Meio
pão e um livro
Arnaldo Boson Paes
Mestre, doutor em Direito
e desembargador do TRT/PI
“Livros! Livros! Palavra
mágica que equivale a dizer: “amor, amor”, e que os povos deviam pedir como
pedem pão ou anseiam por chuva após semearem. Eu, se tivesse fome e estivesse
abandonado na rua, não pediria um pão, pediria meio pão e um livro”. Estas são
palavras do escritor espanhol García Lorca, anunciadas em setembro de 1931, ao
inaugurar uma biblioteca em Granada, sua terra natal.
Lembrei-me delas quando acompanhava
o noticiário local sobre a doação de livros para instalação de uma modesta
biblioteca na Vila Jerusalém, periferia de Teresina. O escritor piauiense
Cineas Santos, idealizador do projeto social, explicou o simbolismo da
iniciativa: "É só um jeito de dizermos àquela gente esquecida: nós nos
importamos com vocês. Aonde chegam livros chega alguma esperança”.
Os dois atos estão separados
por um oceano e quase um século. Mas se entrelaçam e convergem para o mesmo
objetivo: dois consagrados escritores buscam inocular na alma do povo de sua
aldeia o "vírus" do amor aos livros e à leitura. Consideram ótimo que
todos comam, mas consideram melhor que todos tenham saber. Por isso procuram
semear livros, cultivar leitores e fazer o povo pensar, abrindo janelas para o
mundo.
Em tempo de crise econômica,
dominado pela austeridade, parece insensato e supérfluo o cultivo da paixão
pelos livros. Mas esse contexto adverso mais justifica a criação de
bibliotecas, um tesouro que a coletividade deve buscar e preservar a todo
custo. Isso porque a difusão dos livros e a promoção da leitura são essenciais
à vida, caminhos para o cultivo do espírito, fortalecimento da solidariedade,
desenvolvimento coletivo, construção da visão crítica do mundo e realização de
nossos sonhos.
O escritor Cineas Santos, meu
querido professor no ensino médio, foi seduzido ainda muito jovem pela magia do
livro. E não se contentou em guardar para si, apenas, o saber e as emoções que
foi acumulando a cada leitura. Procurou repassar à sua aldeia, através dos
diversos meios ao seu alcance, desde a impressão artesanal em mimeógrafo à
publicação de livros em escala industrial, o poder sublime da palavra, nas suas
mais variadas formas de expressão artística ou didática.
Há muitos anos, ele abraçou o
projeto cultural “A cara alegre do Piauí”, levando para as comunidades do
interior a literatura, oficinas de texto, recitais, saraus, cursos de música.
Um esforço para inserir essas comunidades no contexto cultural do Estado. Sua
luta pela difusão do livro inspirou mais tarde a criação do Salão do Livro do
Piauí (SALIPI), o mais importante evento da cultura piauiense.
Então, quando Cineas Santos,
no comando do Conselho Estadual de Cultura do Piauí, arregimenta forças para a
instalação de uma biblioteca em comunidade pobre da periferia, apenas dá mais
um passo como aquele semeador de livros à mão cheia. Move-se pela ideia de que
não só de pão vive o homem e de que os livros nos ajudam a sermos melhores e a
melhorarmos o mundo, modelando-nos com a argila dos nossos sonhos.
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