HISTÓRIAS
QUE A VIDA CONTA
Valério Chaves (*)
Cego
Zeferino era um perito improvisador.
Cegou quando tinha apenas dois anos de
idade, mas apesar da deficiência visual era um dos cantadores mais espontâneos
dos sertões do Ceará.
Ganhava o sustento
cantando versos próprios, geralmente pondo em evidência os dotes pessoais de
quem apreciasse sua poesia cabocla tirada do povo, hábitos e costumes da vida
sertaneja.
Certa
vez quando cantava poesia na porta de um bar de sua cidade natal (sempre
acompanhado da mulher Zefinha), na expectativa de aumentar os “trocados” do
dia, resolveu fazer versos exaltando a figura dos fregueses mais ilustres que
iam aparecendo no local.
A certa altura da cantoria, Zefinha, cuja
missão era dizer o nome das pessoas que iam chegando, falou ao pé do ouvido do
marido avisando que acabava de chegar o Tenente Geronço, delegado de polícia da
cidade.
Geronço, militar por vocação, detestava
cantador de viola, e às vezes, do alto de sua ignorância, chegava a ameaçar de
prisão quem se atrevesse fazer rimas com seu nome pelo meio.
Quando avistou o cego sentado, com a viola
sobre o peito diante de um tamborete com um prato em cima, olhou de alto a
baixo, e avisou: - vou lhe dizer uma coisa, ceguinho. Não faça versos rimando
com meu nome pelo meio. É uma ordem.
Entendeu?
Naquele
dia, porém, parece que o tenente não estava mesmo com sorte, porque quando ele
entrou no recinto do estabelecimento, o cego já havia começado a rima com o
sufixo “ão”.
E, pra não interromper a toada, diante
da reprimenda do militar, e fazendo de conta que não tinha ouvido seus
desaforos, continuou o improviso construindo o primeiro verso da sextilha:
- E para o tenente eu
dou mais um galão.
- Alto lá, ceguinho –
interrompeu o delegado em tom grotesco e rude.
- Não continue fazendo
versos com o meu nome, pois do contrário vai se arrepender.
Em seguida, sem dar
ouvido ao tenente, e sem fugir do improviso, o cego emendou num só fôlego:
- Mas tenente, que é
que eu hei de fazer?
Pois minha intenção não
é lhe promover
Pois o galão que eu
falo é um galão diferente:
É um pau com duas latas
Uma atrás e outra na
frente.
Em seguida, amofinado
pelo azar, só restou ao tenente Geronço dar meia volta e sair de fininho,
lamentando-se:
- Pra que diabo eu fui me
meter com este cego cantador de viola.
- Isto só sendo
castigo!
(Extraída
da obra inédita – Casos de Justiça e outras histórias)
(*) Valério Chaves é Desembargador Inativo do TJPI,
membro da UBE-PI e da Academia de Letras da Magistratura Piauiense.
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