quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Hallan Silva redescobre o novo romance



M. Paulo Nunes


Na floração literária provocada no país pelo chamado romance de 30 ou de documentação social da vida brasileira, que tem frequentado amplamente estas páginas, houve forte repercussão no Piauí, como se verifica em autores como Fontes Ibiapina (Palha de Arroz, Brocotós), entre os mais velhos, William Palha Dias, explorando a temática do cangaço, com Papo Amarelo, e o ciclo da Maniçoba (Vila de Jurema), ou ainda Renato Castelo Branco, tematizando o ciclo da carnaúba com Teodoro Bicanca, para referir apenas os que já se encontram do outro lado do mistério, como dizia o bruxo do Cosme Velho.

Hallan Silva segue a última temática, ao focalizá-la em sua obra recente, Pedra Negra, ao fixar a ação de seu novo romance, em sua terra natal, Campo Maior, a chamada “terra dos carnaubais”.

Mas não se trata de um romance “à clef”, como aqueles de que falamos, porquanto sua contribuição avança um pouco mais, no sentido de recriar uma nova forma romanesca que depende muito pouco da técnica do romance de 30, porquanto muito mais vinculada aos autores que lidam com o novo processo novelesco inspirado no neo-realismo mágico ou hispano-americano. Este, a partir de 1962, inspirou autores como o mexicano Juan Rulfo, com Pedro Páramo, Júlio Cortazar (Os Prêmios) e, “last but not least”, Gabriel Garcia Marquez, com Cem Anos de Solidão, O Amor nos Tempos do Cólera, e Mário Vargas Llosa (Corversación en la Catedral,Tia Júlia e o Escrivinhador,A Festa do Bode) e, por último, este fantástico O Sonho do Celta, vigorosa denúncia do genocídio belga, no Congo, e os estragos produzidos por brasileiros e peruanos, na Amazônia, sob o guante  do imperialismo inglês e norte-americano, naquela região, de que resultou, em nosso território, a saga da construção da estrada de ferro Madeira-Mamoré, a famosa “ferrovia do diabo”, tematizada pelo escritor Márcio Sousa, em seus corajosos romances-denúncia  Mad-Maria, enfocando aquela ferrovia, e Galvez – Imperador do Acre, sobre aquele disputado território, finalmente incorporado ao nosso país,  mediante as artes do Barão do Rio Branco, com o Tratado de Petrópolis, de 1903.

Em relação a Vargas Llosa, a concessão do Nobel de Literatura – 1911, pouco veio a acrescentar à sua glória literária que ora atinge a culminância de sua carreira, com a publicação deste seu último romance.

Hallan vai assim abrindo novos rumos para a nossa romancística, diferenciando-se progressivamente, quanto à técnica literária, dos demais cultores do gênero.

Ao lado de personagens reais como o Cel. Clemente, aparecem outros de sua invenção, todos eles partícipes da vida dramática da cidade e de nosso Estado, como o Major Honório, Gerusa, o Pe. Hermínio, perturbado com a falta de fé, aliada ao drama de Mocinha, que já apresenta os primeiros sinais da gravidez, o que sobremodo inquieta o sacerdote, os quais se movimentam na trama do romance de Hallan, com uma nota viva de grandeza ou degradação humana, e como pano de fundo, ergue-se a paisagem dos casarões estuantes de lembranças de uma comunidade que ali se eterniza como retrato vivo de uma época das mais importantes da nossa história social, fadada ao desaparecimento.

O escritor Hallan Silva soube assim retratar tão bem o nosso passado, deixando gravadas em suas pedras e em suas formas de vida uma nota viva daquela dramática realidade, em sua expressão romanesca.

A Ação novelesca do romance se biparte ou triparte em várias faces ou planos, abolida a noção do tempo cronológico, como ocorre na romancística tradicional, em favor da noção de tempo interior ou psicológico, convertida a memória seletiva, a serviço do criador ou demiurgo, em favor da memória involuntária, como ocorre em Marcel Proust, em sua famosa obra Em busca do tempo perdido, o maior romance de todos os tempos, inspirador do romance moderno.

Parabéns ao Hallan pela nova experiência literária, após tão bem realizar-se no ensaio, na crítica literária e no conto, com As formas incompletas: Apontamentos para uma biografia, estudo magistral sobre o nosso excelso poeta H. Dobal (2010); Representação e identidade do Vaqueiro, no cinema novo (2010); o livro de contos Cambacica (2011), e agora nos premia com este primoroso romance, com que vem enriquecer a nossa literatura, abrindo novos  espaços ao novo romance piauiense.

Fonte: portal da Academia Piauiense de Letras

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