Fonseca
Neto
Quem
suja a cidade? Seus moradores. Motivo? Compulsão ainda não refreada
pelos deveres do viver coletivo.
Não
é de hoje que as cidades buscam ordenar tal questão, muito agravada
com o adensamento do fenômeno urbano dos últimos séculos.
Ilustremos
com esta notícia multimilenar: Roma, cabeça de Império, definia,
já, políticas para manejar o lixo produzido em sua cotidianidade.
Menciona-se a “cloaca” romana e os lugares “baldios” do
destino de suas efluências. “Cloaca” é uma derivação de verbo
grego; purgo. Lembra-nos R. Bluteau (1712) que cloaca, “antigamente,
em Roma, era o grande, e público receptáculo das imundícias da
Cidade, o qual dividido em três canos, as descarregava no Rio Tybre,
perto da ponte dos Senadores”. Acrescenta o grande lexicógrafo:
“Tarquínio Prisco (morto em 579, a.C), foi o inventor dessa obra,
com tão curiosa arquitetura, que para a executar foi preciso abrir
montes [e] pelo espaço de setecentos anos não recebeu dano algum da
continuação daqueles fétidos enxurros”. E faz esta oportuna
observação: “Não servia de coisa alguma fazerem na dita Cidade
semelhantes Cloacas” – “cano de limpeza”, no dizer do pai da
Arquitetura ocidental, Marcus Vitruvius, no século I, a.n.e.
A
citação é para realçar o exemplo muito antigo que envolve o lixo
como desafio às administrações públicas das cidades e também
assinalar a ironia na comparação da Roma tarquínia com a capital
potira e piauiense de hoje, igualmente lançando dejetos em rio podre
que corre no solado dos pés das casas parlamentares, isto é, dos
seus “senadores” municipais e estaduais.
Os
teresinenses têm muito pouco apreço aos espaços comuns de
circulação: praças, ruas, calçadas, adros, parques; escolas
públicas e seus equipamentos adjacentes; estádios; os próprios
rios; lagoas. São espaços condenados à depredação. E só a muito
custo mantidos limpos e íntegros. Costuma-se dizer que é o atraso
cultural da população. Seja o que for, a falta de respeito com os
lugares do viver comum, tem na sujeira da cidade um exemplo
deplorável.
São
muitas as maneiras de como os moradores emporcalham a cidade: papel
de bombom atirado a esmo, aos milhões; nuvens de fumaça da frota
automotiva; carniças fedentas lançadas ao relvado da Marechal
Castelo; placões autidóricos roubando o que sobraria de paisagem
para se ver; monturos orgânicos, inorgânicos; cusparadas e escarros
abundantes, até de janelas dos carros; esgotos larvosos correndo aos
pés das calçadas; horríveis estruturas da fiação roçando
beirais; sucatas de tudo se derramando de calçadas; poluição das
zoeiras incontidas ensurdecendo uma geração inteira. Dizem que tem
bocões de cloacas saindo de shoppings e da cidade vertical rumo aos
rios, com tanta podridão, que já nutriria uma raça nova de ratões.
Há
uma percepção e atitude de muitos que fazem da rua o espaço
degradado e de despejo dos rejeitos da vida privada, cujos lugares
seriam assépticos e bem amados. Já vimos gente reiterando a
estupidez e dizendo que suja, mesmo, “porque tem a prefeitura para
limpar...”. E por falar nisso, cumpre esse órgão administrativo
as suas atribuições nesse campo? Pode-se dizer que corre atrás,
literalmente: um aparato seu à frente, desentulhando, e outro,
esculachado e sujismundo, atrás, sujando de novo, ferindo as
posturas.
Na
China, cuspir em via pública dá multa pesada; baganas acesas, ou
não, em muitos lugares, dá cadeia, assim, sujar um rio, lago,
pichar obras de arte, ferir as árvores de parques e passeios
públicos. Alenta-nos o ativismo de um vereador para limpar as
paisagens da cidade: postes, pontes, troncos de árvores –estão
pichando o caule amarelado dos pés de “angico branco”. No Natal
passado, sujaram oficialmente pilastra da Ponte Mestre João com
anúncio de bebida que vicia –e felizmente a prefeitura, gestão
nova, já mandou limpar. Mas há muita feiura no aparentemente
desregrado anuncismo, sobretudo nas avenidas e ruas principais.
Abominável o enxurro especulador dos bagrões quanto o escarro
geral.
Um
Brasil mais consumista tá implicando mais lixo. Consumo é bom mas é
barra. E não se faz, por mero decreto, alguém se tornar repúblico.
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