Fonseca Neto
Um dos mais cultos e didaticamente
apetrechados entre os já muitos professores que tive na vida.
Professor de Francês no ginásio,
primeira série, primeiro dia de aula, sete da manhã: chega em nossa
sala, e turma, toma uma barra de giz, desenha uma imagem no quadro e
pergunta o que significa e todos dizem que aquilo é “um chapéu”.
Deixa o suspense e então escreve:
Antoine de Saint-Exupéry – “Le Petit Prince”. Contou, a
seguir, a história de um francês, piloto-menino, e a narrativa que
criou e se transformou na obra literária mais conhecida depois dos
livros bíblicos de nossa tradição.
Assim ele começou o curso e,
traduzindo o prenome do autor e o título da obra, apresentou-se a
nós, dizendo que assim também se chamava,“Antonio”, e que ali
viera como nosso professor de Francês: Antonio Luiz de Macedo Costa.
Disse-nos que podíamos chamá-lo de Tony(assim a cidade de Colinas o
conhecia). Para nós, professor Tony Macedo. E nos cochichos uns com
os outros, a conversa de que ele, quase padre, deixara a batina para
se casar. Era o início do ano letivo de 1967.
As décadas passaram. Há poucos
dias, visitando ele Timon e Teresina, deixou-me uma preciosidade:
“Minha Vida de Padreco”, um livro-memória de seu tempo de
seminarista em Caxias e no Seminário da Prainha, no Ceará. Nele, um
mergulho narrado e muito significativo quanto às apreensões que
marcavam um candidato ao sacerdócio católico na década de 1950. Um
capítulo muito especial da história desse que é, em mais de século
e meio, no Brasil, um dos principais centros de formação de
padres.
Nessa “autobiografia do meu lado
seminarista”, Tony diz de sua história, desde Colinas, Maranhão,
cidade natal, até Fortaleza, onde o sobredito Seminário Maior. O
convívio familiar e a decisão de ser o segundo padre da família –
o irmão mais velho, José Manuel, já fora ordenado, e entrado no
paroquiato da própria Colinas. Narra o papel de dona Didé e os
bastidores de agruras e alegrias imensas de sua mãe oferecendo
padres à Igreja. E o abatimento em face da desistência de um deles.
O ambiente seminarístico do tempo,
por inteiro, vem referido, em curtos capítulos, em narrativas
prazerosas de ler, em cinco partes: “Visão histórica da carreira:
do ingresso ao abandono”; “Personagens, parceiros e
coadjuvantes”; “Episódios pitorescos do cotidiano
seminarístico”; “Um balanço – o que aprendi e o que
aproveitei no Seminário”; “Lembranças especiais”. Distinga-se
o que ele coloca sobre as bases e modos de como se dava a formação
intelectual, humanística e postural de um sacerdote, necessariamente
um esmerado leitor, na contemplação solitária imersa no silêncio
e nas públicas liturgias. Um exegeta, no cogitar em busca do
conhecimento de si, e da criatura humana, como instrumentos animados
e sujeitos da fé.
Tony dedica várias linhas à questão
do drama pessoal do adolescente e jovem seminarista ante o celibato –
afinal, um dos elementos a afastá-lo da experiência – e as
impulsões de passar dos namoricos ao namoro, propriamente. Lembra o
peso da batina preta vestindo um rapaz e a estranha atração
desconcertante que isso desencadeava entre as mulheres-meninas. Em
internatos de controles muito rígidos quanto às manifestações da
sexualidade, lembra as angústias dos seminaristas,
incompartilháveis, de amores platônicos e quase sempre destinadas
ao confessionário –sim, a recorrência ao “in manu alivium”,
“ex manus placere”.
A igreja perdeu um padre, mas a
formação densa que obteve em nove anos estudando para sê-lo, o
fizeram um pai, cidadão e educador de primeira qualidade. Na própria
Colinas, partilhou com o irmão José Manuel, padre, uma exuberante
experiência educacional – o Cinec, “novo sol no horizonte a
nascer”.Em São Luís, do Cema e TV Educativa. Casou-se com Idesina
Serra e Silva, de Timon, com quem tem cinco filhos: Sylvia Helena,
Tony Júnior, Ana Beatriz, Marcus Vinicius e Jorge Gustavo. Foi para
Minas, ali outro e belo horizonte em sua vida.Um mestre, na acepção
de outro Tony que conheço em Teresina. Bravo!
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