sábado, 1 de março de 2014

Carnaval, festa de origem agrícola

Foto meramente ilustrativa

José Maria Vasconcelos
josemaria001@hotmail.com

          Criança, eu costumava visitar Frei Eliézer, amigo de meus pais, no Convento de São Benedito. Dormia no segundo pavimento. Era temporada pré-carnavalesca. Da janela do quarto, assistia ao ensaio na residência dos Hidd, nas beiradas do Palácio de Karnak. Som frenético ecoava por toda a Praça da Liberdade, no silêncio da pacata Teresina. Eu não conseguia controlar pernas e cabeça ao som da batucada

          Final dos anos da década de 1950, início dos anos 60. Willame Hidd comandava o Bloco Drundum. Outros destacavam-se, como o Prova de Fogo, Ás de Espada, Bafo da Onça, Rabo de Burro. Não se falava em “escolas”. Cada bloco reunia pouco mais de cem foliões, rapazes e moças da fina flor da sociedade. A maioria cursava faculdade  no eixo Rio, São Paulo e Recife. O reencontro, nas férias, esquentava os bailes do Clube dos Diários e do recém-inaugurado Jóquei Clube. Eles posavam de mocinhos; elas se encantavam com promessas de futuro casamento, virgens namoradas, fiéis, embora eles terras distantes. A geração que enchia a cidade de graça e festa: irmãos Madariaga, José Leite, Gilberto (Loja Honolulu), Bequinha, Zé Lorota, Assis Fortes, Elói Portela, Pedro Serrate, Sigefredo Pacheco, Volmar Miranda, os Gaioso Almendra, Luís Nodgi, Pedrinho Almeida, Marcos Hidd, José Francisco Vasconcelos, Otávio Miranda. Tantos e tantos, de generais a médicos e empresários.
         
          Blocos carnavalescos, compostos de ricos, desfilavam na Avenida Frei Serafim, pelo lado do Colégio das Irmãs, e, à noite, nos clubes. Ai do folião acompanhado de mulheres de programa. Eram imediatamente constrangidos e banidos da festa. Pela direita da Avenida, seguiam modestos “blocos dos sujos”, corso livre, sem regras, especial atenção aos “caminhões das raparigas”. Belas e produzidas prostitutas, inclusive adolescentes banidas da convivência familiar, por não respeitarem a virgindade até o casamento. Recolhidas em famosos e luxuosos cabarés da Paissandu e periferia da capital, prestigiadas e socorridas por figurões. Destacavam-se a Maroca, Casa Amarela, Boate Estrela, Brasília. Comparadas às desbundadas e liberadas mulheres de hoje, as raparigas tinham mais frescor e feminilidade.

          A partir dos anos 70, os carnavais de Teresina evoluíram na compactação social e democrática: ricos e pobres sambavam unidos. Blocos antigos foram substituídos por escolas de samba, ousados e populares: Sambão, Escravos do Samba, Ziriguidum.
          O carnaval surgiu na Antiguidade, para festejar a safra agrícola, numa época em que todo comércio vinha do campo. Famílias se juntavam, confraternizavam, compartilhavam a produção do campo, com danças e ritmos, além da liturgia aos deuses pagãos. A comemoração durava dias. A Igreja não inventou o carnaval, apenas aproveitou o final do entusiasmo social para celebrar o período quaresmal de jejum e exercício espiritual.

          Aquela janela do segundo andar do Convento São Benedito não me sai da memória. De lá, descobri que a vida é tocada de ritmos. E eu estava ensaiando os primeiros passos. 

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