Mestre-de-Campo Bernardo de Carvalho e Aguiar
Reginaldo Miranda
Foi um dos mais destemidos e
importantes militares do meio-norte brasileiro durante o primeiro quartel do
século XVIII. Nascido em 1666, provavelmente em 20 de agosto, dia consagrado a
São Bernardo, no calendário cristão. Embora exista uma informação em contrário,
foi no concelho de Vila Pouca de Aguiar, também terra de seu genitor Antônio
Silvestre de Aguiar, que viu a luz do sol pela primeira vez. A mãe, velha mãe
de têmpera portuguesa, cujo nome ainda não localizamos, era da tradicional
família Carvalho, do contíguo concelho de Ribeira de Pena, razão pela qual
aparece em um documento como natural desse concelho.
Foi na povoação natal que viveu
os felizes e despreocupados anos da infância, alternando os estudos que lhe
eram oferecidos com as brincadeiras típicas de criança do seu tempo.
No entanto, em 1685, aos dezenove
anos de idade, embarcou em um navio para o porto da Bahia e dali passou ao
sertão de Rodelas*, onde iniciou-se no criatório bovino e, mais tarde,
alistou-se na carreira militar. Em depoimento prestado na cidade de Olinda, em
12 de julho de 1701, como testemunha de Manoel Álvares de Souza para instrução
processual em habilitação do Santo Ofício, ele foi qualificado como coronel,
cristão velho, casado, natural da Ribeira de Pena**, e de presente morador no
rio de São Francisco da freguesia de N. Sra. da Conceição do Rodelas desde
dezesseis anos a esta parte, de idade que disse ser de 35 anos, pouco mais ou
menos, e que vivia de suas fazendas.
Nesse lustro inicial constitui
família, convolando núpcias com Mariana da Silva, de cujo consórcio tem ao
menos três filhos: Miguel de Carvalho e Aguiar, Bernardo Carvalho de Almeida e
Antônia de Aguiar, em benefício de quem pede tença, mais tarde casando com o
sargento-mor Manuel Xavier.
No entanto, é a partir de 1690,
aos 24 anos de idade, que se delineia claramente sua carreira militar, quando
em princípio do verão está exercitando o posto de capitão de infantaria da
ordenança comandada pelo capitão-mor do Piauí José Garcia Paz, em luta contra a
nação Paracati, também chamada Pracati, Precati ou Percati, que na defesa de
suas tabas, entre os sertões de Parnaguá e o do Médio São Francisco,
levantara-se em guerra contra o invasor lusitano. Nessa campanha portou-se com
bravura fazendo-se notar pelo ardor e denodo com que se lançara no campo de
batalha por mais de seis meses consecutivos, matando e aprisionando quase todos
os indígenas. Numa ocasião pendenciou por mais de quatro horas, com grande
ânimo e valor, diria mais tarde o comandante da tropa, fazendo o mesmo em
muitos outros assaltos e rebates que houve ao longo da campanha. Também, passou
a governar no arraial que fundara, os prisioneiros com zelo e prudência, apesar
de sofrer uma emboscada pelos mesmos que quase tira-lhe a vida no ardor da
juventude (PT/TT/RGM/C/0008/380651. Registo Geral de Mercês, Mercês de D. João
V, liv. 8, f.524v; AHU. ACL. CU 009. Cx. 12. D. 1199).
Em maio de 1692, combatendo os
Crateús rebelados no nordeste do Piauí, fez à sua custa uma entrada com
soldados pedestres e gente montada a cavalo, pelo então chamado Sertão das
Cajazeiras, oportunidade em que descobriu umas terras novas nos riachos Cabeça
do Tapuio, Sambito e Poti, em que situou fazenda pondo gados seus e levantando casas
fortes e guarnições para a defesa, com muito dispêndio da sua fazenda, diria
ele mais tarde. Essa fazenda, em que morou por três anos, situando-a com grande
labor, foi a Cabeça do Tapuio, que deu origem à atual cidade de São Miguel do
Tapuio (PT/TT/RGM/C/0008/380651. Registo Geral de Mercês, Mercês de D. João V,
liv. 8, f.524v).
Em 1695, fazendo nova entrada
descobriu outras terras novas no lugar chamado os Alongazes, junto à Serra do Goapava, hoje Ibiapaba, para
isso organizando tropa com muitos soldados mantidos à sua custa. E as povoou
com gado e negros escravos de sua propriedade, dando-lhes todo o sustento,
armas e munições para habitação, com seu exemplo também estimulando outros
denodados conquistadores que em pouco tempo situaram mais de quarenta fazendas
nessas novas terras recém descobertas, disto resultando utilidade para a Bahia
e Pernambuco pela abundância de gados, e à Fazenda Real pelos dízimos
recebidos. No entanto, embora aí situando fazenda no referido ano de 1695,
somente vinte e três anos depois, em 1718, é que lhe foi concedida a sesmaria,
com três léguas de comprido e uma de largura, localizada no Sertão dos
Alongazes, em um riacho cujas vertentes desaguavam no rio Jenipapo, cujo sítio
o situou sob a invocação de Santo Antônio, onde construiu casa, currais,
fábricas de criados e estabeleceu escravos, gados, cavalos e o mais necessário.
Essa fazenda Santo Antônio, antiga Bitorocara, é a origem da cidade de Campo
Maior. Portanto, remonta há mais de 322 anos a tradição do padroeiro Santo
Antônio nas cabeceiras do Longá (PT/TT/RGM/C/0008. Registo Geral de Mercês,
Mercês de D. João V, liv. 8, fl. 509v).
Em retribuição aos eloquentes
feitos praticados na guerra contra os Paracatis, que travara sob o comando do
coronel José Garcia Paz, em 1696 foi pelo governador de Pernambuco nomeado
capitão-mor da infantaria da ordenança do distrito da Cachoeira até a povoação
do Rodelas, cuja patente foi confirmada por El Rei em 15 de outubro de 1700
(PT/TT/RGM/B/0014/7301. Registo Geral de Mercês, Mercês de D. Pedro II, liv.
14, f.122v).
Com a calma que seguia a bacia
parnaibana, em 1697, no posto de capitão-mor vai ele acompanhar e dar segurança
à comitiva de seus primos e conterrâneos, os padres Miguel, Tomé e Inocêncio de
Carvalho, que vinham instalar novas freguesias nos sertões do Piauí e do rio
São Francisco. No entanto, enquanto os religiosos faziam as tratativas de
instalação da nova freguesia da Mocha, parece que ele ausentou-se ligeiramente
para tratar de assuntos urgentes, porque não está entre aqueles que firmaram a
ata de instalação. Em seguida, com alguns de seus soldados acompanha a comitiva
dos religiosos até a Barra do Rio Grande do Sul, em Pernambuco, hoje Bahia.
Dali, tornou com o padre Inocêncio de Carvalho, acompanhado de soldados com
armas e munições, para protegê-lo na desobriga que fizera pelos confins do Rio
São Francisco, Rio Grande, Rio Preto e Lagoa de Parnaguá.
No ano de 1698, exercitando o
posto de capitão-mor do distrito da Cachoeira e povoação dos Rodelas, com
autorização do Administrador das Minas de Salitre, Pedro Barbosa Leal, partiu
com o Ajudante e Mestre delas em diligências e pesquisas por diversas serras no
sertão do Buíque, em busca de novas jazidas, em cuja missão passou cerca de um
mês, sempre no propósito de bem servir ao Estado e aumentar os rendimentos da
Real Fazenda. Foi, assim, um grande servidor da pátria.
No ano de 1701, Bernardo de
Carvalho caminha em diligência mais de 280 léguas, com quatro homens brancos e
dois escravos, para levar em segurança um comboio de seis criminosos que haviam
sido presos pelo capitão-mor do Rio Grande, Manoel Álvares de Sousa, desde
aquele distrito à cadeia do Recife. Foi nessa oportunidade que prestou o
referido depoimento em Olinda, em 12 de julho daquele ano, como testemunha do
capitão-mor Manoel Álvares de Souza, residente em Parnaguá, em processo de
habilitação para familiar do Santo Ofício. Disse que correspondia-se com ele a
sete anos, certamente sobre assuntos militares.
Em 1707, estando nas Minas foi
eleito para juiz de uma vila que desejavam erigir os moradores do Coité, sem
autorização de el rei ou do governador. Então, além de rejeitar o cargo
conseguiu apaziguar os moradores rebelados.
Esse trabalho de segurança do
sertão o fez por diversas vezes, a exemplo de 1710, quando o então coronel
Bernardo de Carvalho foi encarregado pelo Ouvidor-geral do Maranhão, Euzébio
Capelly, que passara em diligência ao Piauí, de fazer várias prisões de
delinquentes, tarefa que executou com risco da própria vida, surpreendendo os delinquentes
à noite, por serem suspeitos de fuga. Nesse mesmo ano, sob ordens do
mestre-de-campo Antônio da Cunha Souto Maior, executou uma determinação do
governador e capitão-general para fazer o descimento dos índios Caratiús,
também chamados Crateús, de suas antigas aldeias para o arraial de N. Sra. da
Conceição, onde morava aquela autoridade e seriam entregues ao capelão Frei
Manoel de Jesus Maria, religioso de N. Sra. das Mercês, se o seu capelão não
quisesse vir, por ser mais conveniente ao real serviço. Executou essa tarefa
com grande zelo, juntando os índios na aldeia principal e em outras partes em
que estavam espalhados num raio de setenta léguas, pelas cabeceiras do Poti,
conduzindo-os e os sustentando, à sua custa, até o dito arraial em número de 145,
que foi o dos indígenas descidos (PT/TT/RGM/C/0008/380651. Registo Geral de
Mercês, Mercês de D. João V, liv. 8, f.524v).
Nesse mesmo ano de 1710, recebeu
a visita do Pe. Tomé de Carvalho e Silva, com ele se comprometendo a construir
igreja e ajudá-lo a fundar a nova matriz de Santo Antônio, a segunda a ser
criada no Piauí. Sobre o fato, assim anotou o referido vigário:
“Indo a esta parte, convoquei os principais moradores e, tomando-lhes os seus votos na parte em que havia de erigir a nova Capela, que por invocação tem o nome do glorioso Santo Antônio, lhe não achei possibilidades para fazerem, dando-me várias desculpas pelos poucos escravos que tinham, e estando ocupados em fazendas que tinham os donos na Bahia e que as não podiam desamparar. Nestes termos me vali do Coronel Bernardo de Carvalho que, com pronta vontade buscou um carpina a quem pagou, e foi pessoalmente com seus escravos ajuntar as madeiras e os mais materiais, trabalhando o dito com grande zelo. E, com efeito, fez a Capela à sua custa, tanto de escravos como gados, farinhas e dinheiro. E o acho com ânimo de gastar nela cabedal. Outrossim se me ofereceu com o gado que necessitasse para a nova ereção desta matriz de Nossa Senhora da Vitória, e me prometeu 200$000 (duzentos mil reis) para a Custódia, para a dita matriz, e que se custasse mais o daria” ( Pe. Tomé de Carvalho, Doc. de 20/4/711. In: MELO, Pe. Cláudio. Bernardo de Carvalho).
Por outro lado, o serviço do
coronel Bernardo de Carvalho e Aguiar vai se fazer essencial com o Levante
Geral dos Índios que teve início em 12 de julho de 1712, também conhecido como
Revolta de Mandu Ladino, levando terror e aflição ao colonizador lusitano.
Nesse dia, foi assassinado no referido arraial da Conceição, pelos indígenas
levantados, o mestre-de-campo Antônio da Cunha Souto Maior e mais parte da
infantaria que estava em sua companhia, continuando o levante, praticando
estragos em toda a parte, de forma a colocar a capitania em total ruína. Então,
de imediato, a população temerosa da própria vida, em eleição realizada na casa
do capitão-maior Dâmaso Pinheiro, elege Bernardo de Carvalho, por cabo-maior da
tropa de guerra e o governador Christóvão da Costa Freire o nomeia para o posto
de mestre-de-campo da conquista em 30 de dezembro de 1712, para fazer a guerra
e livrar a população da opressão que padecia (PT/TT/RGM/C/0008/380651. Registo
Geral de Mercês, Mercês de D. João V, liv. 8, f.524v).
De imediato, o novo
mestre-de-campo juntou para esse efeito toda a gente que lhe foi possível e com
ela perseguiu o dito gentio, matando uns e aprisionando outros no primeiro
recontro que com eles teve, sendo que algumas malocas conseguiram fugir para a
serra do Anacé, perdendo, porém, a bagagem, mais de duzentas cabeças de gado e
alguns cavalos que foram tomados pela tropa militar e devolvidos aos donos em
cujas fazendas os indígenas haviam furtado. Logo mais, teve notícia de que os
indígenas revoltados tinham sitiado a vila da Parnaíba, precariamente defendida
pelo capitão-mor João Gomes do Rego Barra. Então, reorganizou a tropa e marchou
com toda a pressa em auxílio daquele militar, para socorrer a nascente vila,
seguindo pela ribeira do Piracuruca, em cuja foz assentou presídio deixando-o
fortificado de soldados e todo o mais necessário. Continuando a sua diligência,
levantou o cerco indígena à referida vila, depois de ligeiro combate a uma
maloca, onde matou e aprisionou a todos, sem deixar escapar ninguém. Na
perseguição que fez aos demais, os obrigou a bater em retirada até alcançarem
uma ilha aonde não podiam ser acometidos. E diante dessa dificuldade lhes
mandou um intérprete para os poder reduzir à paz, o que, de fato, conseguiu,
aceitando aqueles a presença de um religioso em sua aldeia para os doutrinar.
Declarou ter investido nesta campanha mais de três meses, sustentando a todos
com mantimentos, munições e maior parte das armas à sua custa
(PT/TT/RGM/C/0008/380651. Registo Geral de Mercês, Mercês de D. João V, liv. 8,
f.524v; AHU. ACL. CU 009. Cx 012. D. 1199).
Nesse mesmo tempo, por ordem do
governador do Maranhão prendeu o capitão-mor Pedro da Cunha Souto Maior, por se
entender ser cúmplice no levantamento do dito gentio e morte de seu irmão, o
mestre-de-campo Antônio da Cunha Souto Maior, levando-o preso ao Maranhão, com
gente armada à sua custa. E por ordem do Provedor da Real Fazenda, fez execução
nos bens do falecido mestre-de-campo, pondo-os em boa arrecadação para
pagamento de considerável dívida que aquele ficara devendo à Real Fazenda
(PT/TT/RGM/C/0008/380651. Registo Geral de Mercês, Mercês de D. João V, liv. 8,
f.524v).
No ano de 1713, recebe em
sesmaria no lugar Campo Largo, por ele desbravado, uma porção de terra com três
léguas de comprido e uma de largura, que lhes foi concedida pelo governador
Christóvão da Costa Freire. Porém, sofre descaminho o pleito de confirmação no
reino, o que só foi resolvido em 4 de junho de 1739, depois de seu óbito, em
favor do filho Miguel de Carvalho e Aguiar, seu sucessor na posse e que renovou
o pleito(AHU. ACL. CU 013. Cx. 24. Doc. 2289).
No ano de 1714, marchou por
muitas serras e matos em busca do índio rebelado, pelejando com ele, matando a
maior parte e aprisionando cinquenta e três. Nessa campanha andou todo o
referido ano suportando grandes trabalhos e incômodos, animando toda a gente da
sua tropa nas ocasiões de maior aflição, mostrando nelas o seu grande valor e
zelo, cabendo de quintos à Real Fazenda 780$000, que renderam as presas desta
guerra cuja quantia remeteu ao Maranhão. Depois de finda esta diligência,
mandou o maior troço da tropa em seguimento dos outros tapuias, ficando ele com
o resto da gente no arraial. Então, adoecendo retirou-se às suas fazendas para
se refazer, tempo em que com mais força e prevenção dirigiu a guerra obedecendo
em tudo às ordens do governador. Nesse tempo, tomando conhecimento de que
chegara ao Piauí, o português Antônio Borges Marim, coronel das vilas de Santo
Amaro e Itabaiana, por carta de 13 de junho pediu que o acompanhasse nessa
guerra e no aldeamento dos Jaicós. Então, reunindo trezentos homens de suas
fazendas, Borges Marim seguiu ao arraial de Bernardo de Carvalho, onde uniu a
estes mais 120 homens armados, que tinham por cabo o tenente-coronel Manoel
Gonçalves Pimentel, moradores no distrito do Ceará, distante do dito arraial
cem léguas. E, de fato, subindo Parnaíba acima deu combate a muitos indígenas
revoltados e confederados, de cujo resultado fez pazes com os Jaicós,
aldeando-os no vale do rio Itaim, em terras dele conquistador, Antônio Borges
Marim (AHU. ACL. CU 009. Cx. 12. D. 1199).
Em 1715, o mestre-de-campo
Bernardo de Carvalho foi chamado pelo governador do Maranhão, para que, ambos,
unidos à gente de uma e outra parte fizessem guerra ao gentio que infestava os
rios Itapecuru e Mearim, que já haviam entrado pelo Piauí, matando aos
moradores e destruindo-lhes casas e fazendas. Então, reuniu e municiou o maior
número possível de gente armada que pôde fazer e marchou contra os mesmos,
dando-lhes combate e matando a quase todos, tanto que somente da nação Crateús,
escaparam 3 ou 4 velhos, sendo aprisionado todo o seu mulherio. E nas duas
outras nações Carius e Anacés, seus aliados, fez grande mortandade até os
obrigar a pôr em retirada, deixando em sossego os moradores que haviam escapado
da invasão, fazendo esta guerra à sua custa sem despesa alguma da Real Fazenda.
Ao contrário, obteve esta com os quintos das presas que ocupavam a Serra
Grande, a quantia de 5880$000, que levou ele pessoalmente ao Maranhão e se
carregaram em conta no Almoxarifado.
Em 1716, o gentio bravo roubou os
comboios que iam do Piauí para o Maranhão, que importavam mais de 50$000, sendo
a maior parte pertencente à Real Fazenda, inclusive ousadamente investiu contra
a casa forte do Iguará. Então, por ordem do governador do Maranhão, onde se
achava a fazer cruenta guerra ao dito gentio, marchou com a soldadesca que pôde
juntar contra a populosa nação Aranhi, pelejando com ela até a destruir
completamente, sem escapar mais que um índio que fugiu depois de atingido com
dois tiros, ficando todos os mais mortos, trazendo cativos apenas cinquenta e
dois infelizes, que entregou ao dito governador. Então, este os repartiu
pagando o quinto à Real Fazenda, havendo-se Bernardo de Carvalho em tudo o que
foi encarregado com muita satisfação, préstimo, despesa de sua fazenda e grande
zelo do Real serviço, conforme a confiança que sempre fizeram de sua pessoa.
Em face desses sucessos, foi
agraciado com o Hábito de Cristo, com 120$000 de tença por ano. E para
completar os 600$000 que lhes foi deferido, mandou-se-lhe passar padrão de
480$000 pela repartição do reino, em nome de sua filha Antônia de Aguiar.
Em 29 de novembro de 1718, foi
confirmado no posto de mestre-de-campo da conquista das capitanias do Maranhão
e Piauí, em que já estava anteriormente provido pelo governador daquele Estado,
com o mesmo soldo que se deu ao mestre de campo dos paulistas, Manoel Álvares
de Moraes Navarro (AHU. ACL. Maranhão. Cx. 12. Doc. 1204).
Nesse ano, elaborou plano de
reestruturação da capitania, então criada, cujo território estava bastante
devastado por mais de cinco anos de levante geral do tapuia rebelado contra a
opressão do colonizador. Em decorrência, muitos fazendeiros abandonaram suas
propriedades, mais de cem léguas de terras, com enormes prejuízos para si e
para a Real Fazenda, alguns tendo sido assassinados, suas casas e plantações destruídas
diante da ira do indígena rebelado. Foi assassinado o padre Amaro Barbosa,
depois de morto foi retirado o seu coração, quebrando-se também as pernas e
rostos das imagens sagradas de sua capela, fato que escandalizou a todos.
O plano de defesa e restruturação
da capitania do Piauí submetido ao rei D. João V, consistia em recompor o
exército que houvera de moradores, de quatrocentos índios para cima, fora os
brancos, tirando-se estes das aldeias de Camarão, até o Ceará em que haviam
muitos, e do Rio de São Francisco, escolhendo-se das ditas aldeias, os que
fizessem menos falta nelas; que se anexasse a aldeia de Ibiapaba à jurisdição
da Capitania do Piauí; e que para ajudar na dita expedição fosse da Capitania
de São Luís do Maranhão, alguma gente paga, já experimentada nesta guerra, e
que em seu lugar fosse ele levantar quarenta até cinquenta soldados da gente
desocupada e vadia para irem guarnecer a dita Capitania de São Luís e
recomporem as companhias dos soldados; e lhes fossem atendendo-se às suas
razões, por ser esta a única guerra que havia no Estado do Brasil, ocasionando
tantas ruínas nas três capitanias do Maranhão, Piauí e Ceará; e com as muitas
mortes que nelas tem executado, fazendo-se preciso que nelas se pusesse todo o
cuidado, porque havendo o menor descuido nesta matéria se põem em risco as
ditas capitanias, havendo já ocupado no Piauí, uma grande parte do País tão
pingue e extinguindo mais de cem fazendas, dissera ele ao rei.
Então, por deliberação do
Conselho Ultramarino de 3 e 10 do mês de outubro de 1718, foi aprovada a dita
proposta a fim de diminuírem as perdas que se tem sentido, e se evitarem as que
presentemente muito se podem recear e para que se estabeleçam as ditas
capitanias com maiores utilidades para os vassalos delas, e se aumentar a Real
Fazenda, domando-se os ditos índios, tendo o rei D. João V baixado provisão em
20 de outubro do mesmo mês e ano, ordenando ao governador de Pernambuco, que
pela parte que lhe toca, assista ao dito mestre-de-campo com os socorros mencionados
na sua proposta dando-lhe os índios que nela insinua das aldeias que refere,
para que desta maneira se engrosse o nosso poder para termos o encontro e
pelejarmos com os índios nossos contrários; para esse efeito, mandou também que
se desanexasse da Capitania do Ceará a aldeia da Serra da Ibiapaba, passando à
jurisdição do Piauí, e que o dito mestre-de-campo Bernardo de Carvalho e
Aguiar, possa nela levantar quarenta até cinquenta soldados da gente mais
desocupada e vadia que há nela, e desta vão servir em a Capitania de São Luís
do Maranhão, mandando-lhe dela o governador e capitão-general do Maranhão,
Bernardo Pereira de Berredo, o mesmo número de soldados já experimentados para
com os sessenta que estão destinados para esta guerra completasse o número de
cem; nesta consideração recomendando ao governador que assim o executeis pela
parte que lhes toca, assistindo ao dito mestre-de-campo com os socorros que
pede negócio tão importante e de tantas consequências, advertindo-o a executar
esta disposição inviolavelmente porque do contrário receberia ele governador um
grande desprazer; e para que a todo o tempo constasse o que neste provimento
mandou observar, o obrigou a registrar as ordens nos livros da secretaria do
governo e mandar certidão de como assim obrardes (AHU. ACL. CU 013. Cx. 24.
Doc. 2289).
Embora exercesse de fato o posto
de mestre-de-campo da conquista desde a morte de seu antecessor, Antônio da
Cunha Souto Maior, em 1712, por nomeação do governador do Maranhão, somente em
setembro de 1720, assentou ele praça do dito cargo em atenção à referida
confirmação de Sua Majestade em 1718. Embora essa confirmação tenha se dado um
pouco antes, devido ao levante geral dos índios, somente nesta data pôde ele ir
a São Luiz para a formalidade legal de posse e para acertar com o então
governador e capitão-general do Estado, Bernardo Pereira de Berredo(1718 –
1722) sobre a continuidade da guerra contra o gentio de corso e a paragem mais
conveniente para assentar o arraial efetivo em que devia estacionar as tropas
militares, a fim de combater com prontidão e celeridade os insultos e
hostilidades do dito gentio. Porém, em sua audiência com o governador este
alegou a ausência das demais pessoas experientes que foram convocadas para a
decisão, tendo em vista a vizinhança do inverno. Em suma, adiou as ações do
mestre-de-campo para o início do verão subsequente, o que o desagradou. De toda
forma, ao retornar à sua fazenda nas cabeceiras do Longá, recebeu Bernardo de
Carvalho da Provedoria da Real Fazenda, modesta quantidade de munições de
pólvora, bala, armas e mantimentos, além de trinta soldados pagos e um cabo
daquela guarnição, para a prevenção de qualquer encontro, que acontecesse com o
dito gentio ou para rechaçar alguma invasão que sucedesse fazer-lhe os indígenas.
No entanto, insatisfeito com essa
inércia do governo maranhense busca ele ajuda junto ao governador de
Pernambuco, pedindo mais munições e aprestos de guerra. Sabedor desse fato, o
referido governador do Maranhão e o Provedor da Real Fazenda, Jacinto de Morais
Rego, escrevem ao Conselho Ultramarino e ao governador de Pernambuco tentando
sabotar as diligências do militar piauiense, a fim de não parecerem culpados.
Nesse contexto também se queixam de que Bernardo de Carvalho estava abrigando
em sua residência e fazenda, o bacharel João Mendes de Aragão, que fora
ouvidor-geral do Pará. Este era franco adversário daquelas autoridades e fora
antes abusivamente preso e colocado sob ferros pelo governador Berredo. Então,
o rei censurou o governador e deu salvo conduto para que o ouvidor fosse para
Pernambuco, onde tinha domicílio e família, ou se quisesse que fosse para o
reino. Naquela altura estava o mesmo sob a proteção do mestre de campo, que o
abrigara em sua fazenda. A verdade é que Bernardo de Carvalho e o governador
Berredo nunca se entenderam bem, existindo mesmo grande animosidade entre ambos
(AHU_ACL_CU 013, Cx. 7, D.591; Cx. 13, D. 1301).
Em 1722, Bernardo de Carvalho
parte para o sertão de Parnaguá, a cento e cinquenta léguas de São Luiz, em
guerra contra o índio de corso Paracati, então designado Percati, dando-lhe um
primeiro combate em que não surtiu efeito algum por se espantar o gentio e
fugir. No entanto, em outras duas refregas foi o mesmo silvícola destruído e
morto, de maneira que não restaram mais que sete, que foram aprisionados. Nesse
mesmo ano gastou todo o mês de novembro em guerra contra os gentios de corso
Guegué e Acoroá, a pedido dos moradores de Parnaguá. Então, por conta de
inimizade, aproveitando-se da ausência do mestre-de-campo, o governador Berredo
lança bando convocando as tropas para uma mostra geral de pagamento em 27 de
fevereiro de 1722. Ao fim dessa, embora com o parecer contrário do vedor geral,
Dr. Francisco Machado, mandou dar baixa nos soldos do militar com infundados pretextos
de que o mesmo não estava em serviço militar, e sim situando fazendas e
despachando boiadas para as Minas. Posteriormente, atendendo a recurso de
Bernardo de Carvalho, foi esse ato reformado, depois de seis anos de
justificativas, oportunidade em que o sucessor de Berredo disse que tudo era
fruto do ódio e inimizade que o antecessor nutria contra Carvalho, o que se
comprovava pelos anteriores capítulos de culpa que se lhe dirigira (AHU_ACL_CU
016, Cx. 1, D.41).
Em princípio do ano de 1724, o
mestre-de-campo Bernardo de Carvalho e Aguiar parte em diligência para o
Maranhão, a chamado do governador e capitão-general João da Maya da Gama(1722 –
1728), para dar combate ao gentio bárbaro.
E no comando de cem soldados da infantaria paga da guarnição de São
Luiz, que lhes foram entregues fez diligências e assentou arraial no sertão
longínquo. Em seguida, por ordem da mesma autoridade partiu em outra importante
diligência de que retornou no início do inverno, quando aquela autoridade se
encontrava no Pará. Então, quando organizava a pequena tropa que o acompanharia
em seu retorno ao Piauí, enfrentou conflito de jurisdição com o capitão-mor D.
Francisco Ximenes de Aragão (AHU_ACL_CU 009, Cx. 13, D. 1391).
No primeiro trimestre de 1725, ao
passo em que pleiteia o pagamento de soldos atrasados busca também o aumento
dos mesmos, visto ter sido nomeado em 1718, com o soldo que lograva o
Mestre-de-Campo dos paulistas no Assu, Manoel Alves de Moraes Navarro, que era
de 23$200rs (vinte e três mil e duzentos reis) por mês, o mesmo que naquele
tempo também percebiam os mestres de campo da praça da Bahia. E porque esses
últimos conseguiram um aumento remuneratório, também pleiteou a eles
igualar-se, justificando que “com maior razão por estar continuamente lidando em
uma guerra viva contra o gentio de corso comprando cavalos por exorbitantes
preços para as conduções de sua comitiva, empregando os seus próprios escravos
nos choques e ocasiões militares, sustentando-os e vestindo-os à sua custa, e a
muitos soldados pobres, pois entrando pela campanha não tem mais abrigo e
amparo que o do suplicante em que faz a mais considerável despesa, que não
experimentam os referidos mestres de campo” da Bahia. Nesse tempo, seu filho
Miguel de Carvalho e Aguiar, natural do rio de São Francisco, capitão da
conquista que iniciara a carreira militar ao lado do pai em 1715, solicita
confirmação no dito posto para o qual havia sido nomeado no ano anterior. Em 4
de junho de 1739, esse mesmo filho vai adquirir carta de sesmaria no Arraial Velho,
margem do rio Parnaíba, alegando que o seu falecido pai já a tinha adquirido em
1713, sendo o documento desencaminhado (AHU_ACL_CU_009, Cx. 14, D. 1445 e 1453.
Cx. 26, D. 2718).
Paralelamente a essa ação
militar, Bernardo de Carvalho foi um grande empreendedor, situando diversas
fazendas em Pernambuco, Piauí e Maranhão. Também, benemérito da Igreja, tendo
ajudado a construir e manter diversos templos religiosos.
Infelizmente, em novembro de 1729
Bernardo de Carvalho e Aguiar está sendo vítima de ação executiva em que perde
duas fazendas de gado e suas fábricas, para ressarcir a Real Fazenda em cinco
contos, trezentos e nove mil, quarenta e dois reis, como fiador de João de
Sousa da Silva, Tesoureiro da Alfândega da Bahia(AHU_ACL_CU_016, Cx. 01, D.
53).
Desgostoso por tanta ingratidão e alquebrado pelas inúmeras
campanhas militares, se retira então para a fazenda São Bernardo, de sua
propriedade, no outro lado do rio Parnaíba, hoje cidade de São Bernardo, no
Maranhão, onde falece em março de 1730, aos 64 anos de idade, deixando larga
folha de serviços prestados ao Estado. É considerado o fundador das cidades de
Campo Maior e São Miguel do Tapuio, no Piauí, São Bernardo, no Maranhão e o
idealizador de Caxias, também no Maranhão, além de elemento importante na
pacificação e assentamento da base colonial portuguesa na bacia parnaibana. Foi
um homem do seu tempo, nem santo e nem demônio, eu diria um competente militar
que bem serviu à sua pátria dentro dos moldes que lhes foram traçados. Merece
figurar na galeria dos grandes construtores de nossa nacionalidade.
NOTAS:
* Bernardo de Carvalho e Aguiar,
fixou sua residência inicialmente no Rio São Francisco(Sertão de Rodelas), e não
na cidade da Bahia, como dissera o Pe. Cláudio Melo.
**Embora tenha sido qualificado
nesse documento como natural de Ribeira de Pena, terra de sua genitora, também
aparece em diversos outros como natural de Vila Pouca de Aguiar, terra de seu
genitor, ambas contíguas e situadas no arcebispado de Braga, norte de Portugal.
REGINALDO MIRANDA é advogado e
escritor, membro da Academia Piauiense de Letras, do Instituto Histórico e
Geográfico Piauiense e do Tribunal de Ética e disciplina da OAB-PI.
Nenhum comentário:
Postar um comentário