segunda-feira, 17 de junho de 2013

Adeus, poeta Jurandir Bezerra!


Cunha e Silva Filho

Novamente o telefone toca em minha casa. Meu filho Alexandre atende. Alguém do outro lado da linha, lhe passa um recado: “O poeta Jurandir Bezerra, natural do Pará, faleceu ontem, dia 29  de maio, aos oitenta e cinco anos.” Jurandir nasceu em 13 de março de 1928.

Sinto-me abalado, sem rumo, amargurado. Nossa cultura ocidental não se alegra com os mortos, como o fazem algumas culturas orientais.O que poderemos fazer senão chorar no silêncio de nossa dor profunda, incomensurável.

Não foi um falecimento de um desconhecido que nunca vimos nem com quem nunca tivemos qualquer contato pessoal. Foi a morte de um poeta, um grande poeta não só paraense, mas brasileiro.

Jurandir só teve um livro editado, com este título que parece vir dos eleitos de Deus, de um lugar encantado onde só a pureza tem seu assento.: Os limites do pássaro (Belém: Editora CEJUP, 67 p.,1993), com orelhas de Leonam Cruz e introdução de Fagundes de Menezes.
Esta obra foi lançada na VI Bienal Internacional do Livro, Rio de Janeiro (1993) e na II Feira do Livro do Pará, em novembro (1993). Os limites do pássaro, ainda na condição de inédito, recebeu 3 prêmios nacionais: “Prêmio Guararapes”, da União Brasileira de Escritores, Rio de Janeiro como o melhor livro inédito de autor inédito em livro(1986), Comissão Julgadora: Fagundes de Menezes, Stella Leonardos e Reynaldo Valinho; 2º lugar do “Prêmio Carlos Drummond de Andrade (1991, Conselho Estadual de Cultura, Rio de Janeiro; 2º lugar no Concurso Nacional de Poesia Ruth Scott, do Sindicato dos Escritores do Estado do Rio de Janeiro(1993).

Muito bem recebido pela crítica, não só em Belém, mas também no Rio de Janeiro. Recebeu elogios de Antonio Olinto (1919-2009) do crítico Antonio Carlos Secchim, ambos membros da Academia Brasileira de Letras.

Algumas de suas poesias foram premiadas em concurso nacional e nternacional, como o da Revista “Leitura”, Rio de Janeiro(1957) ainda quando residia em Belém; “Pastorela, quase cantiga”, 3º lugar entre 486 candidatos, tendo na comissão julgadora nomes do quilate intelectual de Carlos Drummond de Andrade, Adonias Filho e Antônio Olinto; 2º lugar, entre centenas de candidatos, no I Concurso Nacional de Poesia de Uberlândia, Minas Gerais, com o poema”Criação do Mito”(1984); 2º lugar em Concurso Nacional da Hebraica, Rio de Janeiro, com o poema “A espuma” (1991); menção honrosa, entre 1.047 inscritos, n o VII Concurso Nacional de Poesia Aríete Vilela (2000), do jornal Letras Literárias, Maceió, Alagoas, com os poemas “Plenitude”, “Noturno”, “Poesia quase de solidão”; em 2005, em concurso internacional, na Itália (Premio letterario “Il Molinello”) teve escolhida seu poema “Infância”. Alem disso, 3 poemas seus foram selecionados e publicados em “Poesia Sepre, da Fundação Biblioteca Nacional (2002). Com o seu poema “infância” participou de uma antologia de Rapolao Terem, província de Siena, Itália.

Juradir Bezerra teve alguns poemas traduzidos para o inglês por Cunha e Silva Filho e Yacilton Almeida, e para o italiano pelos professores Guido Alberto Bonomini e Marines Lima Cardoso.

Precoce, Jurandir Bezerra ingressou na Academia Paraense de Letras aos 18 anos.Pertenceu a uma geração de grandes intelectuais paraenses, muitos dos quais alcançaram renome nacional, como Benedito Nunes, Max Martins, Haroldo Maranhão e tantos outros que, junto com ele, e tendo Jurandir apenas 14 anos, fundaram a Academia dos Novos.

Jurandir Bezerra foi ainda professor de português, jornalista e exerceu atividades sindicais na área do jornalismo, como delegado por várias vezes de Congressos Nacionais de Jornalistas representando o estado do Pará. Alem disso, foi funcionário público federal do Ministério da Saúde atingindo altas funções na área administrativa

O poeta deixou inéditos 8 livros de poesia: As águas de Mara , que recebeu menção honrosa no citado Concurso do Sindicato dos Escritores do Estado do Rio de Janeiro; A lâmina convexa, menção especial do Prêmio Ribeiro Couto, da União Brasileira de Escritores, Rio de Janeiro (1997); Configurações, Superfície, O Rio de minha Aldeia ( em conclusão); O signo convexo (em elaboração), Sombra submersa, recordações da Amazônia (em elaboração); O verbo não conjugado, uma antologia de poemas dos livros supracitados.

Jurandir era muito criterioso com a sua poesia e, por isso, me falou que havia feito consideráveis modificações na ordem da antologia O verbo não conjugado, retirando e colocando poemas, além de refundir mesmo partes da estrutura de alguns poemas. Não lhe pude acompanhar os últimos tempos de sua existência a fim de saber como tinha ficado o livro a ser editado pela Litteris Editora.. A demora desta publicação levará, deste modo, a um lançamento póstumo, infelizmente.

Após esses dados biobibliográficos, me permita o leitor algumas palavras de amigo do poeta para finalizar esta coluna de saudade. Não posso deixar de fazer referência a uma circunstância que me levou a conhecer Jurandir Bezerra. Foi através de um dos filhos do poeta, o Walter Ivan, hoje advogado e professor, que vim a conhecer o grande poeta. Meu filho sempre me falava que o pai de um amigo dele era poeta. Nunca atinava que esse poeta fosse de tão alto nível. e um poeta premiado. Jurandir residia no subúrbio do Rio de Janeiro, no conhecido bairro da Vila da Penha, bairro onde morei também durante muito temo. Daí o contato e conseqüente aproximação.Eu, porém, nunca fui apresentado a ele, nem por meu filho, nem pelo Walter. Quando fazia o meu mestrado, um dia, saindo da Faculdade de Letras da UFRJ, no campus do Fundão. em direção ao ponto de ônibus, vi um senhor de estatura mediana, franzinho, de cor clara e já calvo, mas ainda cheio de saúde. Suas feições me lembravam as do poeta Drummond. Sempre bem vestido, usando camisa de mangas compridas por dentro da calça, mas com os punhos fechados, isso lhe dava um ar de refinamento, de aristocracia de gestos mas ao mesmo tempo de um finura, de uma delicadeza que me surpreendia ainda poder ver em alguém. Já disse para muita gente que Jurandir foi a pessoa mais educada que conheci nesta vida. Jurandir tinha ido assistir a um Congresso ou a uma palestra na Faculdade.

Não sei por que, um de nós falou alguma coisa e daí se encetou uma breve conversa que o levou a me dizer das razões de sua ida à Faculdade. Com o continuar da conversa, e com a troca de dados pessoais que nos demos, viemos a ser que os nossos filhos, o Francisco Neto e o filho dele, o Walter, eram amigos e colegas, estudantes de Direito da Faculdade Nacional de Direito da UFRJ. Foi esse o início de nossa grande amizade, que data do início dos anos de 1990. A amizade se estreitou e durou até esta data de seu falecimento.

Nossa amizade não se fez com muita frequência na casa de um ou de outro. Sempre que havia alguma data comemorando aniversário meu, o casal Bezerra lá estava no playground do meu prédio. Trazia-me sempre um presente, que, com o passar do tempo, eu já sabia qual era: uma obra de poesia, e sempre de grande poesia: Cristal, de Paul Celan, Um Escrito sobre Jade, poesia clássica chinesa reimaginada por Haroldo de Campos, uma coletânea composta de de quatro volumes respectivamente de poesia catalã, galega, espanhola, e basca traduzidas e organizadas por Fábio Aristimunha, Vargas.

Era assim Jurandir, um amigo onde a poesia estava sempre presente, seja pelos presentes de livros que me deu com lindas dedicatórias, seja pelas nossas conversas sobre o tema central de sua vida, a poesia, seja pelas nossas conversas pelo telefone, na maior parte falando sobre poesia, autores, temas ligados à técnica poética, ` criação literária, aos planos dele com respeito à sua produção e publicação, aos seus poetas preferidos, Cecília Meireles, Carlos Drummond, Manuel Bandeira, entre outros, à sua mudança de jovem poeta provinciano ainda preso ao cânone tradicional da poesia metrificada e rimada para a sua adesão consciente e progressiva às formas livres da poesia brasileira, do Modernismo até à contemporaneidade, à  sua admiração por poetas como Saint—John Perse (1887-1975) Paul Celan (1920-1970), Trakl (1887-1914) Mário Faustino (1930-1962, ) que conheceu em Belém e com quem falou algumas vezes, o  crítico e ensaísta Benedito Nunes, já faleicdo,   o  seu conterrâneo poeta, para ele, um dos maiores do Pará, Max Nunes,   também  falecido. Além disso, Jurandir Bezerra tinha profundo interesse por tudo que se relacionava com a teoria poética, com a crítica literária, com o ensaio.  Lia sempre e continuamente poesia, combinada com ficção e ensaios, com traduções de poesia do que de melhor  fez  a humanidade. Era muito seletivo nas suas leituras e, nos últimos tempos, me falava que a poesia, a grande poesia, está impregnada de musicalidade, de ritmos e sonoridades.

Sua poesia era formal, hermética, ambígua, quase inabordável. Fora este, segundo ele, o caminho por que enveredou na sua composição poética influenciada pelos grandes poemas universais da modernidade.A confissão a frustração, os problemas pessoais, quando transmudados em poesia, são figurados sobremodo pela metaforização, pela opacidade. O poeta, assim, se esconde do confessional, da poesia realista, mimética. Seu caminho deve ser o da imagem, do símbolo, do mito, da formalização de estofo estético, daí o hermetismo e a sensação ao mesmo tempo da fruição do poema pelo poema em si e pelo que ele desperta no leitor tantas realidades imaginadas, imaginárias, inconscientes, subconscientes, em que os sentidos procurados escapam das vistas do leitor e se ocultam numa concha onde poderia estar tanto o mistério da poesia quanto o significado da vida e do universo.

Dá-me a sua poesia a sensação, guardadas as proporções de diferenças e de estilos literários, da evanescência dos simbolistas, do sofrimento oculto, das dores sufocadas mas sempre presentes e de um vigoroso por vezes sensualismo também mascarado pelo formalismo esteticista de aristocraticante elaboração dos versos e por um imagismo multifacetado quer da natureza física, quer de natureza humana, do corpo, da beleza feminina , do sentimento cristão, da cadência bíblica de alguns poemas evidentes pela sua formação católica, mas sem exageros eclesiais.Poesia “mentada”, reflexiva, trabalhada com a pertinácia de cada vez mais exprimir-se pelas indefinições, pelos ocultamentos e admirável discrição no trato dos temas e dos recursos poéticos de que  lançou mão com a avidez do conhecimento técnico necessário e contínuo no seu ofício de poeta. Julgo, por fim, que a poesia de Jurandir Bezerra bem se poderia alinhar àquela forma de construção artística contemporânea que se realiza não contra a história, a vida social, mas se configura e se forma desse veio poético voltado mais para o conteúdo material e formal da linguagem (Terry Eagleton) que é o próprio ato poético como tema mais caro de transmitir sentidos.

Para terminar este depoimento no momento em que seu corpo desce à sepultura, no Cemitério de Irajá, no Rio de Janeiro, quero registrar ao leitor este pequeno poema, “Encantamento” (p.32) que se encontra na contracapa do seu livro Os limites do Pássaro:

ENCANTAMENTO

Os pássaros entenderam
Tua mensagem
como pássaros.
E vieram dizer-me que eras sempre.
Abri os olhos como se houvesse
noite e não destroços.
Já não estavas mais
nem andorinha
nem relva
nem pedra (preciosa).
Havias amanhecido.


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