quarta-feira, 22 de julho de 2020

Governos do Piauí: A Junta Trina (2.1.1775 - 19.12.1797) [Conclusão]

Mapa antigo do Piauí - Fonte: Google


Governos do Piauí: A Junta Trina (2.1.1775 - 19.12.1797)  [Conclusão]


Reginaldo Miranda*


2ª Fase: Ouvidores interinos e constantes mudanças (1778 a 1786).

Nessa segunda fase não houve um comando que se destacasse dos demais, embora o ouvidor interino presidisse a Junta Trina de Governo. Inclusive, essa divisão é meramente didática, a fim de analisar com mais clareza esse longo e obscuro período de quase 23 anos. Contudo, nos três primeiros anos dessa segunda fase, predominou a liderança do capitão Fernando José Veloso de Miranda e Souza, militar português chegado à Capitania com o governador João Pereira Caldas. De qualquer forma, os ouvidores interinos foram pessoas de muita credibilidade, como Manoel Pinheiro Ozório (1778), Domingos Barreira de Macedo (1779), Marcos Francisco de Araújo Costa (1780), Antônio Teixeira de Novaes (1780), Domingos Gomes Caminha (1780), João Ferreira de Carvalho (1781), Ignácio Rodrigues de Miranda (1782-1783), Dionísio da Costa Veloso (1785) e José Pereira de Brito (1785).

De qualquer forma, os cinco últimos anos desse período giraram em torno do militar Manoel Pinheiro Ozório, em perfeita sintonia com os ouvidores interinos.

Essa fase foi de violenta intriga entre a classe dominante piauiense, exacerbada com a prisão do Ouvidor Antônio José de Moraes Durão, alívio para uns, preocupação para outros, nesse último caso, principalmente para os que lhe seguiam. Em 23 de fevereiro de 1778, o general do Estado, Joaquim de Melo e Póvoas, responsável pela prisão do ouvidor, envia documentos ao secretário de Estado da Marinha e Ultramar, Martinho de Melo e Castro, acerca dos insultos do ouvidor, cotando cartas do então governador Gonçalo Botelho, ao Senado da Câmara de Oeiras, e também ao anterior general do Estado, sobre a conduta daquele. Enviou também os provimentos e capítulos de correição que o ouvidor deixara nos livros daquele Senado, bem como a insinuação de que o então governador Gonçalo Botelho, não deveria tomar o seu lugar entre o Senado e o pálio, nas procissões religiosas, assim como de outros excessos de poder, como extinção dos correios mensais e desvios de dinheiro, razão de sua prisão. Na verdade, o general do Estado não simpatizava com o comportamento do Ouvidor Durão. Então, instigado por João do Rego, que fora desacatado por aquele, e por isso garantia-lhe integral apoio da elite rural piauiense, sobre quem tinha certa predominância e estreito parentesco, efetuou o general do Estado a prisão do ouvidor e, em conseqüência, o afastou do cargo. Essas acusações que lhe eram desferidas, certamente nem todas eram verdadeiras, mas era preciso robustecer as provas contra aquele. Mais tarde diz o referido general do Estado, que a prisão do ouvidor titular e a nomeação do sargento-mor Manoel Pinheiro Osório, para substitui-lo interinamente, colocaram o Piauí em segurança e serviram ainda de exemplo para os ouvidores do Maranhão.

Por esse tempo o capitão Domingos Dias da Silva, abastado comerciante radicado na vila de S. João da Parnaíba, requere licença ao governo interino para comercializar diretamente com a Europa. E obtém a seguinte resposta:



“Carta para a Capitão Domingos Dias da Silva.

‘A carta de V.M.ce nos foi presente e da mesma forma o requerimento sobre a pretendida licença para a expedição do Barco Cantofé para a Europa e Corte de Lxª em cujo requerimento deferimos na conformidade das Ordens que achamos de nosso antecessor registradas nesta Secretaria sobre cujo deferimento não podemos adiantar mais circunstância alguma por não acharmos ditamen ou Resolução mais sobre semelhante objeto. Agradecemos muito as absequiosas atenções de V.M.ce e ficamos sempre gostosos em render a V.M.ce as nossas vontades para o que for de agradar a V.M.ce. Deus g.e a V.M.ce muitos anos. Oeyras 29 de novembro de 1778// Manoel Pinheiro Ozório/ Fernando José Velozo de Miranda e Souza/ José Rodrigues de Azevedo// Sr. Domingos Dias da Silva” (Casa Anísio Brito. Códice 151. p. 57).



Ainda nesse ano de 1778, uma das preocupações do governo interino do Piauí, era equipar a Companhia de Dragões com armamentos e munições, requerendo-as à Corte. Aliás, sobre a recuperação dessa companhia, em 4 de dezembro de 1780, o governo interino pede ao tenente João Leite Pereira de Castelo Branco, da vila de Valença, que lhe remetesse seis homens de boa estatura, de dezesseis a trinta anos de idade, acerosos de corpo e figura, brancos ou quase brancos, e de suficiente procedimento. Lembra-lhe que deveriam ser retirados daquelas famílias que contassem com mais de um filho (Arquivo Público do Piauí. Códice 151. p. 148/148v). Por aí se observa que a aparência era importante para a composição desse corpo de elite da Capitania. Contudo, em janeiro de 1781, o general do Estado trata com o governo interino do Piauí acerca da extinção da Companhia de Dragões do Piauí, conforme carta régia de D. Maria I, que deveria ser registrada nos livros da secretaria de Governo e da Real Fazenda.

Também requereram nesse período, ao secretário de Estado da Marinha e Ultramar, a criação de um hospício de religiosos capuchinhos na Capitania; e expuseram as dificuldades advindas da falta de padres para a assistência religiosa aos seus habitantes. De fato, desde a expulsão dos jesuítas que o Piauí vinha se ressentindo da presença de religiosos, inclusive nas missões indígenas. Por esse tempo, os católicos da vila de Campo Maior estavam lutando pela construção do templo de S. Antônio de Surubim. E objetivando angariar recursos, os irmãos e confrades da Irmandade de Santo Antônio, solicitam ajuda de custo à rainha, para as obras. Nesse mesmo período, as autoridades se movimentavam para, no termo da vila de Campo Maior, combater uma família de criminosos, apelidada de Mombassas, cujos membros praticavam desordens, espancando, verberando, ferindo, matando, queimando roças e extorquindo gado com sensível dano e escândalo dos bons vassalos.

Em 29 de dezembro de 1779, os oficiais do Senado da Câmara da vila de S. João da Parnaíba, solicitam à rainha D. Maria I, o livre comércio e navegação para o reino, alegando que seria de grande conveniência para o melhoramento da região. Por trás desse pleito está o espírito empreendedor de Domingos Dias da Silva, grande comerciante estabelecido naquela vila. Logo mais, ele solicita passaporte para se deslocar da vila de S. João da Parnaíba diretamente a Lisboa, tratando ainda dos direitos que foi obrigado a pagar no seu regresso, não tendo feito antes por falta de uma Alfândega. Por fim, solicita a criação dessa instituição em face do grande movimento que há no porto daquela vila. Em ofício de 14 de novembro de 1781, o general do Estado informa ao secretário de Estado da Marinha e Ultramar sobre essa pretensão.

E sentindo a já elastecida falta de um governador, assim como de ouvidor para o Piauí, o general do Estado do Maranhão e Piauí, D. Antônio de Sales e Noronha, solicita ao secretário de Estado da Marinha e Ultramar, a nomeação de pessoas para esses cargos, alegando aumento da violência na Capitania subalterna.

Em 23 de outubro de 1781, o general do Estado comunica o governo interino do Piauí, sobre a carta régia de D. Maria I, que determina a criação da Junta da Administração e Arrecadação da Real Fazenda do Estado do Maranhão e Piauí, à qual se encontra sujeita a da Capitania do Piauí, devendo enviar todos os documentos relativos ao rendimento da Junta da Fazenda. Por esse tempo é bom lembrar que as capitanias reunidas do Maranhão e Piauí, formavam um Estado unitário, separado do antigo Estado do Grão-Pará e Maranhão, tendo a primeira Capitania como cabeça do Estado e a segunda como subalterna. Dessa forma, o governador da Capitania do Maranhão, ocupava também o cargo de general do Estado, com jurisdição em sua Capitania e na do Piauí, que possuía seu governador subordinado no aspecto das armas, àquela jurisdição. Ainda nesse ano os moradores da vila de S. João da Parnaíba, solicitam ao general do Estado, a fundação de um convento ou hospício de religiosos capuchos assistidos pelo Convento de Santo Antônio, de São Luís do Maranhão, por se encontrarem muito afastados da Sé. Esclarecem serem necessários o máximo de doze religiosos para o bom andamento das atividades. E a 13 de novembro desse mesmo ano, o general do Estado repassa o pleito ao secretário de Estado da Marinha e Ultramar, Martinho de Melo e Castro. Finalmente, nesse ano o governador e capitão-general do Estado, remete ordens ao governo interino do Piauí, para que o gado piauiense fosse exportado para a cidade do Maranhão, pelo rio Itapecuru abaixo, aonde havia grande falta de carne, e por consequência, compradores certos e pronto pagamento. Para isso ordenou que se procedesse a um criterioso levantamento das fazendas existentes com a quantidade do rebanho e o nome de seus proprietários, a fim de se evitar fraudes, punindo-se os que se recusassem a remetê-los. É que o caminho natural da exportação do rebanho piauiense sempre fora a Bahia, afora o que saia pelo porto de Parnaíba. Como se vê era uma medida coercitiva (Arquivo Público do Piauí. Códice 151. P. 123/123v).

Logo mais, a 23 de novembro do ano de 1783, o governo interino do Piauí, comunica à rainha a falta de Bispo no Maranhão, e o mau procedimento dos eclesiásticos, que não cuidavam de seus deveres religiosos, preocupando-se apenas em adquirir riquezas. Nessa data o novo ouvidor ainda não tinha chegado ao Piauí, razão pela qual o governo interino solicita a nomeação de ouvidor letrado, a fim de coibir os crimes que se praticavam na Capitania, sendo, segundo ele, os ouvidores interinos leigos e ignorantes.

E as atividades vão marchando nesse sentido. É quando no penúltimo bimestre de 1781, foi nomeado novo ouvidor para a comarca do Piauí, Dr. José Pereira da Silva Manoel, que se demora mais de dois anos para assumir de fato as suas funções no Piauí. 

Essa autoridade, ainda na Corte, em novembro do mesmo ano, solicita à rainha D. Maria I, provisões com as mesmas graças que se concederam aos seus antecessores. Esse ouvidor nomeado, ainda na Corte, em março de 1782, solicita à rainha outra provisão para ocupar o cargo de provedor da Real Fazenda do Piauí, como ocorria com seus antecessores. E investindo-se nessas funções, tomou posse em agosto de 1784, nelas permanecendo até dezembro de 1790, por mais de seis anos. Infelizmente, não tardou a envolver-se no clima de intrigas que grassava na Capitania, indispondo-se, inclusive, com o general do Estado. Na verdade, aquela autoridade quase sempre usurpou poderes, às vezes agindo arbitrariamente e arrogando-se de atribuições que não possuía. Nesse período foram arbitrariamente presos diversos homens públicos do Piauí, inclusive membros do governo interino. Desde a fase anterior achavam-se presos em. S. Luís do Maranhão, os poderosos Luís Carlos Pereira de Abreu Bacelar e Francisco da Cunha e Silva Castelo Branco, ricos fazendeiros e chefes, respectivamente, das vilas de Valença e Campo Maior. Inconformados com essa prisão, expõem ao Conselho Ultramarino o procedimento e a violência com que aquela autoridade, juntamente com o ouvidor do Maranhão, os mantinha presos em segredo há mais de dois anos, bem como a seus criados e escravos, sem sentença e sem processo, negando-lhes os pleitos de livramento que tinham feito. E como solicitaram a liberdade, o Conselho Ultramarino, em 8 de janeiro de 1783, consulta a rainha sobre como proceder. Talvez em decorrência desse pleito, em 23 de maio de 1783, o ouvidor nomeado José Pereira da Silva Manoel, ainda na Corte, é autorizado para assim que chegar à colônia, i.é., à Capitania do Maranhão, tirar uma devassa contra o ouvidor dela, Julião Francisco Xavier da Silva Sequeira Monclaro. Ainda, em 3 de junho do mesmo ano, a rainha expede provisão ao ouvidor do Piauí, para assim que chegar à colônia, libertar o bacharel Miguel Marcelino Veloso e Gama, preso inocentemente no Maranhão. Também aqueles piauienses logo mais foram soltos. Tudo indica que todas essas prisões foram arbitrárias.

Absorvido em sua diligência no Maranhão, somente em 2 de agosto de 1784, o novo ouvidor José Pereira da Silva Manoel, toma posse em seus cargos no Piauí, através de procurador. Porém, só assumiu de fato suas funções no Piauí, em janeiro de 1786.

A fim de se demonstrar o prestígio e reconhecimento que gozava na Capitania o tenente-coronel João do Rego Castelo Branco, antigo membro do governo interino, em 29 de novembro de 1784, os oficiais do Senado da Câmara da vila de Jerumenha, solicitam um prêmio para ele e seus filhos, em reconhecimento pelos relevantes serviços prestados na guerra contra o gentio.

Em 12 de dezembro de 1784, o governo interino do Piauí, ainda ausente o novo ouvidor, comunica o secretário de Estado da Marinha e Ultramar, Martinho de Melo e Castro, as necessidades mais prementes da Capitania, tais como a falta de sacerdotes, cadeias e tropa paga, solicitando que ordene ao governador e capitão general do Estado do Maranhão e Piauí, José Teles da Silva, que faça uma visita ao Piauí para melhor se inteirar da precária situação local. A 22 de junho do ano seguinte, esta autoridade comunica àquela sobre a viagem que pretende fazer ao Piauí, em atendimento da solicitação. Nesse tempo o governo enfrenta sério atrito com o clero.

A 4 de janeiro de 1785, o governo do Piauí comunica ao secretário de Estado da Marinha e Ultramar, sobre as ordens dadas pelo governador e capitão general do Estado do Maranhão e Piauí, para que os bois das Fazendas do Real Fisco do Piauí fossem vendidos no Maranhão, em vez de irem para a Bahia.



3ª Fase: o comando do Ouvidor José Pereira da Silva Manoel (1786 a 1790).



Por fim, sob o comando do novo Ouvidor-geral, marcha a justiça e o governo interino do Piauí.

Pouco após a posse de fato daquela autoridade, em 13 de fevereiro de 1786, o general do Estado, participa ao secretário de Estado da Marinha e Ultramar, sobre o comércio de carnes e peles praticado na vila de S. João da Parnaíba e sua extensão a Lisboa, razão pela qual se fazia necessária a instalação de uma alfândega no porto local. E o informa também sobre as epidemias que fustigavam a população, em virtude da secagem das carnes. Nesse tempo João Paulo Diniz, lúcido empreendedor, investia no cultivo de tabaco, no termo da mesma vila. Em 1º de junho de 1787, os oficiais da Câmara de Oeiras, comunicam a rainha D. Maria I, a falta de uma casa da Câmara e de uma cadeia pública maior e mais segura, pois a existente permitia a fuga de criminosos. Por outro lado, em 30 desse mesmo mês e ano, o capitão general do Estado, comunica ao secretário de Estado da Marinha e Ultramar, a descoberta de quina nos sertões do Piauí, cuja casca era semelhante à da peruviana existente na Europa, remetendo-lhe amostra. Já em 1789, o Piauí está às voltas com ataques de índios no termo da vila de Parnaguá, e a deserção dos índios aldeados em S. Gonçalo de Amarante, já referida.

Dando sequência às intrigas, em 11 de setembro de 1786, o ouvidor-geral José Pereira da Silva Manoel, informa ao secretário de Estado da Marinha e Ultramar, que o Ajudante dos Auxiliares do Piauí, Antônio do Rego Castelo Branco, filho de João do Rego, era orgulhoso e vingativo, havendo se desentendido com o Bispo do Maranhão, D. Antônio de Pádua. Mais tarde, em 24 de março de 1787, volta à mesma autoridade para informar sobre o mau caráter do mesmo Ajudante, descrevendo o procedimento deste para destituir alguns religiosos e as ações praticadas contra o padre Dionísio José de Aguiar. Nesse tempo o Ajudante Antônio do Rego sustentava uma luta judicial contra o referido padre e outros elementos do clero. E o ouvidor tomara o partido dos religiosos. Em consequência fez-se inimigo de Antônio do Rego, que obteve licença da rainha para ir ao reino, tratar pessoalmente dessa sua querela no Piauí.

Nesse tempo, e por fruto de intrigas, os dois outros membros da Junta de Governo do Piauí, Manoel Pinheiro Osório e Antônio Alves Brandão, foram presos e remetidos para o Maranhão, por ordem do general do Estado, e sem motivo aparente. Então, a fim de não responder sozinho pelo governo interino, o ouvidor José Pereira da Silva Manoel, convoca para substituí-los, enquanto durassem as prisões arbitrárias, o Mestre de Campo João Paulo Diniz e o vereador Agostinho de Sousa Monteiro. Em seguida, a 11 de agosto de 1788, comunica esse ato ao secretário de Estado da Marinha e Ultramar. A fim de comprovar esse episódio, segue a ata de posse dos substitutos:



“Auto de posse. Ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos oitenta e oito anos aos quatro dias do mês de setembro do dito ano na Câmara desta cidade de Oeyras Capitania de Sam Joze do Piauhy, onde por aviso do Doutor Ouvidor geral corregedor da Câmara, e do governo interino da mesma Capitania, foram vindos o Mestre de Campo de Cavalaria Auxiliar, digo, de Cavalaria Ordenança João Paulo Diniz, e o vereador mais velho eleito de Barrete, Agostinho de Sousa Monteiro, e pelo mesmo Ministro José Pereyra da Silva Manoel, foi dito e declarado, que por estar cabalmente informado que o Sargento mor do Regimento Auxiliar Manoel Pinheiro Ozório, e o vereador mais velho Antonio Álvarez Brandão, que em virtude do Alvará perpétua de sucessão de doze de Dezembro de mil setecentos e setenta, por vacância do Governador proprietário desta Capitania servirão com ele dito Ministro com o mesmo puder, jurisdição, e Alçada, que competia ao mesmo Governador (ilegível) depois de serem presos na Câmara desta cidade, e mandados ir debaixo de homenagem, para a do Maranhão, sem se mostrar ordem de sua Mag.e retidos na referida Cidade de Sam Luiz do Maranhão, tudo por ordem do Ilustríssimo e Excelentíssimo Governador e Capitão general destas capitanias Fernando Pereira Leite de Fóios, por motivos que esse dito Ministro ignora: atendendo, e constando-lhe, que a destituição dos referidos Adjuntos dependia de maior demora por participação do mesmo Excelentíssimo governador e Capitão general, ordenando-lhe convocasse novos Adjuntos na forma da mencionada Lei, e que a dita justa, ou injusta detenção produzia impedimento efetivo, por se acharem fora desta Capitania, e por conseqüência sem ação de comando: devendo na conformidade do Alvará citado transmitir-se a jurisdição que lhes competia aos seus sucessores imediatos, que são o Oficial de guerra de maior, e mais antiga patente desta Capitania o Mestre de campo João Paulo Diniz, e o Vereador de Barrete Agostinho de Sousa Monteiro: e sobretudo atendendo, que o espírito do sobredito Alvará compreende a legitimidade do governo, verificando-se a jurisdição nas três pessoas em termos da Lei; que vendo o dito Ministro em tudo ir coerente com as Régias determinações constantes do referido Alvará pelas razões ponderadas e certeza moral que tem de estarem os sobreditos Adjuntos fora desta Capitania, dou posse efetiva e reconheço por legítimos Adjuntos deste governo ao Oficial de guerra de maior e mais antiga patente da Capitania João Paulo Diniz, e o Vereador mais velho Agostinho de Sousa Monteiro, que com efeito tomaram a dita posse na forma e estilo, dada pelo dito Ministro, e mais Oficiais da Câmara abaixo assinados, movidas as justas razões ponderadas debaixo de juramento do seus cargos, protestando em tudo cumprir as ordens de Sua Majestade, e para a todo tempo constar mandou fazer este auto em que assinaram com o dito Ministro, e Adjuntos, eu Manoel Antunes da Assunção, escrivão interino o escrevi. José Pereira da Sª. Manoel. João Paulo Diniz. Agostinho de Sousa Monteiro. Luís Pereira de Miranda. ... Luís Teixeira. Thomaz de Aqº Ozório. João Barbosa de ... Barros. Caetano Cea de Figueredo. Thomé do Rego Monteiro. Luiz P... Ferraz Porto. Antônio José Queiroz” (Arquivo Público do Piauí. Livro de Registro de Patente. pág. 7-8v).



Por esse tempo foram presos também os influentes capitães João Leite Pereira Castelo Branco e Manuel Antônio de Torres, todos membros da família Castelo Branco, sendo remetidos para o Maranhão. O mesmo destino teve o novo membro do governo, Mestre de Campo João Paulo Diniz, preso em 1790, todos por ordem do odioso capitão-general do Estado, Fernando Pereira Leite de Fóios. Nesse tempo o governo interino do Piauí recusa reconhecer o procurador fiscal nomeado pela Junta da Fazenda do Maranhão, fato que provoca controvérsia.

Nesse mesmo período, o ouvidor denuncia que testemunhas temem depor contra Antônio do Rego, com medo de vingança. Ao mesmo tempo, se queixa que o estão intrigando contra o aludido general do Estado do Maranhão e Piauí. Com efeito, em 19 de fevereiro de 1789, esta autoridade comunica ao secretário de Estado da Marinha e Ultramar, o espírito de intriga reinante na Capitania do Piauí, e denuncia a má administração do ouvidor-geral José Pereira da Silva Manoel, que segundo ele, tem agido como um déspota. Diz-lhe também acerca das medidas que tem tomado para apaziguar a grave situação piauiense. Nesse ínterim, o Ajudante Antônio do Rego, foi à Corte denunciar seus desafetos. No retorno, temendo represálias do Ouvidor, que prendia arbitrariamente a quem bem entendia, lembra à rainha que era cavaleiro professo na Ordem de Cristo, e que ela passasse ordem àquela autoridade para que se abstivesse de exercer contra ele qualquer jurisdição, ficando, em caso de culpa, submetido ao Bispo do Maranhão, por ser o juiz competente dos cavaleiros. Em resumo, esse período foi muito conturbado, com um grande foco de luta envolvendo o Ouvidor-Geral José Pereira da Silva Manoel e o Ajudante Antônio do Rego Castelo Branco, reeditando, assim, o conflito anterior entre o pai deste último e o Ouvidor Durão. Percebe-se ainda que de uma forma ou de outra a família Castelo Branco, a mais influente do Piauí de antanho, esteve em oposição ao Ouvidor-geral, tendo sido arbitrariamente presos diversos de seus membros. Mais tarde conseguiram a adesão ao seu partido, do general do Estado Fernando Pereira Leite de Fóios, que passou a perseguir o ouvidor, inclusive prendendo os outros dois membros do governo interino, que lhe eram ligados, conforme dissemos acima. Não temos dúvidas de que esses fatos foram preponderantes para a destituição do Ouvidor-geral, mesmo manifestando desejo de permanecer no Piauí, e seu consequente retorno a Portugal, donde viera.

Além dessa mesquinharia, nesse ano o governo retoma a campanha contra os índios chamadas das pimenteiras, estabelecidos no lugar de mesmo nome, nas cabeceiras do rio Piauí. Eram índios desconhecidos, chegados ao Piauí no final de ano de 1769, vindos de Pernambuco. Já haviam sido combatidos pelo tenente-coronel João do Rego. E ninguém conhecia seu idioma, nem mesmo as demais tribos estabelecidas no Piauí. Por essa razão, em 1790, o governo comemorou a captura de vinte membros dessa tribo pelo capitão Ignácio Rodrigues de Miranda, ex-Ouvidor-interino e membro do governo interino. Foram as presas distribuídas pelas casas de moradores de Oeiras, afim de aprenderem o idioma português e, assim, servirem de intérpretes nas campanhas posteriores. A subjugação total dessa nação seria completada no início do século seguinte, durante o governo de Carlos César Burlamaqui.

Um fato significativo acontecido nesse período, foi a nomeação de novo governador para o Piauí, D. Francisco de Eça e Castro, que tentara chegar a Oeiras em 1789, falecendo a caminho, em 15 de setembro desse ano.



4ª Fase: o comando do Ouvidor Cristóvão José de Frias Soares Sarmento (1791 a 1794).



A quarta fase do governo interino do Piauí, se inaugura com a posse do Ouvidor-geral Cristóvão José Frias Soares Sarmento, natural de Portugal, como os dois outros titulares que o antecederam, e também bacharel por Coimbra. Em meado de 1790, parte de Lisboa em rumo do Piauí, nomeado que fora para os cargos de Ouvidor-geral da Comarca do Piauí, e Provedor da Real Fazenda, que eram anexos. Assim como o antecessor, viera com a incumbência de se deter por algum tempo no Maranhão, a fim de investigar denúncias formuladas contra o juiz de Fora e Órfãos dali, Antônio Pereira dos Santos. Por essa razão, só tomou posse de seus cargos no Piauí, no início de dezembro daquele ano. Por força da lei de sucessão, assume a presidência da Junta Trina de Governo. Por esse tempo, em Portugal, um tal Francisco Agostinho de Melo Lobo e Meneses, tenente do regimento da Armada, solicita à rainha D. Maria I, sua nomeação para o governo do Piauí (23.11.1790), porém nada conseguiu. E não fora o primeiro com essa pretensão, pois poucos meses antes um sargento-mor do Terço Auxiliar de Vila Real, no reino, chamado Francisco Ferreira Nobre de Figueiroa, também solicita à rainha, o mesmo cargo.

Conforme foi demonstrado, o atrabiliário Fernando Pereira Leite de Fóios, governador e capitão-general do Estado, já havia prendido diversas autoridades do Piauí, inclusive os mais diversos adjuntos do governo interino. Pois ainda sustentava renhida contenda contra o Ouvidor-geral que presidia o mesmo governo, José Pereira da Silva Manoel, acusando-o, inclusive, de má gestão da justiça e de coagir testemunhas na devassa que se lhe investigava. Nesse clima, não tarda a acusar o novo Ouvidor do Piauí, de ser influenciado pelo antecessor, enganando-o a respeito do procedimento de algumas pessoas. Na verdade, enquanto o novo Ouvidor desempenhava sua diligência no Maranhão, o Ouvidor Silva Manoel o esperava no Piauí, a fim de repassar-lhe o cargo, não deixando de com ele conviver por alguns dias. Então, lhe recomendou os amigos e o preveniu contra as diatribes do capitão-general. Mesmo indo embora do Piauí contra sua vontade, Silva Manoel cooptou o sucessor para os interesses que defendia. E para desespero do capitão-general Fernando Fóios, em 30 de março de 1791, o Ouvidor Cristóvão José Frias Soares Sarmento comunica à rainha que tirou a residência de seu antecessor e nada encontrou que desabonasse a sua conduta. Ainda elogiou sua gestão e o recomendou como digno de continuar no real serviço.

Em 1792, a Capitania do Piauí sofreu grande seca, recebendo vários moradores, especialmente do Ceará e Pernambuco, onde seu efeito foi mais intenso. Depois de três penosos anos (1791-93), se seguiram anos de forte inverno com grandes inundações.

Por esse tempo o Piauí exportava alguns produtos, inclusive a quina, tendo remetido em 1792, dezessete surrões para o reino. Mais tarde envia esse mesmo produto para o Maranhão, dizendo sê-lo mais abundante nos termos de Marvão, Valença, São João da Parnaíba e Oeiras. Em maio de 1793, chegam a Lisboa vindas da vila de S. João da Parnaíba, no Piauí, três sumacas denominadas N. Sra. da Conceição, Santo Antônio e Almas, conforme ofício do desembargador dos agravos, Antônio Joaquim de Pina Manique ao secretário de Estado da Marinha e Ultramar. Em 25 de junho desse ano, o Ouvidor-geral comunica ao reino que tem se empenhado para aumentar o rendimento da Real Fazenda e também solicita sua substituição em face de se avizinhar o término de seu tempo de serviço. Logo mais é acusado de desvio de recursos do cofre dos Defuntos e Ausentes. O Juiz de fora do Maranhão, José de Araújo Noronha, que fora mandado para averiguar a denúncia, também é acusado de má conduta nessa diligência, pelo general do Estado. Não sabemos a veracidade dessas acusações contra o Ouvidor do Piauí, todavia desde o início fora vítima de intrigas, o que só aumentava seu desejo de retornar para o reino. E como não conseguira o retorno imediato, fora adoecendo e, finalmente, veio a falecer em agosto de 1795. Por esse tempo, os índios tapacuás agitavam o termo de Parnaguá, sendo combatidos pelo capitão Manuel Ribeiro Soares, que os expulsa para a Capitania de Goiás.

Como parte das intrigas e arbitrariedades praticadas no Piauí, em 1794, fora preso na cadeia do Maranhão, o tesoureiro dos Ausentes do Piauí, Antônio Pereira Nunes. Em seguida, denuncia a vítima à rainha, que sua prisão fora injusta porque apenas cumpria o seu dever de cobrar as dívidas da Real Fazenda do Piauí, atribuindo-a às maquinações do Ajudante Antônio do Rego Castelo Branco, um dos principais devedores. Também Manuel Antônio de Torres, figura influente da Capitania, fora preso nesse ano, remetendo à rainha, em consequência, graves acusações contra seu parente Antônio do Rego Castelo Branco, que estava muito prestigiado nesse período, perseguindo desafetos, segundo as denúncias. Também o responsabiliza por sua prisão.

E assim venceu-se mais uma fase da Junta de Governo do Piauí, a comandada pelo Dr. Cristóvão José de Frias Soares Sarmento.



5ª Fase: ouvidores interinos (1795 a 19.12.1797).



Conforme foi demonstrado, a Junta de Governo do Piauí, na primeira fase estudada, estimulou o plantio de algodão na Capitania. Novamente, em 1795 entra “em cogitações a obtenção doutros produtos com o propósito de estimular o comércio exterior. Mas as instruções frisavam: sem indústria e trabalho do homem. Seria a depredação da terra, de sua flora, de seu subsolo. Nesse longo período de 22 anos, ou melhor, ao longo de nossa história, até então, foi tudo o que vimos daquilo que se poderia chamar economia política” (NUNES, 1975:128).

Em continuidade administrativa, no ano de 1795, foi anunciada a descoberta de minério de ferro nas serras que ficam à margem do rio Parnaíba, no termo de Jerumenha. Neste ano conclui-se a construção da igreja de N. Sra. das Graças, da vila de S. João da Parnaíba, sendo então transladada a imagem de sua padroeira que se encontrava na matriz de Piracuruca. Ainda em 1796, foi descoberta no termo da vila de Marvão, hoje Castelo do Piauí, uma gruta de pedra em forma de templo, a que os habitantes do lugar dão o nome de Castelo. Algum tempo depois, em 1794, os habitantes da nova povoação da foz do rio Poti, hoje Teresina, iniciam a construção de uma capela sob a invocação de N. Sra. do Amparo, a qual mais tarde passou a servir de matriz. Em 24 de março de 1797, o governador e capitão-general do Estado, D. Fernando Antônio de Noronha, comunica ao secretário de Estado da Marinha e Ultramar, D. Rodrigo de Sousa Coutinho, o apresamento da sumaca denominada Graça, que se deslocava para a vila de S. João da Parnaíba com vários escravos a bordo, libertando-os.

Segundo o notável historiador Odilon Nunes, nesse “estéril período de 22 anos de governos interinos, passados os primeiros dias, só em 1795 entra novamente em cogitações o descobrimento de outras fontes econômicas no Piauí. Como consequência, colhem-se as primeiras amostras de origem vegetal e mineral, e a Junta Trina Governativa aponta a necessidade de se construírem em cada sede municipal cadeia, casa da câmara, bem como anuncia as providências que já tomara para solucionar o instante reclamo da cousa pública. Com a ajuda particular, na Capital edificava-se sobrado adaptado àquelas conveniências: a obra estava adiantada, pronto seu madeiramento e apostas as primeiras janelas. Pede a criação de novas paróquias, e duma cadeira de primeiras letras em Oeiras, e informa que no Piauí não havia uma única escola, ‘o que fazia a principal causa da rusticidade e ignorância em que se achava sepultada a Capitania’. ‘É quando toma posse D. João de Amorim Pereira” (NUNES, 1975:135). Portanto, essa última fase, apesar de não contar com ouvidor letrado, foi de alguma operosidade administrativa. E assim se finda esse longo período de vinte e três anos, e não de vinte e dois, como geralmente se diz.



Conclusão:

Em síntese, durante esses vinte e três anos de governo interino, o Piauí registrou pífio avanço econômico, político e cultural. Aliás, as demais administrações dos governadores não foram tão diferentes, à exceção de uns poucos, entre esses os governos de João Pereira Caldas, o implantador da Capitania, e Carlos César Burlamaqui, cuja luta propiciou seu total desligamento do jugo maranhense. Como em todos os demais governos houve algumas tentativas de melhora, que, infelizmente, barraram frente à burocracia estatal, a falta de interesse da metrópole e as intrigas paroquiais. Também, com o poder dividido entre três membros faltou um comando centralizador que se fizesse impor, tanto frente aos governados quanto aos superiores hierárquicos, de sorte que eram constantemente jogados uns contra os outros, ao sabor de interesses menores. Mesmo alguns ouvidores de personalidade forte, como Durão e Silva Manoel, que se impuseram sobre os demais e até contra o general do Estado, sofreram sérios reveses. Não é sem razão que ambos foram destituídos de suas funções a contragosto, sendo o primeiro preso e remetido à força para o reino, e o segundo, conforme demonstramos, retornou contra sua vontade, tendo, inclusive, pedido para permanecer no exercício de suas funções. Então, o Piauí não avançou administrativamente nesse período, não incrementou sua receita com a descoberta de novas fontes econômicas, ou reforçou as antigas, com o melhoramento da pecuária. O ensino não sofreu alteração substancial. Não se criou novas freguesias ou novas vilas. Enfim, o Piauí não progrediu durante esse estéril período administrativo.

No que se refere à política indigenista, seguiu a mesma linha dos governadores que o antecederam, de combate ao elemento indígena internado nas matas, no caso os pimenteiras, tapacuás e gamelas, esses últimos no Maranhão, porém, sem formação de novos aldeamentos. Aliás, foi extinto o aldeamento de S. João de Sende, com o bárbaro assassinato de diversos índios guegués, a sangue frio, depois de dominados. Então, esse governo interino completou a desastrada política de seus antecessores, de extermínio dos indígenas piauienses. Nesse aspecto, aliás, a Capitania ficou desinfestada, como então se dizia, de forma que os governadores que o sucederam puderam se ocupar de outros problemas. E, sem solução de continuidade, essa luta desigual vai ser retomada com veemência no governo de Carlos César Burlamaqui, dizimando a última nação indígena existente nas matas piauienses, os pimenteiras, das cabeceiras do rio Piauí, no então termo de Oeiras. Assim, muito em breve, com o fim dos indígenas aldeados em Cajueiro e S. Gonçalo, o Piauí vai ser a única província brasileira, isto após a independência, a não ter mais índios. Nesses dois aldeamentos, com a miscigenação, ficou apenas a descendência, que com o tempo foi se descaracterizando, de forma que hoje nenhum descendente se considera mais representante dos nativos.



BIBLIOGRAFIA:

NUNES, Odilon. Pesquisas para a história do Piauí. Volume I. Rio: Artenova, 1974.

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*REGINALDO MIRANDA, advogado e escritor, membro da Academia Piauiense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí e do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-PI. E-mail: reginaldomiranda2005@ig.com.br



[1] Arquivo Público do Piauí. Códice 2. P. 38v-39.

[2] Posteriormente, localizei cópia desses autos no Arquivo Histórico Ultramarino e a publiquei na íntegra, com extenso estudo introdutório.

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