terça-feira, 26 de setembro de 2017

POETAS PARNAIBANOS DOS ANOS 2000


POETAS PARNAIBANOS DOS ANOS 2000

Alcenor Candeira Filho

     A média de idade dos poetas de que me ocuparei neste artigo é de vinte a trinta anos. Eles integram  a coletânea  poética VERSANIA, organizada por  Claucio Ciarlini e lançada recentemente em Parnaíba, reunindo vinte e dois poetas.
     Uma antologia tão abrangente não poderia deixar de ser heterogênea e provavelmente ela ganharia em expressividade se se houvesse feito uma seleção mais rigorosa dos poemas que a compõem. Com certeza o tempo separará o joio do trigo e indicará quem são os verdadeiros artistas da palavra presentes na seleta.
     Acho que a cada geração de poetas deve corresponder uma obra coletiva capaz de mostrar as formas de expressão e identidade de cada um, de apontar traços definidores da biodiversidade da poesia praticada por seus representantes.
     Os poetas parnaibanos nascidos a partir de 1990 têm sido divulgados esparsamente em jornal, de modo que era difícil para o leitor formar opinião crítica sobre cada um deles. Agora, com o surgimento de VERSANIA, em que cada poeta ocupa com poemas cerca de seis páginas, é possível a formação de algum juízo crítico de suas composições.
     Estranhei na coletânea a ausência de poemas de Diego Mendes Sousa e Ítalo Furtado, dois jovens poetas com livros publicados e reconhecidos como bons representantes da poesia parnaibana do século XXI.
     Os poetas de VERSANIA que me causaram melhor impressão, sem nenhum desmerecimento aos demais, foram Alexandre César, Carvalho Filho, Filipe Cavalcante e Rosal Benvindo. Coincidentemente os quatro são cultores do soneto. Criado na Itália no século XII, os primeiros grandes sonetistas foram Dante (1265-1321) e Petrarca (1304-1374), que emprestaram  ao soneto forma e fundo que se tornaram modelares para as gerações seguintes, tanto na Itália como no resto do mundo.
     Esse tipo de composição, o mais nobre dos poemas de forma fixa, vem se renovando através de séculos, tendo sido muito explorado no classicismo, barroquismo, arcadismo, romantismo, realismo, parnasianismo, simbolismo, modernismo. Até hoje cresce o número de sonetistas.
     Alexandre César é um poeta que  se apresenta como “inscrito na objetividade/ da dúvida (...)/ buscando amadurecer,/ talvez como você agora./  Buscando!/ Talvez como você agora./ Buscando talvez você/ agora./ Buscando.”
     Se  a intenção não fosse a de transcrever neste artigo um soneto de cada poeta, optaria pela citação do belo poema elegíaco “A Era dos Ícaros Vivos”.
     Eis o soneto de Alexandre César

                  O CÉTICO ILUSÓRIO

     Em peito aberto a chaga do amor surtido
     Sutil solene sensato e desprovido
     Na obscena imagem que em mente se anuncia
     Outrora plena e límpida quando não poente e tardia.

     Em obsoleta sina o doce engano
     Na ternura do fidalgo em porto brando
     Em sinuosa nova forma derradeira criatura
     Agora torna em canto ébrio.

     Que desdenha rancorosa a consumada em adultério
     No vão continue despedace ao elo em desmazelo
     Promessas de um novo leigo em desespero.

     Ao idolatrar o mar contraditório
     Se vê desprovido em tom salubre
     Está a contemplar o Cético Ilusório.

     Carvalho Filho (Francisco das Chagas Souza Carvalho Filho) escreve poemas, contos, crônicas, novelas e romances e se declara fâ de Renato Russo, Álvares de Azevedo, Augusto dos Anjos e Allan Poe. Daí o caráter lúgubre de parte de sua obra.
     O soneto “Os Macbeths”, abaixo transcrito, faz  obviamente alusão ao personagem central da famosa tragédia MACBETH, de William Shakespeare. Macbeth foi um valente general do exército escocês,  que matou o rei Duncan, a quem sucedeu no trono.
     Eis o soneto:

                OS  MACBETHS

     O céu finge domar aquele peito.
     É desejo das Fúrias vê-lo aberto.
     Uma vez tendo o corpo descoberto
     Por Feras, seja de carne desfeito.

     Sucumbe o soberano por direito,
     Ergue-se Macbeth recoberto
     De atroz ganância; seu crime encoberto
     No convincente e pérfido respeito.

     Punhal rubro do rei desata a vida,
     Abutre colossal pousa no trono.
     Pinta-se a face toda comovida.

     Mas vingança não tarda ao tolo sonho.
     Eis que levanta da própria ferida
     Cavaleiro de espírito tristonho.

Confessando-se  “exaltador do trivial e um tanto nostálgico”, Filipe Cavalcante comparece em VERSANIA com dez poemas, nove dos quais sonetos, como o que segue:

        À BÁRBARA CAVALCANTE

     Unidos desde a nossa boa infância
     Por laço bem estranho e bem comum
     - inseparáveis como apenas um;
     de ser maior do que o outro sempre na ânsia..

     Somos feitos de igual, mesma substância,
     que é algo de genética e de algum
     fluido imaterial que existe num
     fraternal coração em abundância –

     afeto fraternal que nunca muda.
     Se um dia precisares de uma ajuda,
     Que alguém te estenda a mão lá no amanhã,

     e amigos não puderem dar um fim
     ao mal, tu tens um Deus e tens a mim.
     Pra sempre eu hei de amar-te, minha irmã.

     Rosal Benvindo (Gustavo Muniz Barros Rosal Benvindo) é poeta que tem escolhido o amor como tema principal: “Meu primeiro poema foi sobre amor, tema que me acompanhará ao túmulo”.
     Dos quatro sonetos inseridos na coletânea, transcrevo este:

          SONETO BRANCO DE UM CÃO VAGABUNDO

     Cão vagabundo, aborto dos becos.
     Refém sob o sol dos homens, sem destino,
     Que perambula silencioso entre circos
     De absurdos, de existências em desatino.

     Cão semimorto de sangue latino,
     Cruzando, torto, mundos de olhos vis.
     Cão mudo, ferido e sujo, clandestino
     De uma vida sórdida dentre incivis.

     De investidas e migalhas se fez malogro,
     Acometido em vírus, pena e insulto.
     Cão sem dentes que tomba em desgosto.

     É o mesmo que eu: desconforto.
     Os olhos pálidos e absortos
     De  quem não tem um amor, um porto.

     Concluo parabenizando os vinte e dois poetas integrantes do livro VERSANIA, o diagramador Fábio Bezerra Brito e o organizador Claucio Ciarlini.          

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