tudo
era silêncio e solidão e tristeza. O poeta lembrou-se de outra
noite, a noite maior, a noite absoluta da morte. Passados tantos anos
daquela noite tão animada de sua infância, o velho menestrel
indagou, referindo-se aos que participaram dos folguedos: “Onde
estão todos eles? / — Estão todos dormindo / Estão todos
deitados / Dormindo /Profundamente”.
Mas o mesmo Manuel Bandeira, em outro poema, nos exorta
a aceitarmos as nossas tristezas. Nos aconselha a aceitarmos as
nossas melancolias, e até mesmo a aprendermos a amá-las, que um dia
a amaríamos. Tenho procurado seguir a recomendação do velho poeta,
mas jamais bimbalhando os falsos guizos da alegria, como diz a letra
da canção popular. Deixo isso aos palhaços das perdidas ilusões,
para continuar com a letra da mesma canção melancólica.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirCaro vate,
ResponderExcluirAté mesmo o mais triste dos sentimentos pode ser um combústivel para o artista.
Não sei construir um monumento mas posso fazer uma "lista".
Afirmo que timidamente tenho usufruído dessa válvula de escape, sobretudo, em momentos extremos,
sejam de alegria ou de melancolia.
Agora posso dizer que na escrita encontrei a minha liberdade.
Posso vomitar o sofrimento e ejacular a felicidade.
Obrigado por ter aberto as portas desse universo pra mim,
Pois um bom exemplo pode significar um SIM.
Acabo de conceber este:
ResponderExcluirCulpa do Passado
Ele já foi?
Pensei que sim.
Mas ele insiste em dizer: OI!
Me persegue
Não quer se afastar de mim.
O enterrei e sobre ele coloquei uma pá de cal,
Mas ele está aqui, tentando me fazer mal.
Há um confito.
Passado e Presente juntos.
Parece mito.
O Presente está doente.
Culpa do Passado que insiste em querer ser Presente.
Estou em cima do muro.
Desta forma, o que será do Futuro?
Preciso mudar mudar minha realidade
Investir no Presente
Para que o Passado fique apenas na saudade.
( Nelson Rios)
É por certo realidade quando falas que escrever liberta a alma,e lhes mais acrescento:o poeta porta a chave de sua prisão ao mesmo tempo em que abre as celas dos demais enclausurados na realidade sem graça.
Excluir(Felisardo Santana)