Fonseca Neto
A
região sul do Maranhão antigo tinha como lugar-capital a hoje
cidade de Pastos Bons, cuja fundação não índia se deu há três
séculos e com famílias oriundas das capitanias coloniais da Bahia,
Pernambuco e Ceará. É a dilatação da formação social gadeira
que também explica o Piauí.
A partir
da sede do Julgado de Pastos Bons, os curraleiros da família Coelho,
vindos do médio São Francisco, multiplicar-se-iam por aqueles
sertões quase infindos, um céu aos olhos dos chegantes, não fossem
as desafiadoras armadilhas de sua natureza bravia e a justa
resistência de sua gente ancestral nativa.
Com essa
observação de sentido histórico geral, quero recordar um
importante acontecimento ocorrido neste domingo, dia 21, na cidade de
Passagem Franca, municipalidade tributária de Pastos Bons, e destino
de parte do seu coelhado: o centenário de Rosa Vasco de Sousa
Coelho, dona Rosinha Vasco. Ao que sabemos, a pessoa mais idosa de
nossa cidade, nascida a 21 de outubro de 1912.
Rosinha é
filha de Ana Gonçalves e Antonio Vasco de Sousa Coelho, o “Senhor
Vasco”, casal que, além dela, gerou os filhos Cândido, João
Enoque, João Batista, José (“Lô Vasco”), Felipe, Manoel,
Raimundo (“Senhor Vasco”), Emerenciana (“Merença”), Maria de
Lourdes, Maria (“Sidoca”) e Francisca (“Inhá”). Ana e
Antonio viveram e tiveram seus filhos no município de Passagem
Franca, sitiantes do “São Bento”, em meio aos senhorios
territoriais de suas famílias que ali se foram fundindo por
entrelaçamentos familiares-latifundiais, sobretudo com os Pereira de
Sá, Brandão, Moreira Lima, Araújo. Pais de Antonio e avós
paternos de Rosinha: dona Emerenciana de Sousa Lima e José Vasco de
Sousa Coelho, tenente-coronel e comandante da Guarda Nacional,
político de projeção, deputado provincial e deputado geral no RJ
no tempo do Império (12ª Legislatura, 1864-66).
As
gerações mais próximas conhecem Rosinha, e conheceram seus irmãos,
como descendentes de uma família ilustre que deteve o controle
consecutivo da administração municipal passagense, desde meados do
Oitocentos até os anos 1920, e, depois, com intermitência, por
netos e bisnetos, até 1970.
Desde a
década de 30, moradoras ao Largo da Matriz de São Sebastião, as
“irmãs Vasco” (Rosinha, Inhá, Lourdes e Merença) marcaram a
vida comunitária local pelos vínculos muito fortes com a igreja, na
condição de “zeladoras”, efetivas dirigentes das associações
do Sagrado Coração e da Associação de São José, assim
devotas“filhas de Maria”. Impossível imaginar um evento na
matriz – especialmente missas – sem a presença delas, sentadas à
primeira fila da bancada, com seus elegantes e almofadados
genuflexórios. Ainda quando somente partilhavam a Comunhão os que
estavam em rígido estado de jejum, lá iam elas – às vezessomente
elas – comungando, contritas, nas missas cotidianas das matinas (e
do campanário eu via, nesses dias, minha cidade despertando sob a
cor do mais belo arrebol que habita minha memória). Às vezes
retardavam um pouco e depois da missa iam à sacristia se justificar
dizendo ao padre que o atraso se devera ao fato de estarem a ouvir a
“Oração Por Um dia Feliz”, de d. Avelar Brandão, pela distante
Rádio Pioneira de Teresina.
Rosinha (e
assim dona Inhá) não teve matrimônio; essa circunstância
certamente facilitou sua dedicação à igreja e à sua mãe,
falecida com quase cem anos. Toalhas, guardanapos, panôs e alfaias
em geral do serviço litúrgico, eram regiamente tratados por essas
zeladoras. De igual maneira, os altares, nichos e sacras imagens,
sempre ornados com arranjos florais naturais ou artificiais de bom
gosto (aliás, nunca esquecerei, porque conferi muitas vezes, quanto
os olhos brilhantemente verdes, e o próprio rosto de dona Rosinha,
se parecem com um dos três anjos barrocos e seus olhos verde-azulados,esculpidos aos pés de uma secular imagem de NS da Conceição
existente na capela-mor).
Ótimo:
sábado, 20, por telefone, perguntei por ela ao padre Vicente, seu
amigo, e ele foi logo dizendo, com graça: “já comi hoje mesmo uma
coxa do capão dos 100 anos”. Coisas da Passagem. Coisas que
lembrar faz bem.
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