terça-feira, 1 de abril de 2014

Das amargas, sim!


Cunha e Silva Filho

Não vou na onda dos que   se recusam a ver o lado  áspero,  injusto   e violento da vida. Não, disso não levarei a  culpa  de ninguém. Absolutamente  irei fazer  o papel  ingênuo do Cândido, ou O Otimismo ((1759) de Voltaire (1694-1778). A realidade  que  nos rodeia  tem que ser  observada em seus  muitos aspectos,  nos doces,  nos amargos,  nas injustiças e nas prepotências  de pessoas, sociedade,  políticos,  governos e tudo o mais.

Como silenciar  o  barulho da vida com todas as suas teias  de aranhas  tentando  nos entretecer  de pílulas  de otimismo   de baixa  qualidade.   Como silenciar o Holocausto,  os malfeitos de Hitler e do  nazifascismo,  os horrores do general  Franco, de  Mussolini, de Stálin,  as ignomínias  de Salazar,  dos ditaduras  militares pelo mundo afora? Não,  o silêncio é capitulação  da condição  humana. Os crimes contra a Humanidade  têm  que ser  repassados  pelas gerações novas a fim de elas  avaliarem  até que ponto a barbárie  foi capaz de chegar. Como silenciar as bombas lançadas  na Segunda Guerra Mundial no Japão? E as guerras fratricidas,  as guerras religiosas (que paradoxo das ações  humanas!), as atrocidade  da política  norte-americana na guerra do Vietnã,  a manutenção de Guantánamo  ainda  em nosso dias.

Como silenciar  os preconceitos de todas  os tipos  que só  levam  às  dissensões  entre as pessoas, tal como  há poucos dias  aconteceu com um jogador nosso  porque  é negro? Que  povo é esse que ainda mantém  hipocritamente o preconceito de cor num pais  mestiço que, se medido  etnicamente  pelos  padrões norte-americanos,  não sobraria nele  praticamente  nenhum branco “puro”, ariano,  alto,  bonito,  de olhos azuis e cabelos  louros e lisos?

Sair  do corpo-a-corpo da vida como dizia  o  grande contista  João Antônio (1937-1996), jamais!  O poeta  Carlos Drummond  de Andrade (1902-1987), em versos  célebres, diz: “Chegou  um tempo em que não adianta morrer,/Chegou um tempo em que a vida é uma ordem,/A vida apenas, sem mistificação.”

Fugir do social, da  situação  do país, com suas qualidades, suas muitas misérias (morais,  política,  sociais, religiosas etc) não é certo e me soa  uma atitude  de desesperada  ignorância,  indiferença  e  insolidariedade. O mundo,  o país procuram  por nós em face de suas  carências,  de seus  mil problemas,  de suas  injustiças, de sua desesperança. Isolar-se somente se for para a solidão  à procura de inventar  a Arte          Solidão apenas  aparente, porque  em seu momento  todo o universo está  contido  na  plasmação  de uma obra artística, seja na ficção, na poesia,  no teatro, em todas as artes, tão necessárias  ao sentido do viver, já que  a  força  dos elementos  convocados para  a feitura  de um  objeto artístico   se encontra na  própria  experiência  da vida,  sendo tais elementos  “transfigurados,” como  diria  o crítico literário Álvaro Lins (1912-1970).

Jamais pensarei  em  me isolar  da condição de ser social,  de “animal  político’, através do que faço, do que escrevo e do que, dentro das limitações  pessoais,   posso  comunicar  a outrem. 

Não seja egoísta, leitor,  fugindo  da sua condição   de cidadão desse país e do mundo.  O mundo não se resume a um único país. Não somos  o umbigo  do mundo.  Somos todos  partes do Universo e, ipso facto,   cabe-nos  uma parcela de responsabilidade e de participação de alguma  maneira, ou seja, na  prática política  séria, no serviço  voluntário, na   consideração  e respeito  pelos  direitos  dos outros, na convivência dos  prédios,   na sua atividade  profissional,  no seu comportamento  na rua,  dentro de um carro, num trem, num metrô, no avião  no navio. Em todos esses lugares  há que  praticar   atos  de boa vontade  e de cooperação.

Mas nunca  subestimar  a condição  gregária,   o encontro entre amigos,  uma palavra  de conselho a quem  está  sem esperança. Pascal (1623-1662) esta  extraordinária  figura de gênio  nunca perdia  a oportunidade para  falar   da importância da caridade. E como estamos longe  desse ato  de  doação do que não nos falta, do que nos sobra  da matéria da vida. A vida moderna, na sua pressa cada vez mais  agressiva,  nos  faz esquecer  tantos  atos  bons que poderíamos  executar sem  nenhuma  perda ou prejuízo  para  nós. O olhar  do ser para fora,  para o exterior,  que nos faz sair  de nosso  bolha de proteção  interior, é a manifestação  mais viva de exclamar sem medo: “Das amargas, sim!”   

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