quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

A VOLTA DO TREMEMBÉ

Demonstração de que o fundo do barco inflável descolou da borda

O novo casco do Tremembé a caminho do Velho Monge, vendo-se o seu antigo nome de Encrenka


21 de janeiro   Diário Incontínuo

A VOLTA DO TREMEMBÉ

Elmar Carvalho

Conforme já consta em registro neste Diário Incontínuo, alguns meses atrás adquiri um barco inflável, cujo nome de fábrica é Cheyenne. Comprei-o através da internet na loja virtual Submarino. Após duas curtas utilizações, no rio Parnaíba, sem nenhum acidente ou uso indevido, o barco descolou na parte que liga o seu fundo à borda, o que o tornou imprestável. Por meio de telefone, reclamei para a empresa vendedora, mas a Submarino limitou-se a dizer que como o problema ocorrera após sete dias do recebimento do produto não seria mais responsável em resolver o defeito surgido; que eu deveria dirigir a reclamação ao fabricante.

Achando pouco o teor de sua lacônica e inócua resposta, o atendente acrescentou que não estava autorizado a fornecer o nome e o endereço da fábrica. Como eu tivesse levado o barco para o Sítio Filomena, em Buriti dos Lopes, a trezentos quilômetros de Teresina, não pude verificar o nome e o endereço do fabricante de imediato (e nem obtive êxito em consulta internética).

Vários dias depois, quando pude examinar a nota fiscal e o manual de uso, constatei que o fabricante fica sediado em país estrangeiro e o telefone é internacional. Não encontrei o endereço eletrônico. Como não desejo aborrecimento, resolvi não ingressar com ação judicial contra as empresas fabricante e vendedora. O leitor poderá achar que sou acomodado ou resignado; não, eu sou apenas um cliente que não mais voltará a comprar na Submarino.

Em vez de pendenga judicial, tomei a decisão de comprar um barco de alumínio usado, que o meu pequeno motor de popa pudesse suportar. Com a ajuda de Natim Freitas, que intermediou o negócio, adquiri-o, inclusive com o reboque. Eu havia “batizado” o barco inflável como Tremembé, em homenagem aos índios que certamente perlongaram a Várzea do Simão na época de Mandu Ladino, que bem merecia ter seu nome estampado na pequena embarcação. O Natim sugeriu que o novo casco se chamasse Novo Tremembé, o que ensejaria se contasse a história do barco prematuramente avariado por defeito de fabricação.

Contudo, recordando a legendária falange persa de 10.000 homens, em que tão logo morria um guerreiro este era substituído por outro, de modo que o número se mantivesse incólume, de sorte que os componentes dessa infantaria de elite ganharam fama de imortais, resolvi manter pura e simplesmente o nome Tremembé, como se mantivesse sempre o mesmo barco, qual também na história em quadrinhos do Fantasma, que parecia imortal, pois o seu indumento e saga eram continuados por um filho, quando o herói atingia a velhice. Assim, poderemos afirmar que o Tremembé, como a mítica Fênix, renasceu, e há de permanecer em sua intrepidez e valentia com a continuação de seu emblemático nome em novo casco, desta feita mais resistente, já que metálico.

No dia 28 de dezembro, fizemos um passeio experimental, utilizando o casco de alumínio, que tinha o nome original e sugestivo de Encrenka. Segundo informações não confirmadas, esse designativo se devia ao fato de que um dos antigos donos era um tanto boêmio, e usava as pescarias como desculpas para driblar a marcação cerrada da esposa. Quando ela desconfiava de alguma coisa, era encrenca na certa, de forma que o nome era muito bem posto. Oportunamente o mestre Zico, flamenguista ferrenho e inveterado, pintará o seu atual e glorioso nome: TREMEMBÉ, que fará tremer eventuais adversários, piratas e corsários.

Fizemos a inauguração “oficial” no primeiro dia do ano em curso. O capitão de longo curso e larga cabotagem Natim Freitas pilotou a pequena nau com muita perícia, uma vez que na região dos tabuleiros litorâneos o Velho Monge se encontra muito largo e muito raso, o que sempre requer algum cuidado, apesar de o barco ser de pequeno calado. Graças à boa hidrodinâmica do casco, o pequeno e bravo motor deu conta da missão. Além do comandante Natim, fizemos parte da aventura eu, Francié e Chico Ribeiro, casado com a Graça, irmã da Fátima. Não obstante setentão, o Chico tem muita vitalidade, e subiu e desceu do barco com firmeza invejável.

Fizemos uma parada na margem que dá para a fazenda do general Antônio Lisboa de Freitas Diniz, uma vez que o Natim desejava conhecer a capela que fica perto da casa-grande. Em virtude de a ermida se manter quase sem uso, inevitavelmente se encontrava povoada por esvoaçantes morcegos. Ficamos à sombra de imensa árvore, a conversar com o caseiro.

Tive notícia de que o general Freitas Diniz, apesar de estar perto de completar cem anos, encontra-se lúcido e ativo. Foi amigo de meu sogro João Simão. É irmão do engenheiro civil Domingos de Freitas Diniz Neto, que exerceu o mandato de deputado federal em três vezes, tendo sido ainda secretário de estado do Maranhão. Teve Domingos papel importante no processo de redemocratização do país. Em minha juventude, conquanto à distância, admirei esse político maranhense, natural do município de Araioses.

Prosseguimos até a ponte do Jandira, de onde retornamos até a Toca do Velho Monge. No percurso da volta, atracamos o Tremembé numa das coroas de areia, onde tomamos um revigorante, demorado e gostoso banho. Lamentei a falta na tripulação do amigo José Pedro Araújo, escritor e historiador, que bem poderia ser o escrivão e cronista de nossa lúcida nave louca. Ele tem se proposto a ser apenas grumete, mas eu teria prazer em lhe passar o timão e o comando de nossa pequenina embarcação, que bem poderia também se chamar “cavalo do cão”, embora arrenegue tantas rimas em ão.    

5 comentários:

  1. Meu caro amigo e Poeta, agora também grande comandante da nau capitânia Tremembé II (pois ainda tenho esperança de ver o velho Tremembé, temporariamente fora de combate,singrando por estas águas calmas e alentadoras do Velho Monge com galhardia e segurança). Depois, não há nesta terra de tantos e tantos cronistas, um maior do que você. Cabral, tenho certeza, não teria nenhuma dúvida em substituir o seu Pero Vaz de Caminha, por esse talentoso poeta que, quando se traveste de prosador, torna-se inigualável também. Volto a afirmar com a humildade de sempre, que me sinto feliz com o cargo de Grumete, almejando o posto de cabo na tripulação do irrequieto, açodado Tremembé.

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  2. Muito obrigado, caro almirante JP Araújo, por suas apologéticas palavras, mas a realidade e a prudência me recomendam dizer: menos, menos, não mereço tanto.
    Ainda bem que o nobre amigo ainda acredita na ressurreição do inflável.
    Inflado ficarei eu se a sua auspiciosa profecia se materializar.
    Evoé, Baco e bacantes!

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    1. Prezado Elmar Carvalho:

      Fiquei triste ontem ao ler, no site do Dílson Lages, mais este texto do seu Diário Incontínuo. Escrevi um comentário não muito curto em que realcei as qualidades do seu texto, e enfatizando sobretudo os dados da narração e da linguagem - os dois pilares mais pertinentes a uma matéria literária.
      Não vou repassar tudo que lhe disse, deixarei para outra ocasião.
      Aprendi uma lição: toda vez que for comentar algum texto literário, farei, primeiro e à parte, no word em seguida, colarei no espaço correspondente da coluna do blog.
      Mas só lhe posso estimular a dar conta dos textos finais do seu diário.
      Um abraço do

      Cunha e Silva Filho

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  3. É uma pena muito grande para mim que o seu comentário tenha se perdido no marulho das ondas da internáutica.
    Essa providência de salvar no word lhe vai ser muito útil.
    De qualquer sorte, se vc recuperar o comentário poste-o em meu blog, pois ele valorizará o meu texto.
    Abraço,
    Elmar

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  4. Caro Elmar, se conseguir recuperar o meu comentário no site do Dílson, será um prazer postá-lo no seu blog.
    Forte abraço do
    Cunha

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