segunda-feira, 16 de abril de 2018

Lagoa do Portinho ao acaso

Lagoa do Portinho ao acaso 

Diderot Mavignier 
Historiador e escritor

Lagoa do Portinho / Parnaíba – Piauí. Bela manhã de inverno 11MAR2018 (Foto: Diderot Mavignier) Fonte de todas as fotos: Google/Portal Costa Norte

No ano de 1975, o governo brasileiro extinguia o importante Departamento Nacional de Portos e Vias Navegáveis – o DNPVN, autarquia do Ministério dos Transportes. Estava quase que decretada também a morte do nosso Rio Parnaíba e sua bacia hidrográfica, com maior prejuízo para o Baixo Parnaíba, aonde se encontra o seu Delta com os seus inúmeros igarapés e ilhas. Nesta época, a cidade de Parnaíba tinha a chave do Rio, era o motor da economia piauiense, e os portos de Tutóia, Parnaíba e Luís Correia recebiam anualmente a visita de centenas de navios nacionais e estrangeiros. Por conta do seu efervescente comércio, Parnaíba contava com consulados e representações de companhias internacionais de navegação. 

O DNPVN tinha, entre as suas competências, cuidar das hidrovias, e o Parnaíba estava permanentemente sob o seu olhar. E esse olhar era traduzido em cuidados efetivos como contenção de barrancos, retiradas de troncos de arvores, embarcações encalhadas e blocos de pedras, fixação de dunas móveis, construção de cais, abertura de canais (como o São José e Guirindó), dragagem do rio para retirada de bancos de areia, e muitas outras tarefas que significavam a saúde do Rio. Em Parnaíba, o DNPVN era representado pela Comissão de Estudos e Obras do Rio Parnaíba, órgão subordinado ao 3º Distrito sediado em São Luís, Maranhão. 

A Comissão, como era conhecido o DNPVN em Parnaíba, valia-se de um corpo de engenheiros, técnicos, topógrafos, desenhistas e maquinistas com grande conhecimento do Delta do Rio Parnaíba. Tinha sede aonde hoje tem endereço o IBAMA, na Avenida Nações Unidas, e impressionante oficina mecânica e estaleiro, onde foram construídos navios, como o Engenheiro Portugal, facilitador dos trabalhos. Além dos guindastes e de muitos outros equipamentos, contava com as dragas Rio Parnaíba e Teresina. Estas fizeram importantes trabalhos de aterramento, suprimindo alagadiços em áreas da cidade de Parnaíba, como as dos bairros Coroa (hoje N S do Carmo), e Quarenta (hoje Mendonça Clark). 

Além do Rio Parnaíba, o DNPVN também era responsável pela sua bacia hidrográfica, e nela estava a Lagoa do Portinho. Com o fim da autarquia, sem o seu atento parceiro, o DNPVM, o Rio e a Lagoa começaram a definhar. E é exatamente nas margens do Rio Parnaíba que nasce o principal problema da Lagoa – as dunas móveis. Com a ação socioambiental do homem, o Rio perde sua proteção vegetal, a mata ciliar, e assim, um volume considerável de areia é carreado para o seu leito. Como nenhum elemento da natureza aceita o que não é seu, o Rio leva esse material para o mar, que por sua vez joga na praia. Esta tenta se livrar dessa carga, e ao sabor dos ventos, a praia vai formar as dunas móveis. Junto a constante intervenção do homem na área da Lagoa, o desmatamento, a escassez de chuvas, os ventos fortes, o avanço das dunas, veio o abandono e o descaso por quase todo conjunto da sociedade, principalmente piauiense. 

Já em 2006, a Lagoa mostrava-se alterada. Neste mesmo ano, o Instituto Histórico Geográfico e Genealógico de Parnaíba, em parceria com outros órgãos, refez parte da batimetria realizada pela Prefeitura de Parnaíba em 1998. Com ajuda de barcos da Capitania dos Portos do Piauí, o reestudo mostrou o que não era visível, mas era sentido: pontos onde em 1998 alcançavam 8 metros de profundidade, agora eram somente 5; onde se media 5 eram 3; e onde era 3, a medição de 2006 verificou 1 metro apenas. Essa considerável redução na profundidade da Lagoa favoreceu rapidamente a diminuição de sua área, com a incrível colaboração das dunas móveis. 

Com o estudo, O IHGGP redigiu um documento intitulado Salvando a Lagoa do Portinho, entregue também no 2006 ao governador do estado do Piauí que desenvolveu projeto de fixação de dunas, não surtindo nenhum efeito esperado. Entre outras medidas, o IHHGP pedia a criação de um parque para a proteção da Lagoa e o seu entorno. 

Sem um relevante projeto de conservação, onde se envolvam os três grandes entes públicos, a bela e encantada Lagoa do Portinho ficará apenas nas fotografias e memória. Já o povo parnaibano terá como resultado de tudo isso, o trabalho de se livrar das dunas na área urbana de sua cidade. O futuro assistirá, já que a lenda conta que a invasão de dunas foi a maldição rogada pelos índios tremembés, ao serem expulsos do seu paraíso, o Delta do Parnaíba. Os tremembés amaldiçoaram sua antiga província, agourando que esta seria coberta por dunas de areia, fazendo o ocupante ter eternos trabalhos de retirá-las, mas sem sucesso. 

Lagoa do Portinho. Na cor clara, um mar de areia movido pelos fortes ventos NE. Google Maps, 2ABR2018
As dragas Rio Parnaíba e Teresina estacionadas em frente à Comissão. As lavadeiras faziam parte da cena.
A draga Rio Parnaíba auxiliando a retirada de troncos do leito do Rio Parnaíba. Relatório do DNPVN.
Abertura do Canal de São José com fixação de cortina de carnaúba. O canal refez parte do traçado do Rio Igaraçu, o braço mais Oriental do Delta parnaibano, e facilitou a navegação no trecho. Relatório do DNPVN.
Duna fixada pelo DNPVN, na década 1940. Luís Correia – Piauí. Foto: Diderot Mavignier.
Formoso manguezal às margens do Rio Portinho e BR-343. Para educação e respeito, deveria ter placa informativa e mirante para contemplação, pois o mangue é o berçário do mar. Foto: Diderot Mavignier.
Manguezal às margens do Rio Portinho e BR-343, no litoral do Piauí. Foto: Diderot Mavignier.
Placa da BR-343 que sinaliza o acesso a Lagoa do Portinho. A omissão do termo “lagoa” parece já prever o seu sepultamento. Foto: Diderot Mavignier.

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