terça-feira, 27 de março de 2018

AS ACADEMIAS E A INDIGÊNCIA VOCABULAR


AS ACADEMIAS E A INDIGÊNCIA VOCABULAR 

Valério Chaves 
Escritor, jornalista e desembargador inativo do Tribunal de Justiça do Piauí. 

O tema pode parecer recorrente, mas nem por isso deixa de ter sua importância para a preservação da língua portuguesa e da literatura nacional, principalmente nos tempos atuais quando assistimos, até mesmo por parte da classe dita culta, o pouco apreço ao gosto pela leitura e um inconcebível relaxamento ao significado, pronúncia e grafia das palavras - valores inalienáveis do patrimônio cultural brasileiro. 

Diante de tantas deturpações e modos expressionais de linguagem, seria pouco realista negar a existência de uma verdadeira epidemia vocabular a tomar conta de nossos jovens que, expostos às influências do processo de desconstrução do idioma nacional, são levados a excitar sua imaginação com palavras recheadas de gírias e expressões desprovidas de regras gramaticais ou de qualquer sentido lógico em relação principalmente à regência verbal e à beleza da língua que Olavo Bilac, do alto de sua sensibilidade poética, disse ser "A última flor do Lácio, inculta e bela" 

Em meio às barbaridades que são ditas e escritas por aí, parece que entre tantas outras, estamos vivendo, também, a crise do idioma que inspirou Machado de Assis na época da criação da Academia Brasileira de Letras (1897), cuja missão primordial era salvaguardar a língua portuguesa como elemento indispensável para confrontar pontos de vista, ampliar ideias sobre valores culturais, reforçar o humanismo e o pensamento crítico. 

Daí a importância das academias de letras na continuidade desse desiderato pelo aprimoramento da língua como instrumento de divulgação das ideias, das artes e das ciências, e nessa condição, isoladas ou em parceria com os órgãos políticos e governamentais, trabalhar no sentido de incentivar o debate contra a destruição da linguagem por quem não tem compromisso com a beleza das formas, com as obras da vida e com a profundidade da alma humana. 

Em verdade, nesse cenário de consideráveis desvirtuamentos pela intromissão de palavras e expressões advindas do desenvolvimento tecnológico e científico do mundo moderno, exsurge, mais do que nunca, a necessidade do idioma ser divulgado e explicado, a fim de permitir que o indivíduo se comunique consigo mesmo, como na expressão do psicanalista francês Jacques Lacan: "a língua está profundamente entranhada na constituição do indivíduo que, rebaixar e ridicularizar equivale menosprezar o ser humano". 

No mesmo sentido, o filólogo Cândido de Figueiredo no seu livro chamado "O que se não deve dizer" (1903), escreveu o seguinte trecho: "Quanto mais progressiva é a civilização de um povo, mais sujeita é a sua língua a deturpações e vícios, sob a variada influência das relações internacionais, dos novos inventos, das travancas da ignorância, e até dos caprichos da moda, tudo parecendo haver conspirado para dar curso às mais extraordinárias invenções e enxertos da linguagem". 

Acreditamos que somente com atitudes poderemos evitar o sucateamento do patrimônio cultural brasileiro e assim possibilitar que os jovens de hoje e de amanhã aprendam conjugar corretamente os verbos irregulares sem necessidade de apelar para os vícios como: imexível, convivível, houveram, manteu, interviu e outras variedades de termos como o "aliás e o "inclusive" inventados pelos "idiotas da objetividade", como diria o irreverente jornalista e escritor Nelson Rodrigues. 

Em defesa da razoabilidade, os linguísticos e os críticos mais afoitos dizem que os maiores prejudicados com a incorreção da grafia e da pronúncia das palavras de nossa língua são os estudantes, em razão da menor presença da literatura nas questões do ENEM e das universidades, quando da formulação das provas. 

Independente de quaisquer críticas, o que importa ressaltar é que o acesso ao universo da literatura como veículo de elevação mental de um povo e o uso obrigatório do idioma oficial previsto no artigo 13 da Constituição Federal da República Federativa do Brasil, são direitos fundamentais de todos os cidadãos brasileiros. 

Por essa razão, forçoso concluir que os Poderes constituídos, os operadores do direito, os professores do ensino fundamental e as academias de letras dentro do seu contexto geopolítico, precisam despertar maior reflexão sobre medidas que assegurem a utilização da língua portuguesa como base de preservação da soberania e identidade do país.  

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