quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Fim de Ano


Cunha e Silva Filho

            Volto  à minha coluna.  Ah, quanta  água  não  correu  entre a ausência  da escrita  dirigida  a quem  tem alguma  estima  pelo que  digo, comento,  reclamo  e  me indigno e este  texto de  hoje!Estar  ausente  no espaço  da coluna me deixa  triste  e pesado, sem  falar  num  estado   de angústia , de carência,  de algo  que,  indefinido,  me está faltando como  alento  de viver,  de  poder   respirar  e sentir  que  estou   ainda  com a lucidez do  filósofo  René Descartes (1596-1650):  “Penso, logo  existo,” e ainda com  o sentimento  de  que  me omiti,  de que me calei  ou até  de que  fui cúmplice. Escrever, o mais quanto  seja  possível de nossas energias,  me leva a esta  conclusão:  é algo que  me dá  a certeza de que  estou sendo   útil a alguém  ou a alguma coisa. Escrever  é dar   forma  aos sentimentos,  ideias  e pensamentos. É quase  fisiológico, um ato  que do viver se torna   uma rotina  doce  de executar, ainda  que concorde  com  Raquel de Queiroz(1910-2003) naquele  ponto  em que ela  declara  ser desgastante   escrever, que eu  entendo como   algo   equivalente  a  afirmar  ser  difícil  escrever.   
           O crítico  Álvaro Lins (1912-1970) sempre  deu a maior atenção ao estilo de um  autor. Sem  estilo, para ele,   o escritor  fica  incompleto, sem grandeza, sem força  de convencimento  da  realidade  recriada,   seja  pela ficção, seja  pela  poesia.É preciso que, no arranjo  das frases, exista uma equilíbrio tão  íntimo e  tão único entre as palavras que  constituam  frases ou enunciados. ou, como ele dizia,   os “vocábulos   tornados  seres-vivos”.(Literatura e vida   literária. – diário e confissões. 1º e 2º vols. Rio de Janeiro: Civilização  Brasileira, 1963, p. 43-45). Ele  liga  a questão  do estilo a uma  justaposição das palavras,  cuja     combinação   exata    nos  passa  uma “sensação  existencial”. A palavra, então,  para ele  não  é  apenas um  signo arbitrário  de que falam  os linguistas,  está antes mais  relacionada ao cratilismo  da concepção   de Platão, i.e.,  uma   percepção de que  entre  as coisas e as palavras,   reportando  Vítor Manuel  Aguiar e Silva (Teoria da literatura. 6 ed. Coimbra: Livraria Almedina,1984, p. 664-669)  o   pensamento   de Platão, há “motivo” visto que  ‘quem conhece as  palavras, também conhece as coisas.’   Eu me pergunto,  não haveria  nisso  uma   analogia com  o que Lins  define  palavras  em função  de enunciado como   “seres-vivos?”
      O  que comento acima faz parte  desta marcação de fim de ano, que é um retorno  a um diálogo om  o leitor e, num diálogo,  os temas  podem  mudar, os assuntos  podem  pular  como  borboletas   movimentando-se  em várias   direções.
     Assim, sendo a notícia que mais me  interessou  foi a morte  de Mandela, este construtor,  por assim dizer,  de uma nação, já que um   país   dividido  pelo apartheid não é uma  país  completo nem  pode ser chamado de nação. Mandela pertence  à galeria dos grandes  homens  públicos da Humanidade,   como Lincoln,    Gandhi,  Martin Luther King e poucos  outros. Só não  ficou  bem  nas cerimônias   e homenagens  prestadas  a  Mandela  foi  a comitiva  de  presidentes  brasileiros, verdadeira    colcha de retalhos  ideológica.Não  me cabe na  cabeça  a ideia de  alguém  ter  idealizado  essa  ida  em conjunto   de  presidentes  da  República  brasileira que nada  representam, no  plano doa valores   universais   simbolizados   pela  figura   grandiosa  de Mandela.Eu até diria  que é preciso  ter fibra, ser  querido  por um  povo, ser amado  como   foi  Mandela, ser respeitado  como   foi  Mandela  - e não   creio que   os  presidentes  que  lá foram  representar  o  povo brasileiro se enquadrem   com rigor   nesses  atributos. Nosso  país  é carecente  de   homens  de  grande   envergadura    cívica, de grandeza  de sentimentos,  de amor  à paz,  de  simplicidade com  o  seu  povo e de  querer  verdadeiramente  o bem-estar  de toda uma nação.
      Numa crônica   brilhante e corajosa   a escritora   Heloísa Seixas (O Globo, 14/12/2013, p. 23), nos relata  que, na fase  de  manifestações    nas ruas   reivindicando por  melhoras condições  de vida  em vários setores do  pais,  ouvira  de um  motorista de táxi  a frase seguinte: “No Brasil, tudo  vira moda. Até manifestações de rua” A  escritora    conta que,  ao ouvir   o que  comentou  o motorista,  fez questão  de discordar dele, embora   o motorista   insistisse que  era  verdade  o que ele dizia. Dito e feito,  em algumas  semanas  a onda dos protestos  se   esvaziou. Era  mesmo  uma moda entre as muitas que no  país  se  exibe.
      A frase do motorista   não foi tampouco  por ela  esquecida, ou melhor,   antes  fora  relembrada  algumas semanas  após voltar  da Alemanha  onde   passara   “quase um mês”. Ao desembarcar   no Rio, a cronista fez algumas constatações. Somos um “povo fútil.”  Fútil  por  várias  razões:  pouco  valor damos  à cultura, ao cuidado com a nossa  Biblioteca Nacional, não  frequentamos      os museus,  arquivos. Pouco valor  damos  aos livros, ao   que  possuímos de bom  como  patrimônio  histórico-cultural. Ela enumera  uma série de  futilidades  que já  criaram  raízes  no país: a) morar  em  barracos e ter  uma parabólica;b) ter mais televisores  do que  geladeiras; c) não frequentar  bibliotecas  mas  ter  febre de  ficar  em  lan houses; d) temos  “em massa”  analfabetos  funcionais que  se debandaram, diretamente   para o Facebook;e) somos  uma classe média de compradores  em Miami  a tal  ponto  que já nessa cidade  há vendedores   falando  português; f) somos  campeões de  botox no rosto  e silicone nos seios, até  se tornando   exigências de menininhas de 14 e 15 anos para seus  pais; g) abrimos  academias de ginástica em cada quarteirão  de São Paulo e Rio de Janeiro;h) somos   a maior estatística  em cirurgias  plásticas. E por aí vai a nossa  vaidade.A cronista, só pra  concluir desabafa:
Voltei da viagem com essa sensação de que somos  mesmo  fúteis, superficiais, e me lembrei  do motorista do  táxi.”   

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