quinta-feira, 7 de abril de 2016

AQUARELAS OEIRENSES




AQUARELAS OEIRENSES

Elmar Carvalho

Conheci Antonio Reinaldo Soares Filho, o Soarinho, em 1994, quando ele se preparava para editar seu livro Oeiras – Geografia Urbana. Trocamos ideias, sendo que algumas de minhas sugestões foram por ele aceitas. Desde 1988 a 1990, quando fui o presidente da União Brasileira de Escritores do Piauí – UBE/PI, eu já havia iniciado um processo de aproximação afetiva e cultural com Oeiras, inclusive tendo ali realizado um Encontro de Escritores, no qual prestei homenagem ao notável romancista O. G. Rêgo de Carvalho.

Por essa época e um pouco depois passei a conhecer vários intelectuais oeirenses, entre os quais cito: Balduíno Barbosa de Deus, meu professor na UFPI, Paulo Gutemberg, meu colega no curso de Direito, Pedro Ferrer Freitas, Dagoberto Carvalho Jr., Expedito Rêgo, Carlos Rubem, Possidônio Queiroz, Rogério Newton, Gutemberg Rocha, João José Ferraz e os já referidos Reinaldo e O. G. Depois, em diferentes ocasiões, vim a conhecer outros amigos da velhacap.

Antonio Reinaldo já havia escrito o importante livro Oeiras Municipal, em que demonstrou ter muita paciência, em virtude da laboriosa pesquisa que teve de empreender. A obra abarca um corte cronológico que vai de 1810 a 1992. Trouxe novas e mais aprofundadas informações sobre a história da terra mater. Além de suas qualidades intrínsecas e de conteúdo, é de grande interesse para os historiadores, em razão dos documentos que cita e/ou transcreve.

Em Oeiras – Geografia Urbana se reporta aos bairros, praças, logradouros, ruas e becos da velha capital. Traça rápida biografia da figura histórica homenageada. Quando a rua tem alguma peculiaridade digna de nota, descreve a sua topografia e geologia. Não tendo o logradouro nome de pessoa, assinala os fundamentos de sua denominação.

Em muitos verbetes, indica o nome antigo da rua, muitos deles poéticos, interessantes ou históricos. Essa obra é tanto mais importante porque, segundo tenho observado, muitos moradores sequer sabem o nome da rua em que moram, quanto mais terem conhecimento de sua história e da biografia do epônimo. E discrimina a localização, direção, extensão e limites dos logradouros e ruas.

Sou tentado a dizer que Aquarelas de um Tempo é um misto de artigos, crônicas e ensaios de história social, sobretudo referentes ao período que vai da meninice do autor até o início de sua juventude, passando, claro, pela sempre emotiva, sentimental e fugaz adolescência. Ao sabor de suas lembranças, anotações e pesquisas, Antonio Reinaldo, como um cicerone poderoso e mágico, nos faz viajar no tempo e no espaço de sua querida Oeiras, e como que nos faz vivenciar as emoções dos saudosos tempos e lugares que relembra, com riqueza de detalhes por vezes pitorescos.

O livro é de capital importância para a história imediata e recente de seu torrão, bem como para a historiografia de seu cotidiano, porquanto, no período que vai do final dos anos 1950 a meados dos 70, relata os costumes sacros e profanos, entre os quais os eventos religiosos da Fugida, da Procissão dos Passos, a beleza luminosa do Fogaréu, a Missa de Ramos. Muitas das cerimônias sacras são verdadeiras encenações, quase uma espécie de teatro a céu aberto, em que todos são atores e plateia ao mesmo tempo. O episódio da Verônica, no qual um canto magoado nos comove, nos faz lembrar uma espécie de ópera popular.

As Aquarelas do Reinaldo trazem ao procênio de nossa imaginação velhos boêmios, esquecidos poetas e as inesquecíveis serestas e tertúlias, que tanto encantamento provocavam nos jovens de outrora. Figuras populares são trazidas ao nosso convívio. Os antigos carnavais, com seus adereços quase artesanais e suas alegres ou melancólicas marchas, mas sempre encantadoras, são lembrados. E são referidos os locais onde eles aconteciam: Oeiras Clube, União Artística, Círculo Operário, Furna da Onça e cabaré do Cícero Cego.

Na solenidade de lançamento, recordei que ao passar pela Furna da Onça, de tão pitoresco e imaginativo nome, alimentei o desejo de tomar uma talagada de calibrina, com um tira-gosto de umbu, e com direito a uma cuspidela ao pé do balcão. Por motivos que não vêm ao caso, nunca pude realizar esse modesto “sonho de consumo”, até porque a Furna já não existe e a onça foi embora para desconhecida paragem ou dimensão.

Ao tratar das sociabilidades, diversões, lazer, costumes e ocupações de Oeiras, no período enfocado, Aquarelas de um Tempo narra a história do Ginásio Municipal de Oeiras, do Oeiras Clube, e relata os banhos nos poços do velho Mocha, então perene, de nomes tão sugestivos e poéticos. Aliás, ao falar nesses poços, lembro que o médico Paulo de Tarso Ribeiro Gonçalves Filho, que também os descreveu, pediu-me para falar sobre a degradação do Mocha, tendo eu escrito uma crônica que se encontra publicada na internet. Menciona os antigos moradores de ruas e bairros da velha urbe. Cita os grandes craques futebolísticos da época, entre os quais o des. Raimundo Eufrásio e o jurista Moisés Reis, e meus colegas da ingrata posição de goleiro Oscar Barros e Chico Castanhola.

Nessas páginas, prenhes de emoção e lembranças, o autor, como um demiurgo, materializa a velha Oeiras, fazendo-nos viajar no tempo e no espaço; no tempo de sua juventude e no espaço oeirense de sua saudade. Não pude deixar de recordar os versos do poeta Luís Guimarães Jr.: “– Uma ilusão gemia em cada canto, / Chorava em cada canto uma saudade...” E encerro estas breves considerações com as palavras do próprio autor: “A saudade fez estas páginas.”   

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