terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Metapoemas comentados

Fonte: Google

Metapoemas comentados

Alcenor Candeira Filho

NOTA PRELIMINAR

     Este livro se constitui de COMENTÁRIOS sobre quinze METAPOEMAS de minha autoria.
     Todos os poemas são anteriores aos comentários. Estes foram escritos no limiar de 2017, enquanto os poemas são dos anos 1990 (“No Reino da Poesia”) e 2006 (“Teoria do Texto”).
     A novidade neste livro está na inserção de comentários sobre os poemas, alicerçados na minha experiência de poeta desde 1967 e na de professor de português e de literatura brasileira a partir de 1972.
     Os poemas de “Teoria do Texto” foram escritos em poucas semanas, imediatamente após meu afastamento da atividade de professor para assumir o cargo de secretário municipal de educação.
     A distribuição dos poemas corresponde de certa maneira  à sequência de aulas que ministrei na Unidade Escolar Alcenor Candeira (Cobrão) no período de 1972 a 2005.
     Tanto  os poemas deste livro quanto os comentários só foram escritos em razão de  minha condição de poeta e de professor. Tudo em casa, portanto, como se  poema e crítica fossem capazes de preencher a ausência de sala de aula.               


             1ª  PARTE
    NO REINO DA POESIA

1.            INTRODUÇÃO

                     “Quanto  à ideia de, em poesia, falar de poesia
                         ou de  outras formas de criação, crê o autor que
                          ela só parecerá coisa estranha a quem ignora tu-
                          tudo do que escreveu.”
                                               (João Cabral de Melo Neto)

     Escrever poesia é uma atividade que requer muito trabalho. Quando se trata de metapoema, o trabalho torna-se mais extenuante, superado apenas pelo despendido na criação  épica. Por ser a expressão de um sentimento coletivo centrado em discurso de grande extensão, a epopeia exige do poeta um esforço inigualável. Por isso é que o número de poemas épicos é bem  inferior ao de líricos.
      A poesia lírica, gênero predominante na história da literatura de qualquer povo, não tem necessariamente o propósito de conceituar a matéria que trata, podendo até deixar de lado qualquer referencial conteudístico. As manifestações puramente sonoras e imagéticas  são suscetíveis de, por si mesmas, exprimir estados d’alma, enquanto a presença  do  dado definidor, sem exclusão dos outros elementos, é indispensável numa proposta metapoética, que só se realiza plenamente com a transmissão de ideias sobre a poesia.
     No gênero lírico, o significado e o significante do  signo  linguístico se alternam e se completam com um elemento podendo sobrepor-se ao outro, ou até mesmo um excluir o outro, resultando numa maior liberdade de ação criadora.
     Na poesia sobre a poesia, os elementos intelectivo, imagético e acústico se fundem tão intimamente, que é impossível a exclusão de um desses recursos, ou a qualquer deles atribuir maior importância.
     Tentar esboçar por meio de versos uma síntese recognitiva do fazer poético pode parecer enorme pretensão de um poeta provinciano. Contudo, o que me moveu a trabalhar em cima do complexo tema foi a experiência forjada ao longo de trinta anos de dedicação à literatura, como professor, crítico, poeta e, sobretudo, leitor.
     Na ARTE RETÓRICA E ARTE  POÉTICA, Aristóteles desenvolve a ideia de que a poesia é imitação (mimésis) pela voz e, dessa forma, se  diferencia das artes plásticas que imitam pela cor e pela forma. A mimésis, a que a expressão metafórica está intimamente ligada, é o ponto central na caracterização da natureza da poesia. Partindo dessa premissa, Aristóteles passa a estudar as diferentes espécies de poesia segundo os objetos imitados, a origem da poesia e seus gêneros.
     Se  a poesia é mimésis e metáfora, conclui-se que ela representa a verdade através da mentira. “A arte é uma mentira que revela a verdade” (Picasso).
     O entendimento de que o real é a verdade fingida se encontra num dos textos mais instigantes de outro gênio do século XX:

                                 “O poeta é um fingidor.
                                 Finge tão completamente
                                 Que chega  a fingir que é dor
                                 A dor que deveras sente”.
                                         (Fernando Pessoa – “Autopsicografia”)

     Adotando uma posição influenciada por Ezra Pound, que distingue a musicalidade verbal  (melopeia) , a imagística (fanopeia) e o jogo de conceitos (logopeia) como requisitos básicos  do  fenômeno    poético, - Mário Faustino reporta-se à poesia como aquilo que não pode ser conceituado :

                -  “Que é poesia ?
                - Nenhum de nós pode pretender, lucidamente, apresentar sobre isso um conceito definitivo. O mais que podemos fazer é procurar estabelecer, discutindo o assunto por algum tempo , o que representa para nós, a esta altura, aquilo que chamamos de poesia.”
    
     No Prólogo da primeira edição de PRIMEIROS CANTOS (1846), Gonçalves Dias, coerente com a sua posição romântica, refere-se à poesia como algo “indefinível” mas “compreensível”, concluindo que apesar de tudo vale sempre a pena o esforço:


“Casar assim o pensamento com o sentimento - o coração com o entendimento - a ideia com a paixão - colorir tudo isto com a imaginação, fundir tudo isto com a vida e com a natureza, purificar tudo isto com o sentimento de religião e da divindade, eis a Poesia - a Poesia grande e santa - a poesia como eu a compreendo sem a poder definir, como eu a sinto sem a poder traduzir. O esforço - ainda vão - para chegar a tal resultado é sempre digno de louvor, talvez seja este o só merecimento deste volume.”

     A noção de que a linguagem literária  -  expressão  intuitiva  e  individual  -  é impotente para representar a realidade real ou imaginada está presente em vários poemas de reflexão sobre o próprio fazer poético:

                             “Ah! quem há de exprimir, alma impotente e escrava,
                             O que a boca não diz, o que a mão não escreve?”
                                             (Olavo Bilac  -  “Inania Verba”)

                             “Impotência cruel, ó vã tortura!
                             Ó Força inútil, ansiedade humana!
                                             (...)
                             Ó Sons intraduzíveis, Formas, Cores!...
                             Ah! que eu não possa eternizar  as dores
                             Nos bronzes e nos mármores eternos!”
                                     (Cruz e Sousa  -  “Tortura Esterna”)

                             “Que a voz do poeta nunca se levante   
                             Para ter ressonâncias nas alturas.
                             Que o canto, das contidas amarguras,
                            Somente seja a gota transbordante.”
                                 (Mauro Mota  -  “Humildade”)

     Embora partindo da premissa de que são muitas as limitações que a palavra impõe ao poeta, vários metapoemas realçaram bem a sensação de angústia que assalta o artista no seu labor, decorrente dessas forças antagônicas: “a vontade de dizer”  e  “a impossibilidade de dizer”:

                                         “Lutar com palavras
                                         é a luta mais vã.
                                          Entanto lutamos
                                          mal rompe a manhã.
                                                     (...)
                                          Luto corpo a corpo,
                                          luto todo o tempo
                                          sem maior proveito
                                          que o da caça ao vento.”
                                (Carlos Drummond de Andrade – “O Lutador”)

                                          “Também seu corte às vezes
                                          tende a tornar-se rouco
                                          e há casos em que ferros
                                          degeneram em couro.
                                          O importante é que a faca
                                          o seu ardor não perca
                                          e tampouco a corrompa
                                          o cabo de madeira.”
                          (João Cabral de Melo Neto  - “Uma Faca Só Lâmina”)

          Ao comparar o poeta ao albatroz imobilizado pela brutalidade humana, Charles Baudelaire expressou de forma admirável o conflito entre a “vontade” e a “impossibilidade”:

                           O Poeta se compara ao príncipe da altura
                           Que enfrenta os vendavais e ri da seta no ar;
                           Exilado no chão, em meio à turba obscura,
                           As asas de gigante impedem-no de andar.”
                                           Charles Baudelaire -  “O Albatroz”)

                      
     Apesar dos pesares, trabalhar é preciso, ainda que, como diz Mário Quintana em metapoema famoso, trabalhar

                               “com a ingrata linguagem alheia...
                               A impura linguagem dos homens.”

     O fazer poético, efetivamente, mais do que inspiração é expiração:

                                “Longe do estéril turbilhão da rua,
                                Beneditino, escreve! No aconchego
                                Do claustro, na paciência e no sossego,
                                Trabalha, e teima, e lima, e sofre, e sua!”
                                         (Olavo Bilac  -  “A um Poeta”)

     E assim como a fruta faz o fruto, que é alimento material, é necessário que faça o poeta o poema, que é alimento espiritual:

                                “Elabora o poema como
                                a fruta elabora os gomos
                                a fruta elabora o suco,
                                a fruta elabora a casca,
                                elabora a cor e sobretudo
                                elabora a semente.”
                                    (Mauro Mota  -  “Arte Poética”)

     Embora trabalhando  sobre o indefinível, o poema metalinguístico, ao fazer a abordagem dos elementos básicos que coexistem no espírito do autor  -  forma e fundo  -  acaba formulando uma mensagem que fala à sensibilidade e principalmente à inteligência, conscientizando o leitor acerca da arte poética.
     Foi o que tentei, bem ou mal, nos poemas agrupados sob o título genérico de “No Reino da Poesia”.                                                  
                      
2.            COMENTÁRIO GENÉRICO

     Diferentemente do que ocorre com as sete poesias que integram a 2ª Parte deste livro, sob o título de “Teoria do Texto”, mais focados nos aspectos formais do poema (gêneros, espécies, ritmo, simetria, assimetria, metrificação, versos, estrofes, rimas, figuras de palavra, de sintaxe e de pensamento)
-  as oito composições da 1ª Parte (“No Reino da Poesia”) tratam da poesia nos seus aspectos essenciais: palavra, criatividade, fonte, fundo, forma ,  finalidade.
     Segundo o “Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa”), metapoema é “um poema  em que o autor atua como crítico para analisar o próprio poema e julgar sua capacidade criativa”.
     Os poemas das duas partes deste livro, portanto, embora tratando do mesmo tema  -  a poesia  - se distinguem na medida em que a análise pode referir-se às duas camadas do texto literário: a) a que surge graficamente disposta, isto é, a “forma”;  b) o conteúdo ou o “fundo”.
     Na nomenclatura usada por Ferdinand de Saussure, no “Curso de Linguística Geral”, “fundo” e “forma” correspondem respectivamente a “significado” e “significante”.
    

(Continua na próxima quinta-feira)

Nenhum comentário:

Postar um comentário