domingo, 8 de junho de 2014

Seleta Piauiense - Francisco Miguel de Moura


Saudade oceânica

Francisco Miguel de Moura (1933)


Na partida, um oceano sem escolta
cala meu peito em descontentamento.
– Vais aonde – eu pergunto – onda revolta?
E ela me corta o coração por dentro.

Sou areia, sou rocha e, em meu tormento,
choro e declamo, e o fogo me devora;
qual vulcão que nos mostra o epicentro,
outro vulcão me nasce aqui por fora.

Na partida, eu prometo consolar-me
do vácuo que me tolhe. E, sem alarme,
no amor a Deus apenas me concentro.

Meu mundo é solidão, é só saudade
de quem levou minha tranqüilidade,
de quem partiu meu coração por dentro.    

2 comentários:

  1. Chico Miguel:
    Belo soneto, à Camões pelo lirismo, pelo traço forte da emoção contida.Com seu "eu lírico' plantado no sentimento da distância do tempo, ou seja, da solidão e da saudade.
    Soneto do encanto e desencanto existencial, poema universal pelo que provoca em nossa fraqueza humana e em nossa intimidade.
    Ligação do Amor, do Cristianismo, do Eu e da Matéria.Subjetividade e Objetividade,
    A poesia é mesmo feita de palavras, fruto de artesanato, constructo sólido da linguagem, do acabamento, do bem elaborado. Por isso, é linguagem e é vida, É signo e é vivência.
    Todos os grandes poetas, a meu ver, se parecem, o que não quer dizer, que são iguais em níveis de qualidade, pois alguns são grandes, outros são maiores e outros são supremos. O nível axiológico é possível depreender-se através da análise crítica apurada.. .
    No seu soneto há o clássico no moderno, o gosto da imitatio sem plágio. Imitar é, no seu caso, ultrapassar os limites do já feito.
    É contaminar-se o poeta de hoje com as qualidades aprendidas com o poeta ancestral. Quem poderia afirmar que a grande tradição lírica não faz falta ao poeta de hoje?
    A poesia é o olhar para o que deu certo em beleza e forma estéticas e ao mesmo tempo o persistir, no presente, pela continuidade transfigurada pela renovação experimentalista do que se foi para o que é modificado pelo tempo presente, não estático, mas perenemente instável na ordem da originalidade e da construção poética.
    O poeta Alberto da Costa e Silva já falou em "entrelaçamento de vozes," esse eterno diálogo entre construtores de imagens, sons, timbres e musicalidade através dos tempos.
    Quem poderia afirmar que o tempo da experiência, do domínio da arte poética não são determinantes do aperfeiçoamento do fazer poesia, da procura do domínio do estro, dos seus segredos e dos seus mistérios, pois a poesia nunca há de deixar de ser mistérios.
    Pensei em tudo isso quando li seu soneto "Saudade oceânica."
    Cunha e Silva Filho

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  2. Chico Miguel:
    Por favor, ainda em tempo:

    Corrija-se a frase do início do último parágrafo do meu comentário para a seguinte forma:

    "Quem poderia afirmar que o tempo da experiência, do domínio da arte poética não é determinante do aperfeiçoamento do fazer poesia..."

    Cunha e Silva Filho

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