PARA QUE SERVEM AS FLORES
Jacob Fortes
Para que servem as flores? Isso compete aos fitologistas.
Porém, cheios de bondade, não irão enfadar-se se eu, — que tenho o vezo de
imiscuir-me em assuntos que extrapolam os meus domínios —, discorrer, ainda que
sem brilhantismo, sobre elas. Vejamos: as flores têm múltiplas finalidades e
significados. Repletas de simbologia sintetizam coisas infindas: o nascimento,
a beleza, a fragrância, o riso, a lágrima, o carinho, o amor, o beijo, a
música, a jovialidade, a sublimação, a feminilidade, a fertilidade, a esperança,
a inspiração musical, o hálito noturno (que sossega as madrugadas); ornam a
ambas: a vida e a morte. Sua existência, tão impermanente quanto bolha de
sabão, retrata a efemeridade da vida. Quando oferecidas a alguém exprimem a
amizade, a admiração, o respeito, a gratidão, o pesar pelo falecimento. Nos
jardins ou nos campos, as flores perfumam tudo: o ar, os seres, as almas
humanas; têm o condão de abrandar corações petrosos. Ataviam o mundo; deixam-no
mais galhardo, multicolorido, musicado, perfumado, risonho, romântico. “Se
ainda houver outra bomba atômica que seja esta de flores para impregnar o mundo
de perfume e de amor”. Ainda consigo vê-las lá atrás, no palco aceso da
infância, (Por esse tempo a legítima integridade sertaneja pautava sua existência
pelo sonoro do chinelo de estalo): multicoloridas, silvestres, engalanando as
ramagens do sertão. Sertão metido em fardamento novo, verde-abacate, que lhe
fora alfaiatado pelo precipitar das chuvas tímidas (que mal repenicavam no
telhado); incapazes de formar lagoeiros, mas suficientes para abrolhar, nos
viventes, a alegria. Com a ingenuidade do meu tempo de infante, eu as
contemplava; extasiado: o aroma, os matizes, os beija-flores e abelhas lhes
sorvendo o néctar. O traço triste é que as pétalas iam-se despegando, uma após
outra, como fazem as árvores: despejam as suas folhas assim que notam a
proximidade do outono. Do alto da cajazeira copada, plena de flores alvacentas,
brevemente o festim tão aguardado pela infância na roça: a safra abundante do cajá
maduro!
Flagrantemente, a cada minuto encolhe o habitat das flores!
Sob os mais diversos pretextos, desde o incremento de áreas urbanas à lenha de
arder, máquinas de força descomunal, no papel sinistro de magararefes da
floresta, destroçam a natureza, (em nível de xerém se preferir), mais das vezes
seguidas, complementarmente, por outras, coadjutoras, que vão socalcando o solo
e esmaltando-o com a impermeável e escurecida borracha. Até quando, sob o
beneplácito da negligência, da imobilidade, da descura ou egocentrismo, esse
perpétuo apetite continuará, num assomo de crueldade, assolando as paisagens
agrestes consagradas à flora e a fauna? As consecutivas sentenças de morte,
anunciadas pelo ronco do trator, esgotam, progressivamente, as flores. Parece que
ninguém lhes liga importância; Chico Mendes, o mártir da floresta, ligava:
“[...] Cadê a flor que estava aqui? Poluição comeu. E o peixe que é do mar?
Poluição comeu. E o verde onde é que está? Poluição comeu. Nem o Chico Mendes
sobreviveu”. Mas sem as sementeiras, as flores, responsáveis pela perpetuação
da vida vegetal, o planeta sucumbe. É preciso não consentir, desapoderar os
magarefes antes que todas as florestas sejam abatidas, antes que a aldeia se
faça desértica, se improprie à vida vegetal/animal.
Todas essas flores, invisíveis aos olhos, que as decalquei na
retina do leitor, são as emissárias do Jacob Fortes para dizer, em tom de
salmo: muito obrigado! Se mais não digo é para que elas falem por mim.
Faça de uma pequena flor um espetáculo aos seus olhos.
ResponderExcluirUm abç
hl/sp
Faça de uma pequena flor um espetáculo aos seus olhos.
ResponderExcluirUm abç
hl/sp