terça-feira, 15 de novembro de 2016

O jeep do Curador

Foto meramente ilustrativa

O jeep do Curador

José Pedro de Araújo
Romancista, contista, cronista

Em um tempo em que as estradas de acesso ao velho e querido Curador não passavam de caminhos para uso da tropa de animais, o município ganhou um presente e tanto: um Jeep Willys novinho. Vou começar essa história bem do começo, para que fique mais clara e inteligível.

Em uma região conhecida como Japão, situada no centro do estado maranhense, uma florescente vila foi ganhando vida, se organizando, e logo mais já clamava por liberdade, desligando-se do município mãe, Barra do Corda, para escrever a sua própria história. Teria um futuro promissor por se situar em região estrategicamente bem localizada, por onde passavam muitos caminhos rumo a diversas partes do estado. E isso, aliado ao fato de possuir terras férteis e livres, fez a comunidade nascente se desenvolver rapidamente. Com o pomposo nome de Curador, uma homenagem ao velho morador que usava suas mezinhas feitas a partir de raízes e folhas de plantas nativas para curar enfermidades de muitos que por ali transitavam, galgou a posição de município em dezembro de 1943, mas somente em junho de 1944 aconteceu a tão ansiada solenidade de emancipação política. Dai ser esta a data escolhida para festejarmos o seu aniversário. Mas, essa parte da história todo o mundo já sabe, ou quase todo o mundo, e me detive nela apenas para dar fluência e extensão ao texto.

E eis que quando os maranhenses de outras bandas já iam se acostumando com o nome do novo município, Curador, a Assembleia Legislativa do Estado, através de uma proposta de Lei apresentada pelo deputado José Martins Dourado, muda-lhe o nome, ou altera o seu topônimo, como se diz tecnicamente, para Presidente Dutra. Eurico Gaspar Dutra, como todos também sabem, era o Presidente da República do Brasil, e acolheu o presente com muita alegria, afinal, seu nome passaria à posteridade e jamais seria esquecido.

Mas, ao que parece, a coisa não se deu de maneira tão bonita assim. O presente ofertado teve lá o seu custo, e importou em algumas retribuições por parte do homenageado. E tudo isso acontecia com a participação de Vitorino Freire, felpuda raposa que dominou a política estadual sem nunca ter sido governador. Vitorino havia retornado ao Maranhão tão logo Dutra assumiu a presidência e, instantaneamente, passou a articular politicamente o blocão que iria controlar a política estadual por décadas, até a tomada do poder por outro grupo hegemônico, a oligarquia Sarney.

Mas eu dizia que a mudança do topônimo do novo município teve um custo para o homenageado. Correu célere pelas ruas poeirentas da cidade, pelos becos, e até mesmo belos babaçuais que cercam a sede municipal, a notícia de que Vitorino Freire, com o apoio, ou a conivência, do Presidente da República, havia comprado a alteração do nome de Curador para Presidente Dutra. Bem, isso pode não ter acontecido exatamente dessa maneira, mas os tempos comportavam todo tipo de notícia, até mesmo as fantasiosas e, deste modo, a oposição ainda machucada com a derrota na eleição de Ariston Leda, passou a divulgar essas histórias como se verdadeiras fossem.

Verdadeira ou não, o certo mesmo é que o presidente da república, sensibilizado pelo gesto, presenteou o novo município com a destinação de verbas para a execução de obras de infraestrutura, especialmente para a construção do campo de aviação na nova cidade, no valor de 50.000 cruzeiros. Até mesmo o colégio das irmãs, por essa época enfrentando grandes dificuldades para a sua conclusão, foi presenteado também com uma verba de 50.000 cruzeiros. Essa notícia foi alardeada pelo jornal Diário de São Luís na sua edição do dia 20 de fevereiro de 1949. E não apenas isto, o município ganhou de presente também um Jeep Willys, de fabricação americana. Mas aí advieram novos problemas, novas histórias sobre a doação desse veículo que, em última análise, se constituiria no primeiro veículo automotor a pertencer ao município, e o primeiro também a pertencer à municipalidade.

O tal veículo, na verdade, foi uma doação da Cooperativa de Usineiros de Pernambuco, que congregava os produtores de açúcar, conforme se pode observar em uma série de telegramas trocados pela tal cooperativa, a presidência da república, e também o governador do estado, Sebastião Archer da Silva, com o prefeito eleito. Abaixo transcrevo um deles:

(Cooperativa dos Usineiros de Pernambuco – Rio de Janeiro, Abril de 1949. Exmo. Senhor Presidente General Eurico Gaspar Dutra – Nesta.

Prezado Senhor Presidente,

Por intermédio do nosso amigo, Senador Vitorino Freire, tivemos ciência da criação do município “Presidente Dutra", no estado do Maranhão. Nós os usineiros de açúcar de Pernambuco, ficamos satisfeitos com tal manifestação do povo do Maranhão porque reconhecemos, solidários com os maranhenses, o quanto V. Excia. vem realizando em benefício da Nação em seu governo de Justiça, Ordem e Respeito. E desejosos de manifestar a nossa simpatia, pedimos licença a V. Excia para oferecer o automóvel “Jeep” cujos documentos de embarque anexamos a esta, com o objetivo de facilitar o transporte de utilidades para o novo município, concorrendo assim para o seu rápido progresso. E também veja V. Excia neste nosso oferecimento uma modesta homenagem que lhe prestamos como reconhecimento).

Deixo à análise dos leitores deste humilde texto, as razões para tão desprendida manifestação de uma entidade que, em ultimo caso, nada, ou pouco, tinha a ver com o estado maranhense. No mínimo um grande gesto de reconhecimento para com o esperto Vitorino Freire, tão pernambucano quanto a Cooperativa de usineiros. Mas, o fato é que o Jeep foi doado e há registro de que logo estava rodando sobranceiro por esses caminhos ermos e mais acostumados à pata das cavalgaduras do que propriamente aos pneus dos veículos automotores. E vem daí outras histórias que não me cabe aqui averiguar se são verdadeiras ou não. Noticio o fato apenas e tão somente como fato histórico, e para que também fique registrado nos anais do velho e bom Curador.

A oposição passou a divulgar que o veículo doado era utilizado pela família do prefeito como se fora seu. E que até fora levado para Tuntum, quando da emancipação daquele município, deixando Presidente Dutra sem o seu automóvel. Não sei dizer se essa história é verdadeira ou se devemos tratá-la como mais uma picuinha política criada pelas oposições. Como todos sabemos, as histórias políticas comportam muitas versões, todas “verdadeiras”. E como se diz nos dias de hoje, “uma mentira tantas vezes repetida, acaba se transformando em verdade”. Pode ser este o caso. Ou não. Existiu, contudo, o fato histórico aqui registrado nesta crônica.

Para quem não sabe, o tal campo de aviação foi transformado muito depois na importante Av. Tancredo Neves, uma das maiores artérias do velho e progressista Curador. Ponto para a comunidade.

E Dez anos depois, o velho general foi outra vez homenageado e teve o nome posto em outro município nordestino, desta vez no estado da Bahia. Ficou o Brasil com dois municípios “Presidente Dutra”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário