José
Maria Vasconcelos
josemaria001@hotmail.com
Criança,
eu costumava visitar Frei Eliézer, amigo de meus pais, no Convento
de São Benedito. Dormia no segundo pavimento. Era temporada
pré-carnavalesca. Da janela do quarto, assistia ao ensaio na
residência dos Hidd, nas beiradas do Palácio de Karnak. Som
frenético ecoava por toda a Praça da Liberdade, no silêncio da
pacata Teresina. Eu não conseguia controlar pernas e cabeça ao som
da batucada
Final
dos anos da década de 1950, início dos anos 60. Willame Hidd
comandava o Bloco Drundum. Outros destacavam-se, como o Prova de
Fogo, Ás de Espada, Bafo da Onça, Rabo de Burro. Não se falava em
“escolas”. Cada bloco reunia pouco mais de cem foliões, rapazes
e moças da fina flor da sociedade. A maioria cursava faculdade no
eixo Rio, São Paulo e Recife. O reencontro, nas férias, esquentava
os bailes do Clube dos Diários e do recém-inaugurado Jóquei Clube.
Eles posavam de mocinhos; elas se encantavam com promessas de futuro
casamento, virgens namoradas, fiéis, embora eles terras distantes. A
geração que enchia a cidade de graça e festa: irmãos Madariaga,
José Leite, Gilberto (Loja Honolulu), Bequinha, Zé Lorota, Assis
Fortes, Elói Portela, Pedro Serrate, Sigefredo Pacheco, Volmar
Miranda, os Gaioso Almendra, Luís Nodgi, Pedrinho Almeida, Marcos
Hidd, José Francisco Vasconcelos, Otávio Miranda. Tantos e tantos,
de generais a médicos e empresários.
Blocos
carnavalescos, compostos de ricos, desfilavam na Avenida Frei
Serafim, pelo lado do Colégio das Irmãs, e, à noite, nos clubes.
Ai do folião acompanhado de mulheres de programa. Eram imediatamente
constrangidos e banidos da festa. Pela direita da Avenida, seguiam
modestos “blocos dos sujos”, corso livre, sem regras, especial
atenção aos “caminhões das raparigas”. Belas e produzidas
prostitutas, inclusive adolescentes banidas da convivência familiar,
por não respeitarem a virgindade até o casamento. Recolhidas em
famosos e luxuosos cabarés da Paissandu e periferia da capital,
prestigiadas e socorridas por figurões. Destacavam-se a Maroca, Casa
Amarela, Boate Estrela, Brasília. Comparadas às desbundadas e
liberadas mulheres de hoje, as raparigas tinham mais frescor e
feminilidade.
A
partir dos anos 70, os carnavais de Teresina evoluíram na
compactação social e democrática: ricos e pobres sambavam unidos.
Blocos antigos foram substituídos por escolas de samba, ousados e
populares: Sambão, Escravos do Samba, Ziriguidum.
O
carnaval surgiu na Antiguidade, para festejar a safra agrícola, numa
época em que todo comércio vinha do campo. Famílias se juntavam,
confraternizavam, compartilhavam a produção do campo, com danças e
ritmos, além da liturgia aos deuses pagãos. A comemoração durava
dias. A Igreja não inventou o carnaval, apenas aproveitou o final do
entusiasmo social para celebrar o período quaresmal de jejum e
exercício espiritual.
Aquela
janela do segundo andar do Convento São Benedito não me sai da
memória. De lá, descobri que a vida é tocada de ritmos. E eu
estava ensaiando os primeiros passos.
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