terça-feira, 3 de maio de 2016

SOMOS TODOS ANÔNIMOS


SOMOS TODOS ANÔNIMOS

Cunha  e Silva Filho

          No decorrer do tempo, a visibilidade de uma autor, seja critico, cronista, articulista,  ficcionista,  dramaturgo,  gramático, filólogo, tradutor, o que seja no domínio  da escrita literária, se apaga, passa ao limbo à medida que os anos e os séculos se inscrevem no tempo  decorrido.  O tempo é como um  grande  romance conhecido de Machado de Assis (1839-1908), tudo devora,  pois é uma sucessão de passamentos que valem, a meu ver,  por uma definição, ou melhor,  uma  concepção algo  pessimista  da vida. Todos  somos tragados, pulverizados pelo silêncio  do tempo, da época. Ninguém quase escapa dessa condição humana auto-refletida na vaidade e na rapidez enlouquecida dos tempos  pós-modernos.
       Certa feita, um professor universitário, diante de seus alunos, confessou essa situação da existência contingencial diante  dos valores  conhecidos e incensados numa data etapa, valores em geral  constitutivos de nichos,  de grupos, que têm muito em comum,  até as práticas  acadêmicas,  as pesquisas semelhantes,  os interesses intelectuais,  os  postos de comando. Diria  o professor: ”Ele tem o seu grupo, os seus  seguidores. Nós (não sei a que grupo ele quis se referir  para si) temos o nosso. Isso nos basta. Cada um fica na sua fronteira,  no seu espaço conquistado. Não me importo se eles me estimam ou não. Não quero saber  disso. Faço a minha parte.”
      Se a vida literária nas décadas de 1930, 1940, 1950, somente para  recortar  um  bom  período de tempo em que  houve tantas  lutas,  polêmicas,   injustiças a autores,   má  interpretação de outros, cabotinismo, estrelismo,  luta  pelo  poder  das ideias  literárias   ou de métodos  críticos  ou de  práticas  estéticas  vigentes  na produção  literária  brasileira, é caracterizada  por marchas e contramarchas,  por  grupos a favor  disso ou  daquilo  no âmbito da literatura  ou de grupos  contra  o establishment  literária, é bem visível  igualmente que a voragem do tempo foi   devastadora.[1]
     Um crítico marxista, em livro,  afirmou que  um determinado  crítico brasileiro  não valia  a pena ser mais lido. Já não falava mais nada no tocante às suas ideias  sobre literatura. Vejo, diante de um fato dessa natureza, que  a visibilidade é realmente  uma leve brisa que passa e se fixa no passado sepultada até que, por uma circunstância ou outra,  sai do limbo.
    Ora,  esta condição de ser um  sujeito  efêmero na atividade  literária de alguma maneira   tem um efeito salutarmente   pedagógico  àquelas figuras  que se  julgam  ou são  consideradas  por seus  simpatizantes, seus contemporâneos,  seus incensadores, ou endeusadores de suas qualidades ímpares   muito acima da mediania visto que  lhes fazem  despertar  para  as condições impostas  pelo dinamismo de mudanças  e multiplicidades de  concepções e de ideias. A história literária mostra que a contemporaneidade   é apenas uma fase  transitória  que logo é atropelada  por novos ventos que se lhe opõem ou a superam.  Diria Gilbert Frankau (1884-1952): “For all heights are lonely”[2].
      Serve, então,  de alívio  àqueles que, por diversas  razões  ou  condicionantes de vida, nunca se tornaram  figuras marcantes  ou foram  mal  julgadas  ou rejeitadas na sua  época. A historiografia   literária está repleta de  exemplos  que se  encaixam nessas condições  de escassa  visibilidade. 
     Por outro lado,  é confortador   que  o julgamento  alheio  jamais será  um indicador  imparcial  de  valorização  de autores em qualquer gênero. Os autores que se julgam  subestimados  não devem ter uma  postura acabrunhante a ponto de  desejarem   desistir de seus objetivos  ou projetos  traçados no terreno  da produção  de sua obra. Muito ao contrário,   deveriam ter sempre ao seu alcance  sua  utopia, o acalanto de um  sonho  que se realizará  a despeito  dos  espinhos e dos  dissabores   que   terão que enfrentar.
    Sua grande saída  é revestir-se de uma  grande   força de vontade  e de desprendimento  sem sinalizar  nenhuma  marca  de desânimo e de abandonar  o percurso   já conquistado com ou sem  visibilidade. Todo o seu esforço deve ser em direção ao auto-aperfeiçoamento contínuo, resistindo a tudo e a todos e tendo sempre em mente  a ideias de que todos os seus pares, mais conhecidos ou menos conhecidos,   conhecerão  o ocaso  do esquecimento e da ultrapassagem dos novos, numa sucessão incansável de perdas e ganhos. A metáfora  dessa fase de  ultrapassagem ou superação das novas gerações  está bem descrita pelo  hoje esquecido  escritor  Origens Lessa (1903-1986), precisamente  nas páginas  finais  de seu  romance O feijão e o sonho, [3] obra que,  por sinal,  foi adaptada ao cinema. A metáfora a que aludi constitui parte ponderável dos últimos  capítulos da obra. Vejamos uma citação que representaria bem  a glória  literária e a sua  decadência, que chamei de ultrapassagem:

         [...] Todo o alto castelo  que construíra com lágrimas, com sofrimento, com paixão, esbarrondava ao simples sopro de uma geração que o demolia, como ele tentara  demolir trinta anos antes, com a mocidade do seu  tempo, as glórias  encontradas.”

NOTAS:

[1] Cf. Acerca da vida literária   duas obras,  a meu  ver,  são fundamentais  ao conhecimento da vida  literária  brasileira  quanto ao recorte  temporal  de cada uma.. Ver BROCA,  Brito. A vida literária no Brasil -1900.   3 ed.   Introdução de Francisco de Assis Brasil Rio de Janeiro: Livraria  José Olympio Editora/PROLIVRO, 1975 e COUTINHO, Afrânio. No hospital das letras.  Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,  1963.A primeira  se notabiliza pela notável abrangência de  exposição e de fatos ; a segunda,   pelo  tom  polêmico e contundência da exposição.
[2]  Ver o ensaio desse autor, ”I am a lowbrow.” Apud ECKERSLEY,  C.E. Brighter English. Revised edition. London: Longmans, 1964, p. 217. .

[3]  LESSA,  Orígenes. O feijão e o sonho. 6. edição. rev. Biografia de Renard Perez  e Introdução e notas de Ivan Cavalcanti Proença.. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, 1968, p. 200.

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