sexta-feira, 25 de setembro de 2015

MINHA AVÓ

               
               MINHA  AVÓ
    
                            Alcenor Candeira Filho

               de  repente  em  madrugada
               camoniana  de  domingo
               triste  e  leda  madrugada
               cheia  de  saudade  e  de  piedade

               madrugada  alegre  e  triste
               e  amena  e  marchetada
               do  dia  quinze  do  mês  dois
               do  ano  de  dois  mil  e  quinze

               veio-me inesperadamente
               à  memória  minha  avó
               Gracita  Rodrigues  Candeira
 
               que  velhinha  octogenária
               resignada  me  dizia
               e  ao  me  dizer  me  comovia:

                                - "quem eu fui
                                ainda  me  lembro,
                                quem  eu  sou
                                nunca  pensei,
                                quem  serei
                                não sei."    

2 comentários:

  1. "Ai do homem sem saudade" - diria o crítico famoso e o pensador católico Tristão de Athayde.
    Um número muito considerável de poetas e escritores,em tempo algum, consideram o traço autobiográfico da obra poética ou ficcional como algo menor. .Temos aí, Drummond, João Cabral, Bandeira, Da Costa e Silva, entre tantos outros
    .Não é falar de si, de sua subjetividade que torna um poema menos convincente, menos artístico, menos realizado.
    O que o faz se transformar em arte é o jogo das palavras, o execício eficiente e funcional da linguagem. A seleção, a combinação, o ritmo, a melodia, elementos que se juntam em harmonia de mãos dadas com visão de uma circunstância particular da existência, ora buscada no passado, ora no presente, ora no futuro. Dessa fusão de elementos temáticos e de linguagem se compõem poemas e da ação conjugada entre as palavras e os sentimentos de beleza nasce a poesia.
    Não importa se o tema é de natureza pessoa, o que faz o poema poema são as palavras e a vida, a experiência, o meditar sobre um ponto determinado que pode surgir de repente ou pode ser procurado pela memória do artista.
    No caso do poema em exame, o sujeito lírico se confunde com a pessoa do poeta, segundo acontecia com frequência no Romantismo.
    No entanto, "A avó" não é um poema romântico nem tem características suficientes para o contemplativismo do século XIX.
    O poema que comentamos situa-se como realidade fenomenológica. Se há um surto da memória que vai longe no tempo, o poema em si existe, é dado concreto, físico intelectivo, graças à combinação consciente das palavras que passam a significar, a vivificar o sentimento da saudade de um ente querido do qual se serve o poeta até para citar de memória uma definição ao mesmo tempo simples e densa do que o neto adulto gravou para sempre. Ou seja, o poema se aproveita da voz temporalmente distante, para estabelecer um rápido diálogo com ela.
    Segundo a definição da sua avozinha, octogenária, "resignada", o auto-conhecimento que alguns têm de si mesmos varia de uma pessoa para outra. No caso da sua amada avó, ela só tinha certeza do que foi no passado, mas, quanto ao presente e ao futuro, lhe restam apenas dúvidas em clave filosófica.
    Novamente, poeria afirmar que, no poema, o passado tem mais força vital do que o presente e é o passado que o poeta, a meu ver, intenta ressaltar.
    A alusão a Camões não é despicienda no contexto geral da composição, visto que, ao nomear o grande vate português, ele se transporta, possivelmente numa madrugada lendo o grande bardo, temporalmente ao passado e, por conseguinte, mantém-se no tema ao valorizar o passado. e bem se sabe que a memória pretérita se constrói de antinomias ao personalizar a "madrugada"com "triste", "leda, "amena" e "alegre." A referência da datação da madrugada com dia, mês e ano definem o tempo presente ocupado com o tempo passado A leitura talvez de uma obra camoniana, ou melhor dizendo, de um poema escolhido. O "eu do poeta" não está só triste, os sentimentos naquela parte do noite, a madrugada, convidativa à solidão, está "marchetada, quer dizer, matizada de emoções fugidias, além de ser "domingo."
    Aí se tem, nos dois primeiros quartetos, a preparação para para o salto lírico, denotados pela nostalgia e "piedade" na evocação da figura querida da avó com seu nome completo, bem definido na memória.
    Como outros líricos, o poeta, ao privilegiar o passado, faz uso do tema do "ubi sunt?" - marca dolorida e "comovida" da imagem e das palavras ainda vivas da sua amada avó.
    Ao relembrar a avó, o poeta, por sua vez, regressa à chamada "idade de ouro," o paraíso da infância.Eis alguns ângulos nos quais se configura o tecido lírico do poema.
    Cunha e Silva Filho

    ResponderExcluir
  2. Errata relativa ao meu comentário :

    Onde se lê:
    para para, leia-se : para

    denotados, leia-se: conotados

    Cunha e silva Filho

    ResponderExcluir