Uma fotografia antiga
Elmar Carvalho
Ontem, por simples desfastio do ócio
ou simplesmente para driblar o tédio, dando-lhe ainda de quebra um chutão nas
canelas, fui folhear o livro Dalí, da autoria de Carolina Brook, recheado de
belas fotografias, sobretudo das mais importantes obras do grande pintor
surrealista. O livro me fora ofertado pelo italiano Alfredo Fait, já falecido,
que se hospedava no mesmo condomínio que eu, em Parnaíba.
Foi uma excelente retribuição aos
livros Rosa dos ventos gerais (2ª edição) e Lira dos cinqüentanos, ambos de
minha autoria, que lhe autografei, dos quais ele me assegurou, por e-mail,
haver gostado. Após lhe haver entregado os livros, ele viajou para Belo
Horizonte, onde trabalhara no consulado italiano, e na primeira viagem que fez
à sua terra natal adquiriu o álbum das obras de Dalí, para me presentear. Em
virtude de só ter conversado com ele em duas ou três ocasiões, já que ambos não
residíamos no condomínio (mas ele em BH, e eu em Teresina), não posso dizer que
fomos amigos próximos.
Quando ele faleceu, cerca de um ano
depois, o senhor Swami me telefonou, seguindo orientação da família de Alfredo
Fait, para me perguntar se eu desejava ficar com os livros dele. Respondi-lhe
que gostaria de ficar apenas com alguns dos livros de arte, e que sugeria
fossem as demais obras doadas à Biblioteca Pública Municipal de Parnaíba.
Autorizado a fazer os contatos
necessários, liguei para o secretário de gestão da Prefeitura Municipal, o
escritor e poeta Alcenor Candeira Filho, que adotou as providências necessárias
para arrecadar os livros, que foram prontamente entregues. Desnecessário dizer,
mas direi: por uma culpa que não atribuo a ninguém, terminei não ficando com
nenhum livro. Talvez tenha sido melhor assim.
Retomo o fio da meada. Ao atingir a
metade das páginas do livro sobre a vida e obra de Dalí, encontrei uma velha
fotografia, com certeza tirada em 1976; portanto, já lá se vão mais de 40 anos,
quando eu tinha vinte de idade. Esbelto, ostentava uma cabeleira longa e
ondulada, como era moda na época. Camisa de malha apertada, um cinto e uma
calça quadriculada, boca de sino, compunham minha indumentária.
Estou de pé, segurando uma espécie de
diploma, e me dirigia a pequeno auditório, que não se vê na fotografia. A meu
lado, sentado numa cadeira colegial, estava o senhor João, dono do curso
pré-vestibular, em que eu fazia o terceiro ano do antigo curso Científico. Eu
iria presidir uma agremiação estudantil, que estava sendo criada. No ano
seguinte, como na música de Martinho da Vila, passei no vestibular, e fui
cursar Administração de Empresas em Parnaíba.
Ao me deparar com essa antiga
fotografia, que não lembrava estar guardada no álbum que folheava, não posso
negar que tive saudade de mim mesmo, do rapaz emotivo que fui, por vezes
ingênuo, desprovido, quase sempre, de maldade e de malícia, sabedor de que Deus
protege os tolos e os inocentes. Lembrei-me destes meus versos, em que proclamo
sentir
A nostalgia do rapaz que fui,
Tão emotivo, tão sentimental (...)
Elmar Carvalho, lendo essa crònica-memória me vem a ideia de um escritor, por sinal do Piauí, que afirmava ser perda de tempo um escritor revolver o passado.
ResponderExcluirAgora, me pergunto ou lhe pergunto,ou pergunto a outros leitores: Por que desprezar o passado, os tempos idos e vividos? Não, nunca devemos descartar o legado da nossa memória e da memória dos outros. Agindo assim, seria um temeridade e um atentado contra o o nobre sentmento da saudade.
Ora, a saudade é tão vital ao ser humano quanto o ar que respira. Não houvesse esse sentimento, cujas raízes estão plantadas na alma galega, através de seus grandes poeta, a alma humana empobreceria. Diz-se até que a saudade tem seu berço na Galícia.
Pelos filólogos é considerada um idiomatismo da língua portuguesa e estudiosos chegam até a dizer que o sentimento dela é intraduzível em outra língua.
Pode até não ser traduzível, mas existe realmente uma dificuldade de se encontrar em outras línguas, num só vocábulo, aquilo que semanticamente o léxico "saudade" exprime tão particularmente para as almas galega, portuguesa, brasileira ou de outras línguas.
No meu livro "Da Costa e Silva: uma leitura da saudade"(1996) dedico todo um capítulo estudando a saudade do ponto de vista filológico e da literatura.
Portanto, me parece pobreza de vida interior um escritor descaracterizar a memória dos fatos, dos acontecimentos, dos sentimentos humanos.
Sem a saudade não haveria tantos livros cujo núcleo central se assenta no sentimento da recordação, do resgate dos anos decorridos.
A saudade também é História. História dos sentimentos doloridos da ausência do lirismo cuja força-motriz está no olhar para o que nos transmitiu a memória no tempo.
Não tenhamos vergonha ou pudor de proclamarmos que somos saudosos ou saudosistas.
Contrariar isso é negar um dos sentimentos caros do espírito humano.
Já Tristão de Athayde, grande pensador católico e crítico literário do maiores que a Literatura Brasileira já teve, lembrava num livro: "Ai do homem sem saudade."
Um abraço do
Cunha e Silva Filho
Caro Cunha,
ResponderExcluirDiscordo totalmente da opinião do escritor a que você se referiu, por motivos a meu ver óbvios, senão vejamos:
Um escritor só pode falar daquilo que ele conhece, ainda que sob o manto da transformação ficcional.
O futuro ele não conhece, já que não é profeta ou vidente.
O presente ao tempo em que acontece, já se vai exaurindo e se transformando em passado.
Assim, o que fica do que se viveu, do que se ou/viu, do que se leu ou até mesmo do que se pensou é o que resta em nossa memória, que nada mais é do que o vestígio do passado.
Portanto, a meu sentir, um escritor sem passado é também um escritor sem presente e sem nenhum futuro.
Caro Elmar, V. está inteiramente ceerto , absolutamente certo com a sua argumentação empregada com clareza e penetração. Não citei o escritor porque não vem ao caso e, inclusive, já faleceu.
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