4 de julho Diário Incontínuo
A SOMBRINHA DA MULHER DE BRONZE
Elmar Carvalho
No sábado, ao percorrer o acesso do shopping Riverside,
no sentindo de quem vai para a Praça de Alimentação, notei que a
sombrinha da escultura de uma mulher estava aparentemente com
defeito. A cobertura dessa peça oscilava à brisa, ameaçando cair a
qualquer momento. Reparei que o cabo do guarda-sol estava quase
rompido, perto de sua junção com o pequeno toldo protetor.
Ou, então, a peça fora feita propositadamente para
oscilar ao toque do vento, e eu é que, das outras vezes, não
atentara para essa circunstância. Ou, talvez, anteriormente não
houvesse vento, o que não é incomum em nossa capital, que a pudesse
fazer menear. De qualquer sorte, achei ser meu dever comunicar essa
ocorrência ao Paulo Nunes Almeida, um dos condôminos do centro
comercial, para os devidos fins, como se diz na linguagem dos
burocratas.
Na verdade, a escultura faz parte de um conjunto,
porquanto ao seu lado fica o seu companheiro, marido ou namorado. Ou
“namorido”, como se fala nos dias de hoje. Outrora, namorado era
apenas namorado, e amante era outra coisa. É um casal bastante feio,
caso as duas estátuas sejam avaliadas pelo padrão apenas
figurativo, com as suas cabeças estilizadas (alguns diriam
deformadas). Pela paisagem ao redor, sempre imaginei as duas obras
como sendo a representação de dois namorados em um bosque, à beira
de um lago. O homem parece estar a pescar, com invisível anzol, em
concentrado exercício de paciência.
Quando eu vi o toldo da sombrinha, que é a parte mais
delicada e bonita da escultura, ameaçando desabar ao sopro manso da
viração, não pude deixar de ter um pensamento irônico. As duas
obras parecem ser feitas de bronze, por causa da textura e da cor da
tinta. Assim, pensei com meus botões: a mulher de bronze, sem a
proteção do artefato, ficaria mais bronzeada ainda, com a
incidência direta dos raios solares sobre a sua dura e sólida pele.
Lembrei-me de minha juventude, tão dourada quanto
bisonha, até certo ponto. Aos dezenove anos, em Parnaíba, gostava
de “pegar um bronze” na praia, como se dizia na época, achando
que a minha epiderme ficaria mais bonita. E até ficava. Contudo, a
insolação incomodava demasiadamente. Além disso, a suposta beleza
logo desaparecia, com a pele se descascando, para o surgimento de
nova epiderme.
Logo percebi que aquela beleza efêmera não compensava,
tanto por causa desses incômodos imediatos, como por causa da
possibilidade de prejuízos maiores no futuro. Já então se falava
em câncer de pele e em outras mazelas. Hoje todos sabem que a tez
envelhece precocemente, quando submetida a excessivos raios solares,
sobretudo nos horários mais rigorosos. Ainda mais nos dias de agora,
em que dizem que abriram um buraco na camada de ozônio, o que tornou
a exposição ao sol mais devastadora.
Ora, raciocinei, minha pele não me fez nenhum mal, por
que iria eu castigá-la de forma imprudente e gratuita? A partir
dessa época, na praia, tenho preferido ficar à sombra. E na vida,
em muitas coisas e circunstâncias, é preferível ficarmos à sombra
suave da discrição. Pelo menos, não despertaremos a sanha e a
fúria dos invejosos e perversos. Portanto, como a escultura do
shopping, cuidemos em ter um bom guarda-sol.
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