segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Meio pão e um livro


Meio pão e um livro

Arnaldo Boson Paes
Mestre, doutor em Direito
e desembargador do TRT/PI

“Livros! Livros! Palavra mágica que equivale a dizer: “amor, amor”, e que os povos deviam pedir como pedem pão ou anseiam por chuva após semearem. Eu, se tivesse fome e estivesse abandonado na rua, não pediria um pão, pediria meio pão e um livro”. Estas são palavras do escritor espanhol García Lorca, anunciadas em setembro de 1931, ao inaugurar uma biblioteca em Granada, sua terra natal.

Lembrei-me delas quando acompanhava o noticiário local sobre a doação de livros para instalação de uma modesta biblioteca na Vila Jerusalém, periferia de Teresina. O escritor piauiense Cineas Santos, idealizador do projeto social, explicou o simbolismo da iniciativa: "É só um jeito de dizermos àquela gente esquecida: nós nos importamos com vocês. Aonde chegam livros chega alguma esperança”.

Os dois atos estão separados por um oceano e quase um século. Mas se entrelaçam e convergem para o mesmo objetivo: dois consagrados escritores buscam inocular na alma do povo de sua aldeia o "vírus" do amor aos livros e à leitura. Consideram ótimo que todos comam, mas consideram melhor que todos tenham saber. Por isso procuram semear livros, cultivar leitores e fazer o povo pensar, abrindo janelas para o mundo.

Em tempo de crise econômica, dominado pela austeridade, parece insensato e supérfluo o cultivo da paixão pelos livros. Mas esse contexto adverso mais justifica a criação de bibliotecas, um tesouro que a coletividade deve buscar e preservar a todo custo. Isso porque a difusão dos livros e a promoção da leitura são essenciais à vida, caminhos para o cultivo do espírito, fortalecimento da solidariedade, desenvolvimento coletivo, construção da visão crítica do mundo e realização de nossos sonhos.

O escritor Cineas Santos, meu querido professor no ensino médio, foi seduzido ainda muito jovem pela magia do livro. E não se contentou em guardar para si, apenas, o saber e as emoções que foi acumulando a cada leitura. Procurou repassar à sua aldeia, através dos diversos meios ao seu alcance, desde a impressão artesanal em mimeógrafo à publicação de livros em escala industrial, o poder sublime da palavra, nas suas mais variadas formas de expressão artística ou didática.

Há muitos anos, ele abraçou o projeto cultural “A cara alegre do Piauí”, levando para as comunidades do interior a literatura, oficinas de texto, recitais, saraus, cursos de música. Um esforço para inserir essas comunidades no contexto cultural do Estado. Sua luta pela difusão do livro inspirou mais tarde a criação do Salão do Livro do Piauí (SALIPI), o mais importante evento da cultura piauiense.


Então, quando Cineas Santos, no comando do Conselho Estadual de Cultura do Piauí, arregimenta forças para a instalação de uma biblioteca em comunidade pobre da periferia, apenas dá mais um passo como aquele semeador de livros à mão cheia. Move-se pela ideia de que não só de pão vive o homem e de que os livros nos ajudam a sermos melhores e a melhorarmos o mundo, modelando-nos com a argila dos nossos sonhos.

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