quarta-feira, 4 de julho de 2012

A SOMBRINHA DA MULHER DE BRONZE




4 de julho   Diário Incontínuo

A SOMBRINHA DA MULHER DE BRONZE

Elmar Carvalho

No sábado, ao percorrer o acesso do shopping Riverside, no sentindo de quem vai para a Praça de Alimentação, notei que a sombrinha da escultura de uma mulher estava aparentemente com defeito. A cobertura dessa peça oscilava à brisa, ameaçando cair a qualquer momento. Reparei que o cabo do guarda-sol estava quase rompido, perto de sua junção com o pequeno toldo protetor.

Ou, então, a peça fora feita propositadamente para oscilar ao toque do vento, e eu é que, das outras vezes, não atentara para essa circunstância. Ou, talvez, anteriormente não houvesse vento, o que não é incomum em nossa capital, que a pudesse fazer menear. De qualquer sorte, achei ser meu dever comunicar essa ocorrência ao Paulo Nunes Almeida, um dos condôminos do centro comercial, para os devidos fins, como se diz na linguagem dos burocratas.

Na verdade, a escultura faz parte de um conjunto, porquanto ao seu lado fica o seu companheiro, marido ou namorado. Ou “namorido”, como se fala nos dias de hoje. Outrora, namorado era apenas namorado, e amante era outra coisa. É um casal bastante feio, caso as duas estátuas sejam avaliadas pelo padrão apenas figurativo, com as suas cabeças estilizadas (alguns diriam deformadas). Pela paisagem ao redor, sempre imaginei as duas obras como sendo a representação de dois namorados em um bosque, à beira de um lago. O homem parece estar a pescar, com invisível anzol, em concentrado exercício de paciência.

Quando eu vi o toldo da sombrinha, que é a parte mais delicada e bonita da escultura, ameaçando desabar ao sopro manso da viração, não pude deixar de ter um pensamento irônico. As duas obras parecem ser feitas de bronze, por causa da textura e da cor da tinta. Assim, pensei com meus botões: a mulher de bronze, sem a proteção do artefato, ficaria mais bronzeada ainda, com a incidência direta dos raios solares sobre a sua dura e sólida pele.

Lembrei-me de minha juventude, tão dourada quanto bisonha, até certo ponto. Aos dezenove anos, em Parnaíba, gostava de “pegar um bronze” na praia, como se dizia na época, achando que a minha epiderme ficaria mais bonita. E até ficava. Contudo, a insolação incomodava demasiadamente. Além disso, a suposta beleza logo desaparecia, com a pele se descascando, para o surgimento de nova epiderme.

Logo percebi que aquela beleza efêmera não compensava, tanto por causa desses incômodos imediatos, como por causa da possibilidade de prejuízos maiores no futuro. Já então se falava em câncer de pele e em outras mazelas. Hoje todos sabem que a tez envelhece precocemente, quando submetida a excessivos raios solares, sobretudo nos horários mais rigorosos. Ainda mais nos dias de agora, em que dizem que abriram um buraco na camada de ozônio, o que tornou a exposição ao sol mais devastadora.

Ora, raciocinei, minha pele não me fez nenhum mal, por que iria eu castigá-la de forma imprudente e gratuita? A partir dessa época, na praia, tenho preferido ficar à sombra. E na vida, em muitas coisas e circunstâncias, é preferível ficarmos à sombra suave da discrição. Pelo menos, não despertaremos a sanha e a fúria dos invejosos e perversos. Portanto, como a escultura do shopping, cuidemos em ter um bom guarda-sol.

Nenhum comentário:

Postar um comentário