quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Genocídio à vista: o caso do Egito


Cunha e Silva Filho

Não foram os  parentes e amigos das vítimas de soldados assassinos do regime  golpista instalado no Egito as únicas testemunhas  do massacre sem dó nem piedade contra seguidores  da Irmandade Muçulmana  à qual pertence o ex-presidente Mohammed Mursi, que, agora, se encontra  preso e incomunicável.   Testemunhas foram  todos os que, pelas diferentes mídias,  puderam, consternados,   ter notícias da  truculência e ferocidade das armas contra   civis, em geral,   desarmados. É fácil, é muito fácil   metralhar  quem não pode se defender  do fogo das armas genocidas.
Os partidários   da Irmandade, revoltados com  a queda  do  Presidente eleito  pelo  povo, reagiram  em  maciças  manifestações   de protestos contra  o  Exército e o novo governo  golpista   tendo como  presidente interino, Adly Mansur. O premiê interino, Hazem al-Blebawi,  já está  pedindo  a dissolução daquela irmandade que,  se for efetivada, passaria à clandestinidade. Tal  ação  só  tornará mais   acirrada  a hostilidade dos  partidários  da organização  islamita, que a obrigaria,  por força das circunstância,  até à prática do terrorismo e, quem, sabe,  a uma  nova  guerra civil  entre  os compatriotas   egípcios.
Não  se  pode  negar que  o  presidente Mursi andou  tomando  decisões  duras que não agradaram   o lado  laico   da população, inclusive  com  mudanças    que não constavam  nos seus  pronunciamentos de candidato  ao governo do país.
Bastou isso para que  se lhe fizessem   também  manifestações  de desagrado contra as medidas  por ele tomadas. Entretanto,  não se  pode igualmente  que um massacre das proporções  do que aconteceu agora em Cairo, com, no mínimo,  638 pessoas mortas, na quarta-feira passada, chamada de “Dia da Fúria")   pelo Exército, num ataque  covarde  de verdadeiro atentado  genocida,  seja   aceito sem   o repúdio   veemente  de todos os países e dos  organismos   responsáveis  por crimes  hediondos praticados   por ordem  de governos   de qualquer   regime.
Mursi ainda deu sinais de que  recuaria  implantar  algumas  medidas  impopulares, mas  o  caldo  já  estava entornado e os militares,  diante  do clima tenso  reinante no país,    resolveram  tomar posse pelo golpe.  Ora,  os dois  lados  andaram   errando e o resultado   foi que os muçulmanos decidiram   realizar   grandes  manifestações  contra os militares   exigindo   que devolvessem o poder  ao presidente eleito democraticamente.
Tenho  informações, através  da Folha de São Paulo,  de que os  líderes  mais influentes  da Irmandade  Muçulmana já se  refugiaram em algum  lugar ou mesmo  em  outro  país. Enquanto isso, mais  143   islamitas  foram assassinados   na sexta-feira passada,  O que  causa  espécie  é que  da parte do governo   golpista    a irmandade já está sendo chamada de  terrorista, o que  é um  contrassenso de inversão  de valores e de perspectivas. É esta sempre a versão   dos usurpadores do poder: classificar  os que se lhes opõem  como  terroristas  inimigos do povo.
Assim como  o   inferno em que se transformou a  Síria de Bashar Al-Assad, em nível menor, o Iraque,  o Paquistão,  o Egito    poderá ser mais um pais  árabe  a viver  o pavor da selvageria. Será que  esses países  não terão nunca  um   período  de  paz e seus habitantes estarão fadados  à insânia  das rivalidades  ideológicas e religiosas?  
Atualmente,  na   mesquita de  Fatah,  encontram-se acuados  alguns islamitas  “cercados  pela  Polícia e  pelas Forças Armadas” (Folha de São Paulo Mundo, 18/-08/2013).
Segundo  o articulista  internacional, Clóvis Rossi, da Folha de São Paulo, “.. não haverá  democracia nem no Egito nem nos demais países   de maioria muçulmana” caso os “setores laicos e os liberais,” responsáveis pela revolta que  derrubou a ditadura  de Hosni Mubarak não incluirem o islamismo como  componente da  política  no Egito. Neste argumento   é acompanhado  pela professora    Luz Gomez García,  que leciona   Estudos  Árabes na Universidade Autônoma de Madrid e  pela visão sobre  o assunto da revista  The Economist, na opinião de  Clóvis Rossi,  insuspeita, por sua linha  liberal e sua  ausência de  simpatia por movimentos como  a Irmandade  Muçulmana.
Se países, no passado e no presente,  ainda  praticam  ações  genocidas, ao arrepio das leis  internacional de proteção  e segurança  da vida humana,  já é hora de repensar  a funcionalidade   de organismos como a ONU com o seu  Conselho de Segurança. Se vivemos  num  mundo cada  vez mais  globalizado por vários canais   de comunicação  e de   relações culturais e  econômicas, seria a vez  de se  pensar  na formação  de organismos   isentos, autônomos, de nível internacional para cuidarem  de conflitos  que  atingem  as proporções  de crimes de guerra,  de massacres em massa cometidos  por  países  que não têm o mínimo  de respeito  aos direitos humanos,  ao direito, em fim, de viver em liberdade num contexto democrático sadio  e amante  da paz entre todos os povos.
Organismos  tutelados não servem mais nem  nunca serviram  inteiramente aos interesses pacíficos  da normalidade  da vida   em sociedade, agora,  uma sociedade   planetária nas suas  múltiplas  relações   internacionais. É factível isso? Creio que sim. Só depende  de negociações  sérias  e desinteressadas  entre  países, da vontade concreta  dos governos que estejam   prontos  à cooperação, sobretudo   a que visa á paz duradoura, se é  que   está acima de nós humanos  chamarmos de paz definitiva. “Nada é definitivo, nada é para sempre,” certa vez  me corrigiu  uma dentista  quando lhe  perguntei   pela  duração  ou certeza  de alguma coisa  relacionada à sua profissão.

Já   se está falando  por algum tempo  em  “princípio  da jurisdição  universal,”  não sei se só aplicado  a crimes  de militares. Mas, é um bom começo  e deveria ser aperfeiçoado e posto  logo em prática. Responsabilizar  líderes militares ou ditadores  civis ou militares, enfim,  qualquer  governante   de  índole autocrática   que possa ser  punido  em tribunais  internacionais sem apelos a brechas  da Justiça seria uma advertência  a futuros  violadores  dos diretos humanos  e a  genocidas  em  potencial. Governos discricionários, em qualquer parte do  globo,  pensariam duas vezes por seus atos  de carnificina  se  soubessem que   uma espécie de advocacia  efetiva, independente  e  respaldada por  Penalidades   Internacionais lhes custariam     a perda da liberdade, servindo  tal  procedimento  legal como  força  dissuasória  de ações  de crimes hediondos contra a Humanidade.   

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