12
de fevereiro Diário Incontínuo
O
TRABALHO, O ÓCIO E A PREGUIÇA
Elmar Carvalho
Muitos
consideram que os nossos índios eram preguiçosos. Entretanto,
outros tantos (ou mais) entendem que não se tratava de indolência,
mas que eles trabalhavam apenas o suficiente para a sua sobrevivência
e da família, mesmo porque não tinham a preocupação de acumular
riquezas em celeiros ou paióis. Jesus (Mateus, 6:19) nos advertiu
para que não tenhamos apego aos bens materiais, ao dizer: “Não
ajunteis tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem tudo consomem,
e onde os ladrões minam e roubam”.
Alguns
defendem a tese de que a preguiça não deve ser confundida com o
ócio. Enquanto a primeira seria a pura e total indolência, em que a
pessoa se compraz em nada fazer, nem mesmo pensar ou ler, o segundo
seria o estado de inércia ideal para alguém pensar, refletir, criar
e elaborar uma obra de arte ou um trabalho intelectual. Através do
ócio produtivo e criativo, o artista poderia conceber mentalmente
uma pintura, uma estátua, um poema ou qualquer outro artefato
artístico, que depois executaria no suporte adequado. Também alguma
invenção e teoria poderiam ser concebidas através de um tempo
destinado exclusivamente à reflexão.
Atualmente,
a fábula da formiga e da cigarra teria sido modificada, de forma que
a sua lição ou moral já não é a mesma. A formiga era apresentada
como exemplo de dedicação ilimitada ao trabalho e de previdência,
sempre com os celeiros refertos de alimentos, sem nunca passar fome,
mesmo na época das intempéries. A cigarra, ao contrário, era vista
como preguiçosa e imprevidente, precisando, para sobreviver, da
misericórdia alheia, e portanto tinha a mácula de pedinte ou
mendiga.
Na
versão contemporânea da alegoria, entende-se que a cigarra não é
e nem nunca foi indolente; que seu ofício ou profissão é cantar.
Nasceu para ser cantora, sendo esta a sua vocação incontrastável.
Conta-se que, por meio de sua arte e de seus shows, leva uma vida
nababesca, não mais necessitando da caridade de ninguém, ao passo
que a formiga leva uma vida de sacrifício, de muito trabalho e pouca
recompensa.
Por
falar em trabalho e indolência, contou-me um amigo que uma pessoa de
sua amizade lhe expusera um fato acontecido com seu pai. Este, quando
ainda jovem, foi trabalhar para uma proprietária rural, em serviço
de farinhada. Seu trabalho consistia em “puxar” uma roda de um
aviamento, que era o nome que se dava a uma casa de beneficiar
mandioca, para a produção de farinha, puba, goma, beiju etc.
A
roda que o pai do amigo de meu amigo deveria girar (ele de um lado e
outro trabalhador no lado oposto), mediante uma manivela, era ligada
por uma correia de couro ao “caititu”, que era o nome dado a um
cilindro dentado, em que o tubérculo da mandioca era transformado
numa pasta, que depois passaria por outros procedimentos até chegar
ao produto final. Um trabalhador, geralmente uma mulher, encostava a
mandioca nas serras metálicas do “caititu”, com muita atenção
e perícia, pois poderia sofrer sério acidente e ficar sem parte dos
dedos, caso se descuidasse ou exagerasse na força empregada.
Após
o almoço, o trabalhador tentou tirar um cochilo, recostado a uma
parede. Foi repreendido pela matrona rural, que advertiu não haver
intervalo para descanso, e que ele deveria retornar imediatamente ao
manejo da roda do aviamento. O homem resmungou algumas palavras
ininteligíveis, mas que demonstravam o seu protesto e insatisfação.
A proprietária da casa de farinhada não teve complacência, e o
repreendeu com estes versos: “Se você não gosta de trabalhar, /
trabalhe mais ainda; / trabalhe até ter, / e depois que tiver /
trabalhe lá se quiser”.
Esse
trabalhador incutiu na cabeça do filho, desde que ele ainda era bem
novo, para que se esforçasse para obter o seu próprio imóvel, para
não ter a vida sofrida, a vida severa severina que ele tivera. O
rebento seguiu-lhe o conselho, e conseguiu adquirir a sua propriedade
rural, para não ser vítima das agruras que seu genitor padecera.
Elmar,
ResponderExcluirTambém de fábulas e alegorias vive o homem. O seu texto exprime essas dimensões da vida, tem o seu lado moralista - e é bom que o tenha para os dias que correm - e, por isso, ensina, faz refletir, mostra a realidade social e as falsas aparências, o caso da cigarra, como também , por via indireta, o da formiga.
O que nossa sociedade tão mutilada no aspecto moral tem a fazer é deixar de ver o rebotalho da mídia - violência desmesurada dos filmes de baixa voltagem intelectual, a violência de filmes " trash" americanos, a pornografia escancarada dos BBBs, as chacrinadas do Faustão, a ideologia da imprensa detentora de vários fatias dos do "big business" midiático nacional, os pífios programas no geral da TV brasileira, incluindo novelas fazendo propaganda de homossexualismo barato e fétido, campo aberto para despertar estímulos iguais na criança e no adolescente brasileiro com a complacência idiota de pais desavisados ou eles mesmos já imbecilizados por todos esses vícios de qualidade nula da televisão e cinema brasileiro.
Seu texto me inspira muito estes desdobramentos reflexivos sobre a sociedade brasileira e seus grandes males.
O de que o país precisa é de ética social e cultural. O avanço tecnológico serve ao consumismo e ao mesmo tempo supre necessidades da modernidade, não se pode negar. Mas, tudo tem seus limites morais.
É mais do que tempo para uma reformulação de nosso padrões atuais de vida , de orientação urgente aos novos brasileiros que estão nascendo por esse país-continente.
O "trabalhador" que Você retrata tão bem no seu texto enxuto é lição de aprendizado de vida segura e decente - modelo a ser seguido pelos pais brasileiros.
Um abraço do Cunha e Silva Filho
Caro Cunha,
ResponderExcluirVocê teve uma perfeita compreensão do meu texto.
Nem só de pão de pão vive o homem, como está dito na Bíblia.
Nem só de pão, é verdade, mas também de pão.
De tudo o que disse, podemos concluir que não se deve viver para trabalhar, mas trabalhar para viver; e que toda forma de trabalho honesto e legítimo dignifica o homem.
Portanto, a formiga e a cigarra igualmente merecem o nosso respeito e os nossos aplausos.