terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

Ouves?

Fonte: Google

Ouves?


Rosal Benvindo

''Fecho os olhos
E encosto a concha do búzio
Na concha de minha orelha''
No sono antes infringido
Dormi um instante o ouvido
Aos búzios de Elmar Carvalho
E que dizem os búzios?
Invisíveis moluscos deste litoral
Veladas areias de Fortaleza
Eu estivera fosco ao que dizem
Tosco ao sonoro
Ás auréolas imemoriais dos búzios
E tão pouco os escutei
Fragmentos de signos antigos
Celulares micro búzios do esquecimento
Acordei sobressaltado
Ao sol da cidade
E não havia búzios que falam
Aos ouvidos de homens surdos
Que disseram teus búzios
poeta Elmar Carvalho?
Que mais diriam
Se eu os escutasse plenamente?
Arranho rastros no sopro das dunas
E no vapor da ausência
Evanesce o som que perscruto
Que disseram teus búzios?
Que diz o gris
Das espumas de Iracema?
Que diz o concreto da elegância
Nos edifícios do Meireles?
Que disseram teus búzios?
Que diz o emaranhado de pelos
Nos braços vermelhos de meu pai
Em que cada enrolar-se
É senão um verso?
Que diz o cheiro adocicado
De cebola e almoço
Nas mãos de Mundica às 11 horas?
Questiono ao mundo
Que disseram os búzios?
Que dizem os coisificados
E as coisas simples
Na placidez de suas iconografias?
Que dizem as moças
Que transitam esquisitas
E seus olhos de esfinge
Por serem moças ainda?
E em sua esfinge superior
Que diz a mulher madura?
Que diz a balzaquiana?
O acadêmico absoluto
Suas referências frígidas
Entretanto intocáveis
De paráfrase e citações
Que diz sua voz?
Sabe ainda o acadêmico
Que tem voz?
O olhar materno
Para o velho retrato
Do filho perdido
Em termos confusos
Que diz o silêncio
De um morto
À sua mãe?
O feto do mar abissal
Que um escafandrista gerou
Sozinho e em sonho
Nada diz?
A quem sussurrara
O primeiro isolar-se
Na claustrofobia das tintas
Dos depósitos e salas e cozinhas
E organizadíssimas camas
Das casas brancas de família?
Que dizem os fantasmas
Nos tetos destas casas?
Que dizem os analistas
Dos testes psicométricos
De concursos públicos e colégios?
Aos que praticam Cooper
E às marcas dos sadomasoquistas
Que dizem as passarelas de asfalto
Os instrumentos fálicos
Chicotes e tênis gastos?
Que diz o couro e o látex
Nos preservativos e bustos?
Questiono ao mundo
E o mundo diz o mínimo:
Tampouco sei
Poeta Elmar Carvalho
Que disseram os búzios?
A lâmpada queimada de instante
no quarto imensamente noturno
Do menino que é o único
E da septuagenária viúva
Que diz o escuro ao escuro?
E que diz o escuro do útero
Ao íntimo óvulo?
Finda a guerra
Que diz o nascituro
Ao gêmeo natimorto
No escuro do útero?
Que diz a fibra grotesca
Dos nervos encrespados
Do gato que nunca morre
O gato que permanece gerúndio
Morrendo infinitamente
Na mais fina ironia dos posfácios?
Que diz a insistência
Do mal poeta noviço?
E o gênio que nada escreve
Quanto diz seu vazio?
Habitariam o não dito
Os poemas serenizados
Na perfeição da semântica
Submersa a toda linguagem?
Calariam a falha inescusável
Das palavras de Heidegger
Os poemas não escritos?
Que disse Rimbaud
Aos anos não escritos?
Porquanto observo
Todo luxo obscuro
Me é dado ouvir
Os ruídos mínimos
Do tampouco do mundo
Me é dado o nunca olvido
Ao muito intangível
O predestino de ser capaz
Do amor oblíquo
Como a Vinícius
Fora dado o predestino
E a prerrogativa de ofício
De ouvir o que diz
Aquilo que nada diz
E o que diz o silêncio
Dos poemas não escritos
Dormentes nos búzios 

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