José
Maria Vasconcelos
Agosto,
desgosto, agouros, superstições. Teresina, habituada a violências
no trânsito, assaltos e homicídios, pranteou mais que de costume.
Perguntava por que sacerdote de notórias virtudes, jovem,
popularidade em alta, automutilara-se.
A
imprensa costuma comedir-se nas informações sobre esse tipo de
fatalidade, para não estimular reações insanas na opinião
pública. Bem que a mídia exercitasse, também, semelhante prudência
ao abordar, exaustivamente, crimes contra a vida, a família, ao
pudor, em novelas, filmes e jornalismo policialesco.
Não
me interessam fatos que envolveram a autoimolação do sacerdote. O
que me angustia é a pergunta existencial, por quê? Por que um
homem, experimentado na fé, desespera-se diante de Deus do
impossível? Caim, atormentado pelo assassinato contra o irmão,
Abel, fugiu à presença de Deus, que lhe jurou toda proteção,
embora o crime praticado (Gênesis, 4). Apóstolo Pedro, falastrão,
teimoso, covarde, envergonhado pelo gesto de traição, “chorou
amargamente”, arrependido, evitou o suicídio, foi regenerado pelo
batismo no Pentecostes, tornou-se líder da Igreja de Cristo. O
companheiro Judas, tesoureiro desonesto (João, 12), ambicioso e
traidor, desesperado, optou pela automutilação. Será que Jesus se
compadeceu de Pedro e rejeitou Judas? Uma vez, o Mestre ameaçara a
Pedro: “Retira-te de mim, satanás. Tu és um escândalo!”(Mateus,
16). Durante a Ceia, previu a fatalidade de Judas: “Um de vós há
de me trair... Melhor nem tivesse nascido!” (Marcos, 14). Durante
séculos, esta última frase de Cristo, perversamente mal
interpretada, serviu de anátema aos que tentassem eliminar a própria
vida. Negavam cerimônia fúnebre e sepultamento em cemitério
cristão aos suicidas.
A
suprema misericórdia de Jesus nos ensina a não julgar qualquer
pecado do próximo: “Pai, perdoai-lhes, porque não sabem o que
fazem!” (Lucas, 23). Não sabem por quê? Hoje, a ciência consegue
decifrar mistérios da mente.
Questões
culturais, psicológicas e religiosas levam milhões de pessoas a
automutilarem, anualmente. Fanáticos membros da Igreja Peoples
Temple, do pastor Jim Jones, cometeram suicídio coletivo (918), em
1978, na crença de um prêmio celestial. Suicídio é a décima
causa de morte entre jovens no mundo. Em países onde se exige regime
educacional extremamente competitivo, como no Japão, estudantes se
isolam da família e de prazeres sadios, desolados, em consequência
de estresse e perda de pontos na avaliação escolar e pela cobrança
dos pais. Orientais, ao contrário dos ocidentais, exacerbam a
valorização do espírito em detrimento do corpo, utilizando leis
terríveis de mutilação e pena de morte, missões suicidas de
kamikazes, autoimolação como fórmula de protesto ou prêmio
celestial. A educação cristã medieval, baseada em perigosas
interpretações bíblicas e autoritarismo herdado do império
romano, causou muitos danos à sociedade, por utilizar princípios de
santificação e perdão com pena de morte, tortura e penitências
extremas. Até a higiene corporal era condenada, por servir de motivo
ao pecado. A escravidão negra pagou caro, com açoites e suplícios,
pela cor e origem pagã.
Drogas,
esquizofrenia, alcoolismo, transtorno bipolar, em geral, são
resultado de conflitos familiares, consciência perturbada por
condutas criminosas, carência afetiva, reclusão social. Após
glória passageira deste mundo, celebridades consumiram drogas, à
exaustão, isoladas e desoladas. Em vez do prazeroso retiro com Deus
e a família, da sublimação do silêncio, da caridade para com o
próximo, certas celebridades recolhem-se no casulo da metamorfose
doentia e mortal.
O
exercício racional da fé e da sublimação da vida gera saúde
mental e física. Pode vir agosto, mais desgosto. A casa está
fechada e inviolável aos agouros e presságios.
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