domingo, 4 de março de 2018

Seleta Piauiense - Martins Vieira

Fonte: Google

O êxodo
(enxerto extraído de Canto da terra mártire)

Martins Vieira (1905 - 1984)

Inóspito sertão! Desoladas caatingas
de vãs superstições, bruxedos e mandingas
de duendes a carpir amaldiçoadas penas...
A voz dos candomblés, das rezas, das novenas.
crendices, benzições, dos hinos das igrejas,
sumiu-se, acompanhando as fosfinas andejas...

O êxodo começa! A secura dos ares
vem franzir no semblante as rugas dos esgares,
bem como se encolheu a bolsa dos minguados
vinténs, para trazer os ventres sossegados.

Lá vem a procissão sem fim dos retirantes:
São formas espectrais das fomes ambulantes,
sustidas, por milagre, em tão fanadas pernas...
Roncam peitos sem dor, sacudindo as cavernas...
sangrando estão seus pés e as unhas reviradas
vão “estrelando em sangue” o solo das estradas.

Mais uma vez, o Sol nasceu. Ei-lo que brilha.
Carrega-se de novo a reforçada pilha
que faz enlouquecer os nervos mortais...

Chumbou-se-lhe no peito o horror do “nunca mais”
naquela martelada hostil que além se alonga –
fantástica, febril, – o grito da araponga!

Foi rude esse momento. O retirante verga!
Recorda, com saudade, a pobríssima enxerga,
em que nasceu, cresceu, feliz, entre os mais velhos.
O golpe o derribou; fê-lo cair de joelhos
e a mão que, pressurosa, ia benzer-lhe o rosto,
desceu, grampando ao solo as unhas, com desgosto.

(Fonte: A poesia piauiense no século XX, de Assis Brasil)   

Nenhum comentário:

Postar um comentário