11
de abril Diário Incontínuo
O
LADRÃO E A LUA CHEIA
Contou-me
um amigo, faz poucos dias, uma história digna de nota. Disse-me ele,
homem de aproximadamente 65 anos de idade, que, em sua juventude,
voltando sozinho de uma festa, viu um homem, com os braços cruzados
sobre o tórax, com as pernas entreabertas, a olhar fixamente para a
lua cheia, como se estivesse embebido e embevecido pela beleza do
luar, ou imerso em profundas meditações. O fato se passou no centro
comercial e histórico de então pacata cidade interiorana.
O
meu amigo não conhecia o estranho personagem. Receou fosse ele um
malfeitor – assassino ou ladrão. De repente, o desconhecido
começou a correr pela calçada deserta, naquela remota madrugada.
Meu amigo também correu, com o objetivo de, ao chegar na
primeira esquina, tomar rumo diverso do escolhido pela esquisita
figura. Porém, quando chegou ao cruzamento, misteriosamente o homem
sumira. Não havia a menor possibilidade de ele ter alcançado a
esquina seguinte, porquanto era curta a distância que os separava.
Olhou
para todos os lados minunciosamente, mas não mais o viu. Contudo,
quando olhou para o ponto em que antes ele estivera, a contemplar o
plenilúnio, o viu novamente, do mesmo jeito que antes: pernas
entreabertas, braços cruzados, com o rosto voltado para o nosso
satélite. Sem conseguir entender direito o que de fato acontecera,
ou seja, como ele conseguira voltar ao local anterior, de forma
imperceptível, seguiu para sua casa, que ficava a poucos
quarteirões.
Tempos
mais tarde, viu esse homem em determinado local da urbe. Disseram-lhe
ser o mais afamado larápio da comunidade. Tomou conhecimento de
algumas façanhas dele. Contaram-lhe que esse gatuno, que não
cometia violências nem arrombamentos, mas apenas praticava furtos
sutis, por vezes engenhosos ou que lhe requeriam muita habilidade,
nos quais subtraía coisas de pouco valor comercial, se gabava de
saber uma reza forte, com a qual conseguia se ocultar como por
encanto, mormente de policiais.
Não
sei não, mas acredito que esse larápio, além de mestre em sua arte
de surrupiar coisas alheias, fosse também um poeta ou seresteiro.
Poeta, seria certamente um simbolista, a urdir versos evanescentes,
etéreos, cheios de imagens e de sugestões, refertos de vaguidade e
de brancuras de luares e neblina, tendo por tema maceradas monjas,
frígidas virgens ou mesmo lunáticos perdidos em incorrespondidas
paixões. Seresteiro, talvez fosse um trovador como Altemar Dutra, a
cantar e a compor melodiosas canções, com letras refertas de
ardentes amores.
Oxalá
não fosse um filósofo, a meditar sobre o assombro do cosmo, sobre o
sentido da vida, sobre o tudo e o nada, ou sobre a razão primeira do
existir. De qualquer modo, a sua postura, naquela alta e silenciosa
madrugada, não era a de um homem vulgar. Um homem comum não
perderia tempo em se manter estático, absorto na simples
contemplação da beleza lunar. O alumbramento com que ele admirava a
lua cheia era realmente a de um poeta, e poeta simbolista; de um
seresteiro, e seresteiro vítima de arrebatadora paixão; de um
filósofo, e filósofo de altas perquirições metafísicas.
Ou
talvez fosse um cosmólogo, com o pensamento a vasculhar as vastidões
do espaço sideral. Ou seria simplesmente um prosaico lobisomem,
aguardando apenas o momento da transformação, quando sairia a
correr, com as garras afiadas, orelhas pontudas e enormes, dentuça
arreganhada, em desatinada pressa, até encontrar o seu espojeiro,
onde ficaria a rolar e a escaramuçar como todo bom e legítimo
licantropo?
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